31.12.13

Selfie

Selfie é a popular palavra para designar uma fotografia tirada a si próprio, normalmente com um telemóvel, um auto-retrato portanto, e que foi nomeada a palavra do ano 2013 pelo famoso dicionário da Oxford. E já que este é o último dia de 2013, dediquemos-lhe uma crónica.
Óscar Wilde, o romancista irlandês da segunda metade do século XIX, autor do famoso romance Retrato de Dorian Gray afirmou que "Um retrato pintado com a alma é um retrato, não do modelo mas do artista." Ora, um auto-retrato será, então e de acordo com esta opinião de Wilde, partilhada aliás por muitos pintores e fotógrafos, uma espécie de aparição ou de revelação a si mesmo. Se na pintura me parece possível a aplicação da máxima, já numa selfie quer-me parecer que há pouca preocupação com esse lado filosófico ou ontológico de descoberta do “eu” através da selfie.
Mas o que pôs selfie como palavra do ano no dicionário foi também o facto de estas fotografias, postas a circular nas redes sociais, se terem tornado virais neste tipo de canal de comunicação. Já são tantas as selfies, como as fotos de gatos e comida, imagine-se! E o que é certo é que também já se definiram regras para este tipo de auto-retratos. Um “dos and dont’s” para continuarmos na língua da palavra do ano, ou seja, um “a fazer e a evitar”. Parece certo fazer uma selfie em frente à Mona Lisa, ou deixar um espaço em branco ao seu lado para qualquer vedeta que inesperadamente possa passar por ali e ficar na foto; mas nunca se deve fazer pose de patinho, por exemplo, ou autorretratar o seu “traseiro” para o público. Admito que seja um código ainda em construção…
Tudo isto parece muito “ à frente” e fora do que realmente importa na vida, mas o que é certo é que as tecnologias vivem no quotidiano dos nossos jovens (e não só) e fazem-nos viver a um ritmo pouco equiparável ao da máquina de escrever. Por isso, quando julgamos por vezes estar a fazer algo de inovador e arrojado, afinal isso já é banal em qualquer parte desta pequena aldeia wireless que é o Mundo e o jovem de 16 anos lá de casa dá-nos lições sobre o assunto.
O que, de facto, me surpreende mais nesta coisa das selfies é precisamente, afinal, o dispensar do fotógrafo. Uma espécie de declaração de independência dos outros, mas afinal uma dependência da máquina e da vontade de “estar na rede”. Uma aparente contradição entre pôr a circular numa rede de comunicação um testemunho, mais ou menos relevante para as nossas vidas, que se tirou sozinho para não ter que (ou porque não se pode) comunicar e pedir «importa-se de me tirar uma foto?».

Logo à noite, vão ser muitas as selfies neste mundo a assinalar o final de um ano e o recomeçar de outro. Partilhado ou vivido consigo próprio, desejo a quem me ouve ou lê, um Bom Ano! e, até para a semana! 

28.12.13

Assuntos da Câmara I

Declaração de voto sobre as Grandes Opções do Plano e o Orçamento Municipal 2014. Reunião pública extraordinária de 20 de dezembro de 2013.

Um orçamento é um instrumento previsional de gestão que, quando definidas de forma clara e objetiva quais as áreas em que é possível realizar receita e cumprir despesa, deixa entrever as linhas políticas de quem propõe esse instrumento técnico. Os vereadores do PS estão conscientes das dificuldades que, agravadas a partir de 2011, têm condicionado a governação desta Câmara Municipal de Évora. Não só mas sobretudo pelas condições conjunturais que impedem a realização de receita, pela impossibilidade de recorrer a empréstimos à banca, pelos cortes que têm vindo a ser efetuados do orçamento geral do Estado para as autarquias, pelas dívidas que há mais de 30 anos foram sendo contraídas para, naturalmente, cumprir compromissos votados e assumidos pelos sucessivos executivos.
Neste orçamento dá-se sobretudo, ao olhar político, sugestões de manutenção de atividades propostas, iniciadas e desenvolvidas pelo executivo anterior, apenas enroupadas por uma linguagem muito própria, com a qual não nos revemos e onde, julgamos, apenas uma parte dos Eborenses se revê. Porque, nesse sentido, é um orçamento que deixa prever a manutenção de linhas implementadas pelo executivo anterior, nas respostas à área da educação e no caminho da coesão social, frágil nestes tempos, iremos abster-nos na sua votação.  
Não nos tendo sido apresentada nenhuma proposta de modelo do OM para 2014 ou até as linhas gerais da sua realização, o que tem sido até agora prática habitual, este tornou-se o orçamento menos participado, a nível político, dos últimos 12 anos em Évora. Ao não fazer mais do que cumprir ao mínimo, e sem prazo razoável, o estatuto do direito de oposição, convocando-a para o próprio dia e a poucas horas da RPC em que é dado à discussão este documento, não nos permitiu o executivo CDU, que fizéssemos alguma proposta que tivesse a intenção de ser levada à prática.
Ainda assim, nesta única reunião de Câmara sobre o assunto, não queríamos deixar de expor o que julgamos se prende precisamente com um princípio de governação. Teríamos proposto, assim, que se implementasse, desde já a partir do orçamento para 2014, a prática do orçamento participado. Podendo este caminho ser feito optando, de entre os vários modelos que existem, por aquele que de forma mais ágil e exequível permitisse a equidade das propostas a que as diferentes instituições e agentes se fossem habituando a construir, e escolhidas depois pelos munícipes, preferencialmente com uma distribuição também equitativa pelo território do concelho. Teria sido esta, por exemplo, uma proposta mais correta para com as freguesias. Mais do que propor-lhes apresentarem propostas de investimentos sem nenhum “plafond” indicativo e com exigências de detalhes que os quadros técnicos que constituem as juntas de freguesia não têm ainda competência, nem obrigação de a ter, para as realizar, fazendo-as sentir-se a entrar num mundo ilusório onde do nada ao tudo, qualquer coisa parece possível.
As metodologias de participação que lemos na proposta elencam seis programas de contornos vagos, em que apenas a proposta intitulada «reivindicações ao poder central» parece ser a já posta em prática, seguindo uma tendência não só histórica dos governos locais da CDU, como um reflexo do real estado do desespero dos cidadãos em geral no grave período de depressão que atravessamos. Não vemos, no entanto, referência direta a uma forma de participação que estava a ser implementada, seguindo a legislação, pelo Conselho Municipal de Juventude, sendo uma forma de começar desde logo em órgãos próprios a promover essa participação. Não encontrámos nesta proposta o reflexo dessa prática, legislada, ou a intenção concreta de a realizar.
Finalmente, não queríamos deixar de assinalar que há neste orçamento referência por parte da CDU, agora na governação, às faturas da Gesamb, a par da referência, habitual na discussão dos pelo menos dois últimos orçamentos, às faturas das Águas do Centro Alentejo[1] (p. 38) Constantemente acusados nos últimos anos de uma má opção que foi a que à partida parecia a melhor para resolver o problema da água às populações no concelho de Évora, o PS de facto resolveu-os. Fica aqui assumido, neste OM 2014 que também a opção do tratamento de resíduos sólidos, tomada por executivos da CDU, não está a ser melhor para a saúde financeira da Câmara Municipal.



[1] «As receitas da água e do saneamento são claramente insuficientes para pagar a fatura
das Águas do Centro Alentejo, assim como as receitas provenientes dos resíduos sólidos
são insuficientes para pagar a fatura da Gesamb.»

23.12.13

Noite de Natal é noite na mesma (crónica de véspera)

Porque hoje é dia da noite mais famosa no ocidente cristão, que as economias de mercado conseguiram, quais missionários de séculos passados, levar a outras culturas, vou falar-vos de noite e de amor. Não estava a pensar no entanto, com temas tão doces e ternos, e sem focar um caso atual em particular, deixar de “sair da caixa” e agitar aquelas e aqueles ouvintes e leitores que entre uma lasca de bacalhau e uma fatia de bolo-rei tenham a paciência de me ouvir ou ler.
Uma crónica curta que o dia é de cânticos e embrulhinhos, de SMS e postais nas redes sociais ou trocas de telefonemas que se prometem repetir para mais e melhor conversa, mas que afinal só voltam a acontecer, talvez mais duas vezes no ano, sempre por ocasião de mais outra data natalícia de aniversário, pois então.
Uma crónica curta, porque as palavras e o que de tão diferente se pode ler nelas quando bem alinhadas, geram por vezes grandes e intencionais equívocos que, às vezes também, não passam de simples e claras evidências. E é por isso que receber as palavras que se dão a ouvir ou a ler, nem que seja com a indignação ou o insulto, é sinal de um enorme respeito pela função de leitor que se assume com maior ou menor competência, legitimando assim o interesse do que é dito no que se escreve.
Ou seja, no jogo da leitura por mais palaciano que seja e sirva a uma animada noite de tertúlia entre amigos ou familiares, leitura que é de textos mas também de situações e do próprio mundo, o ato de ler é, por si só, o grau zero do respeito pelo texto e pelo autor. Tudo o que vem depois valoriza, para cima ou para baixo, não só o texto e o autor, novamente, mas os leitores que leem ou tresleem o texto. E é por isso que ler e escrever, no espaço público, é um presente que nos dão a nós autores nem que seja de crónicas semanais. Obrigada, pois então, que agradecer é bonito e fica bem.
E, pronto, aqui vos deixo a minha crónica, não sem vos deixar como prometi, e talvez como “entretém” para desembrulharem, as palavras sábias e bem alinhadas que Ovídio escreveu na «Arte de Amar» (eu disse que falava de amor!) e que cada um de vós lerá como entender: «De noite, os defeitos ocultam-se.»

Um feliz Natal e até para a semana. 

17.12.13

Natal é amor porque sim

São cada vez mais as notícias sobre vítimas, mortais, de violência doméstica. No entanto não sei se há mais vítimas agora do que há 40 anos atrás, com as devidas proporções demográficas tidas em conta. São, é sem dúvida, mais as discussões em espaço público sobre o assunto. Está o problema centrado na inadmissível violência, que alguns fazem recair sobretudo numa questão de género o que me parece já redutor, e que é tanto mais inadmissível, sendo-o desde sempre, quanto mais o Homem (assim com maiúscula) se afasta da besta num rumo desejável da civilização.
Mas a questão também se centra, e de forma muito vincada, na relação fronteiriça, e tantas vezes violada por “dá cá aquela palha” e alimentando o que de pior há em nós, entre o público e o privado. Por isto, a violência em domínio privado passou a ser considerada crime público, ainda que só há uma dúzia de anos, e não sem controvérsia, aqui em Portugal. Nietzsche afirmava, na sua obra «Para além do Bem e do Mal», que “Em homens duros a intimidade é questão de pudor - e algo de precioso” o que justificará a denúncia de uma situação da intimidade, ainda que de outrem, para o domínio público como, ainda para muitos, um ato de fraqueza, semelhante à da delação, e não de coragem. Também neste campo as fronteiras são difíceis de medir e julgar, com parâmetros de Bem e Mal à mistura e a baralhar o comum mortal.
A preciosidade da vida íntima ou pessoal, característica que Nietzsche lhe atribui na sentença que citei, é precisamente o que tantas vezes leva à hesitação da denúncia, pelos próprios, e aí é queixa, ou terceiros. Queixa e denúncia são substantivos negativos, sendo até o diminutivo “queixinhas” sinónimo de denúncia. Substantivos tutelados por um outro maior, e tão louvado e usado, que se adjetiva inúmeras vezes para fazer descer ao caso particular: o amor. E muitas vezes, só quando o amor a outros se sobrepõe ao amor-próprio ou até mesmo, porque não admiti-lo ao amor por quem maltrata, só aí a fraqueza se faz coragem, e se disfarça com o medo.
O que me parece certo é que, para além das patologias que só encontram possível cura junto dos médicos, mais uma vez é na educação que se previnem os casos, ligeiros ou extremos. Ambos são de violência, que acontecem no espaço privado das famílias e que, na maioria dos casos, têm conotações e justificações com a intimidade sexual de cada um. E para que também não se caia na tentação do extremo oposto que, afinal, vem depois legitimar o descrédito das “queixinhas”. É, por isso, tão lamentável existir quem, com responsabilidades políticas, pareça continuar a achar que a educação sexual na escola pública, tantas vezes confundida porque quem não conhece os seus conteúdos, e que assenta, quando é bem feita, na sólida base da educação dos afetos, seja ainda matéria controversa e, por isso, a rejeitar e não a aprofundar. Como também ouvi esta semana que passou, isso seria deixar espaço a que para muitos, talvez ainda uma maioria dos jovens no mundo inteiro, a educação sexual se faça atrás do pavilhão da escola, e com ela a dos afetos. Pode, afinal, tratar-se de uma questão quase geracional, talvez.

Agora que o Natal se aproxima e a quadra já se vai revestindo desse ambiente que promete o amor e as tréguas entre todos e em geral, nem que seja só como interrupção do resto do tempo e as rotinas prossigam dentro de momentos, talvez a tolerância ganhe outra definição. Mais próxima da intolerância com pactos de silêncio perante situações que sendo da vida íntima, uma tolerância despudoradamente viva na denúncia sem estigmas de delação, mas única e exclusivamente com pudores, porque também os deve haver, de justiça. É que nestes casos em que tantas vezes só podemos julgar pelas aparências, porque tudo se passa no espaço privado, quando chegamos a saber e calamos, consentimos.

10.12.13

O meu avô

Não há como não falar hoje em Mandela. Mesmo se há quatro dias é o que mais se tem feito no espaço público, a importância sobretudo simbólica de Nelson Mandela assim o exige. E depois este político foi profícuo em ensinamentos vertidos em frases lapidares. Das muitas que também por aí circulam, escolhi aquela em que diz que «A educação é a arma mais poderosa que se pode usar para mudar o mundo». Porque a educação também nos é dada pelos nossos antepassados e não há como não sentir Mandela como uma espécie de avô de todos nós que viveu até ao fim, mesmo se esse fim nos surpreendeu, vou falar-vos do meu avô que também morreu assim, no fim, aos 96 anos, e que me marcou de uma forma que reconheci sempre em sua vida mas que, surpreendentemente, se me tem revelado agora, nestes últimos quatro anos, particularmente inspiradora, tendo revisitado todos os seus testemunhos com grande entusiasmo.
O meu avô, que era primo direito do José Régio e do Júlio, duas figuras maiores da Cultura portuguesa, teve o privilégio, fruto de algumas posses de uma família de burgueses que valorizavam já na altura o único património que sempre considerámos, na família e a par da família, inalienável, o do Conhecimento, de ter estudado em Coimbra, onde foi presidente da Associação Académica, e ter sido advogado. Fez parte de movimentos políticos na clandestinidade e, com alguns destes, ajudou a fundar, lá pelo Norte do País, após o 25 de abril, o Partido Socialista. Foi sempre Presidente da Assembleia Municipal de Vila do Conde, a terra da minha família paterna, desde que houve eleições locais democráticas, até que a saúde lho permitiu.
Atarefado pelas atividades profissionais e políticas, os momentos em que convivíamos, nas férias às refeições e nas quadras festivas do calendário cíclico, ouvia-nos e respondia-nos às perguntas de vária ordem e contava-nos histórias, episódios da sua vida, que ouvíamos, netos e mesmo depois os bisnetos, em silêncio com muita atenção. Pois também é isso que faz a maior parte dos avós neste mundo, assim se criem as condições para tal.
Já estaria pelos seus 70 anos, e a minha avó por perto, quando a propósito da curiosidade de um dos meus primos sobre a genealogia da família e a vontade de poder ter por lá alguma figura notável, fomos descobrindo uma história do lado da minha avó sobre brasões e títulos nos Açores, de onde seriam os antepassados, e que um tio-avô teria mandado lançar ao mar quando lhe perguntaram o que fazer com a pedra de armas da família. Espantados com estas novidades do passado da minha avó, que tinha uma enorme mágoa por não ter nunca estudado mais do que a quarta classe, logo perguntámos ao meu avô pelos seus antepassados. Resposta dele: «Plebeus puros!».
A par de outras curtas e certeiras respostas que lhe fui ouvindo ao longo da vida a propósito de maneiras de a viver, tomei-o sempre como exemplo nas ações que acompanhavam as palavras tão admiradas por tantos. E aprendi que, não descurando a nossa individualidade sobretudo na opinião que formamos e naquilo que é do foro mais privado, o bem comum que partilhamos com os outros, esse Povo em que afinal todos nos tornámos com a Democracia, é precioso. Foi esse o sentido que deu ao termo plebeu que então usara. Esse sentido de pertença a um coletivo de direitos e deveres com as mesmas oportunidades de os exercer. E esse bem comum tem de ser tratado no sentido de que nele se gerem o menor número de injustiças possível, já que a própria vida às vezes nos parece fazer algumas.
Os códigos de conduta pública, quando balizados por regras e leis onde o bom senso, muitas vezes uma equação difícil mas não impossível de encontrar, é a pauta por que todos nos devemos reger, sem exceções por arbitrariedade. Ou como costumo ouvir dizer a outro homem com quem muito tenho aprendido, a regra defende o pobre e se o que é comum for cuidado, então também o que o que é de cada um fica salvaguardado.

São os indivíduos que, normalmente com um coletivo, têm na mão essa arma poderosa que é a educação dos outros pelo exemplo que são. São raros os que, chegando a políticos ou assumindo posições de poder, tenham para além do papel de modelos da humanidade a felicidade de contribuir para alguma coisa no mundo mudar, para melhor. Nelson Mandela foi um deles. E à muito minha escala, que é a de tantos outros netos e filhos e irmãos, o meu avô também.

3.12.13

“Natalicidade”

Hoje, primeira crónica de dezembro, mês do Natal, falarei um pouco sobre a felicidade que nos vem de pequenas grandes coisas, como por exemplo as iluminações da quadra nas ruas. A inspiração chegou com as palavras do autarca de Lisboa que, na concorrida, festiva e mediática inauguração das iluminações de Natal na Baixa, afirmou que a pior medida de poupança que tinha feito, há dois anos, teria sido nas luminárias natalícias, alegando que estes momentos de felicidade são não apenas bons para os cidadãos, como para o comércio daquela zona. Devo dizer que concordo. Que o ambiente influencia as pessoas e que coisas bonitas à nossa volta fazem-nos, pelo menos tentar, ser mais harmoniosos com essa beleza.
Mas também concordo com Lincoln que a meio do século XIX na América terá dito que «A maioria das pessoas é tão feliz quanto resolve ser». Ou seja, se este ano sobre as luzes se achará que nos põem mais felizes, noutros houve, e se calhar voltará a haver, em que nos incomodam por representarem um luxo a que não temos direito porque algures no tempo haveremos de ter o dever de o pagar. Enfim, a cena do velho, do rapaz e do burro (português já agora que estão na moda) que é tentar agradar a todas as vozes que palpitam no espaço público em geral.
Reza a história feita de fait-divers que no final de 1880 Thomas Edison, contente com o bom funcionamento das suas lâmpadas incandescentes, estava à procura de maneira de propagandeá-las quando resolveu celebrar o Natal pondo lâmpadas incandescentes à volta do seu laboratório, recuperando uma tradição (sem eletricidade) do norte da Europa. Dois anos mais tarde, um colega de Edison, chamado Edward Johnson, exibiu a primeira árvore de Natal eletricamente iluminada na sua casa em Manhattan. A iluminação nesta quadra começou então como forma de atrair pessoas, mas também como um gesto de celebração, e mantém-se assim até hoje, tendo-se espalhado pelo mundo ocidental ou ocidentalizado.
De uma conjugação entre o público e o privado, este interesse comum acaba por ter, nas cidades, vilas e aldeias, envolvimentos diferentes. Cabe normalmente às Câmaras Municipais a iniciativa, e respetivo orçamento, de iluminar e animar as ruas, cabendo aos comerciantes, os que beneficiarão com a atração de mais pessoas aos locais iluminados e animados, manter as lojas abertas em horários alargados e promovendo o que nelas vendem.
Tive alguma intervenção no Natal de Évora nos anos 2010, 11 e 12, já que no primeiro ano da minha vereação, tudo já estava preparado para que decorresse como decorreu. Em 2010 com o orçamento rapadíssimo para estas iniciativas de iluminação festiva lá se fez uma versão low cost. Mas em 2011, repetindo-se em 2012, fomos encontrando maneira de, com meios internos, assinalar a data e aquecer o ambiente. Houve inclusivamente uma tentativa de, em conjunto com os comerciantes através da Associação Comercial do distrito, ajudar quem normalmente não podendo dar-se a extras, no Natal pudesse ter vales que usando no comércio tradicional o permitisse. Não resultou, já que poucos comerciantes aderiram.
É aliás um sintoma do que se foi criando num certo comércio dito tradicional, que todos se acham na obrigação, eu inclusive, de ir apoiando. E o que se verifica é que, continuando a lamentar-se do pouco negócio pelo esvaziamento não só dos bolsos mas também das ruas, não só algumas cidades vão permanecendo na rotina que não assinala a época como em épocas mais fartas dos poderes públicos, como não se assiste a nenhuma reação proactiva por parte desses interessados, alguns comerciantes com honrosas exceções, que parecem afinal pouco interessados, em contribuir no que, contas feitas, só podia reverter em seu favor. Mistérios…

26.11.13

Judiarias

Há naturalmente notícias que nos interessam mais do que outras. Foi o que aconteceu a semana passada nas notícias divulgadas a partir de um comunicado da Câmara Municipal de Évora. O assunto era a Rede de Judiarias de Portugal e a eleição do município de Évora para os seus órgãos sociais. Já agora acrescento para informação dos ouvintes e leitores, e para nos irmos limitando a factos, que é o que normalmente um órgão de comunicação institucional deve fazer, que foi eleita para último vogal do Conselho Fiscal. Mas, entretanto, aliás no mesmo dia do comunicado da CM, houve declarações à Lusa sobre este ato eleitoral que se tinha realizado em Belmonte, sem que tenham sido convocadas as entidades regionais de turismo do Centro e do Porto e Norte, pelo que, e cito «denunciou hoje o presidente do Turismo do Centro, Pedro Machado, que reclamou a nulidade do voto». Parece que este presidente admitiu recorrer a uma providência cautelar caso não sejam repetidas as eleições, para as quais aquela entidade não foi convocada Afinal, tendo tido eu um papel no assunto desde há dois anos era natural que me interessasse pela notícia e procurasse saber mais. E aproveito agora para relembrar alguns detalhes, que não serão pormenores, antes “pormaiores”, neologismo que me agrada bastante.
Foi mais propriamente na Assembleia Municipal de dezembro de 2011 que foi aprovada por unanimidade a integração de Évora nesta rede, acabada de ser constituída. Facto: as eleições de 2013 são por isso as primeiras dos órgãos sociais para que Évora poderia ser convidada, e foi, fruto seguramente do prestígio de Évora e do trabalho que se adivinhava profícuo para a sua integração ativa na rede. Foi, nessa sessão da AM, com a declaração de uma saudosa investigadora da cultura judaica da Universidade de Évora, deputada na altura, que foi alertada a CM por ser, e cito, «o caso de Évora estranho, porque se conhecia muito do ponto de vista científico, mas pouco no plano turístico, lembrando que esta atividade poderia ser um recurso económico, nomeadamente de carácter religioso, não olvidando que a cidade se encontrava no roteiro de muitos grupos vindos de Israel, dos EUA ou de França, não existindo na Câmara local, segundo sabia, qualquer preocupação em se produzirem brochuras especializadas ou na feitura de sinalização adequada, que pudessem rentabilizar tal património.». Manifestou ainda um desejo: «tendo o [município] de Évora sido convidado para o efeito, [esperava] que este tivesse vontade política para agarrar a oportunidade, promovendo vários eventos». Estávamos em dezembro de 2011, discutia-se o orçamento de 2012, onde a promoção de eventos se teria de limitar aos apertos que todos conhecemos. Mas o que fizemos pôs-nos, como se vê agora, no bom caminho.
Com a entrada na Rede, foram inúmeros os contactos feitos com parceiros, incluindo a integração de uma comitiva oficial, para a sua divulgação em Israel, corria o mês de fevereiro já deste ano, resultado de um trabalho que ainda que silencioso e interno, começava a dar frutos. A divulgação de Évora foi importante ao ponto de estarem programadas diversas iniciativas, que não sei se se realizarão, relacionadas com o turismo judaico e religioso. E também se continuaram as negociações, encetadas em 2012, com representante dos muitos herdeiros de um espaço para albergar a Casa da Cultura Judaica Diogo Pires, espaço aliás já alvo de inúmeras e longas intimações pelo estado de degradação e constituição de perigo para a segurança pública. Um exemplo recorrente no centro histórico e que os eborenses conhecem bem. A boa notícia que tivemos, só já em setembro deste ano, é que efetivamente haveria verbas, 280 mil euros, para podermos fazer propostas concretas e arrancar com o projeto.
Lamentável é que um comunicado oficial da CME venha com o discurso que, os mais atentos já deram conta, vai sendo feito por outros executivos camarários que o PCP conquistou de novo nestas autárquicas e que é, ao melhor estilo de Relvas, desculpar o não-feito ou a não-fazer com o feito antes. Mas que espécie de notícia oficial de uma instituição com o mínimo de sentido de estado afirma, com recurso a inverdades, ainda por cima, que «Nada disto se concretizou, em tempo útil, por razões que a razão desconhece e que terão de ser imputadas ao anterior executivo.»? Enfim, diz tudo sobre o seu autor…

Mas falta ainda a dita citação com que me comprometi nesta série de crónicas. A propósito de propaganda, já que foi a utilização desta técnica que despoletou os meus comentários e informações, cito Sinclair Lewis, o primeiro americano premiado com o Nobel da literatura, que diz com ironia: "A propaganda é um fator económico valioso porque é o meio mais barato de se vender bens, especialmente se os bens não valem nada."

20.11.13

Empreendedorismo

A propósito da sugestão de introduzir a disciplina de empreendedorismo na escolaridade obrigatória, vontade aparentemente só manifestada por ministro que não é da Educação, encontrei uma frase atribuída a Freud, mas de uma banalidade desconcertante que diz «Não se deve empreender coisa alguma de que se não goste realmente.» Mas Freud é Freud e vamos lá ser justos e a partir desta banalidade que o deve ser pela descontextualização, levar a água ao nosso moinho. 
Presumo que a ideia que partiu do ministro da Economia num debate na Assembleia da República onde, sabe-se lá porquê (embora desconfie), resolveu meter a foice em seara alheia, seria então criar uma nova disciplina obrigatória. Aprendizagens em torno do empreendedorismo têm sido experimentadas em alguns projetos pontuais, já que desde 2007 que existe um guião do Ministério da Educação para esta área, intitulado «Promoção do Empreendedorismo na Escola», de que aconselho vivamente a leitura aos interessados na matéria, mas que obviamente está datado do tempo dos “malditos” Sócrates e Maria de Lurdes Rodrigues (agora estamos muito melhor!). Sem o caráter de disciplina obrigatória devo dizer que já assisti a experiências bem interessantes nesta área, com alunos que de forma aparentemente voluntária se empenhavam com gosto e, por isso, empreendiam.
Pergunta: quem é que iria proporcionar estas aprendizagens, com caráter obrigatório, aos adolescentes portugueses? É óbvio que o da Economia atirou com a ideia, como se de um pastel de nata se tratasse, imiscuindo-se ao vivo e sem rede em assuntos de ministério alheio, o que até certo ponto vem contribuir para se ir percebendo o rumo e a coesão do governo de coligação.
Em publicação que consultei sobre a matéria do empreendedorismo na Escola, diz-se que «Os programas implementados são devidamente adaptados à realidade portuguesa, aos níveis de escolaridade e aos escalões etários. São leccionados em parceria entre os voluntários das empresas associadas e os professores das escolas aderentes, com o intuito de construir e ministrar conteúdos didácticos interessantes e motivadores do ponto de vista da sua aplicabilidade.»
Confesso que com a má disposição com que a classe docente anda por estes tempos, mesmo sendo das classes profissionais mais incitada à contestação à face do país (arriscando-se por isso o “Super Mário das Manifs”  a que haja quem já não o oiça) o que felizmente acumulam enquanto profissionais, e na sua grande maioria, com um enorme esforço para que essa contestação não se reflita no sistema de ensino-aprendizagem e, por isso, nos seus alunos. Com esta disposição, não estou a ver tarefa fácil em trabalhar estes assuntos com turmas que parecem hordas, pela quantidade de cabeças e hormonas por sala. E o voluntariado de empresas faz-me logo imaginar, injustamente talvez mas não posso evitar, sessões de distribuição de amostras gratuitas. Mas enfim, deve ser influência das ações de marketing que nos acontecem em todo o lado. Afinal trata-se de empreendedorismo, não de marketing.

Assim como Freud liga o verbo empreender ao verbo gostar, também me parece que o gosto pela Educação, a haver, terá de ser mais visível por parte de quem gere este ministério, para que o exemplo contagie os alunos e o seu empenho na Escola. O que este episódio breve entre ministérios revelou também, na saga a que assistimos em que aos poucos a Escola Pública definha, é que a eliminação tout court das disciplinas de Formação Cívica e Área Projeto com a desculpa de dar mais tempo e melhorar o Português e a Matemática, mas onde o espaço para criar estas paixões existia, até ao ministro da Economia deve ter parecido um erro.

12.11.13

Quem escreve e quem lê

Albert Camus fez cem anos na semana passada. Leitores e comentadores festejaram, a Academia também. Foi um escritor e filósofo francês, nascido na Argélia, premiado com o Nobel em 1957 e que teve intervenção política. Foi dirigente comunista, expulso depois do partido, e acabou anarquista. Era um pied-noir, o equivalente francês ao conceito português de “retornado”, o que significa para o caso que foi dos que não teve uma vida fácil. Disse um dia que "Quem escreve de um modo claro tem leitores. Quem escreve de um modo obscuro, comentadores." Primeira conclusão: qualquer escritor a quem festejem o centenário tem de ter, por estes parâmetros de Camus, esses dois lados, o claro e o obscuro.

Nesta semana que passou, fomos também brindados (oiçam a ironia, por favor) com o comentário, de alguém que escreve, sobre a reação popular à austeridade. Dessa pessoa não estou à espera que se assinalem, pela sua obra, os cem anos, nem tão pouco considero que tenha tido, ou venha a ter alguma vez, alguma intervenção política, apesar do comentário claramente colado a uma certa direita. E, no entanto, se há quem escreva e tenha leitores em Portugal, é esta pessoa. Como tem, está bom de ver, comentadores que eu já os vi e ouvi, sim senhora. O interessante é precisamente que os comentários, a sério, que se têm feito sobre os seus livros se prendem muito mais com o fenómeno não da sua clareza, mas de outro adjetivo, que Camus nunca poderia ter imaginado, acho eu com poucas certezas, e que é o adjetivo “light”. O “light” está para os livros, como o “pimba está para as canções, sendo que esta é a melhor e mais rápida definição por analogia que me parece, assim de repente, fácil de dar a entender.

 Não vou dissertar aqui sobre as qualidades de Camus, que sob a marca talvez mais consensual do existencialismo tratou grandes questões do indivíduo, da sociedade e da humanidade; ou sobre as banalidades de MRP, como por agora tem sido conhecida no meio a tal pessoa que escreve, de seu nome artístico Margarida Rebelo Pinto. E eu até sou daquelas que acha que mais facilmente se salva para a boa leitura um leitor da MRP do que um não leitor. Com muito trabalho, é certo, mas antes ler MRP que não ler nada. Mas adiante.


Quero apenas salientar o facto de que as leituras literárias não são unívocas, ou seja de sentido único, porque também as obras literárias não simplificam o emaranhado complexo que é a vida, de que também falam; que os muitos leitores se conquistam pela clareza da escrita, e não pelo simplismo, e os bons leitores pela capacidade de nessa clareza encontrarem a profundidade que nela existe e que, por isso, desperta o comentário, mesmo na forma de reflexão individual. Finalmente, salientar que bons leitores de livros, aqueles que se interrogam sobre o que leem, são normalmente bons leitores da realidade que os circunda. E quem leu MRP, como já fiz (ok, um livro e meio, porque dou o benefício da dúvida aos autores de best-sellers e senão não poderia estar aqui a falar assim), perceberá que a única leitura que ela poderia fazer foi aquela que fez, através dos olhos de uma elite alienada, cuja dureza da vida não passa pela sobrevivência nos moldes que a civilização atual deveria proporcionar. Talvez aqueles que nesse mundo cor-de-rosa retratado por MRP encontram a evasão possível à dureza do dia-a-dia, percebam a soberba de quem, mesmo não tendo nem sabendo dar melhor, lhes dá daquilo como se estivesse a atirar pérolas a porcos. 

7.11.13

Descarrilhar

"A minha única diferença em relação a um homem louco é que eu não sou louco!" terá dito Salvador Dali. Invoco a loucura a propósito do extemporâneo caso Bárbara vs Carrilho que, com uns contornos bem mais leves que julguei que acabaria por assumir quando das primeiras “notícias de última hora”, poderia ter sido o caso e a “novela” da silly season 2013. Ficou para o Outono. E quer-me parecer que à semelhança do que não é feito na altura própria, chamemos-lhe assim apesar de a exploração pública da vida íntima, consentida entenda-se, ser um tema de gosto duvidoso que normalmente me deixa indiferente, parece ter vindo agora, em modo serôdio, dar os seus frutos de uma forma ainda mais espetacular, e que, essa sim, não me deixou, nem deixa, indiferente.
Não me deixa indiferente por se tratar de mais um caso de violência doméstica que envolve crianças e cuja mediatização afetará seguramente ainda mais a vida presente e futura dessas crianças. Não me deixa indiferente, não por se tratar de figuras mediáticas ou de elites sociais, já que a violência, sabemo-lo, não é monopólio de pobres, ignorantes ou grupos socialmente fragilizados. Não me deixa indiferente sobretudo porque surge associado a alguém cujo património intelectual e a formação académica não me deixaria prever, não o caso de violência (todos conhecemos casos tão inesperados e que muito nos chocam), mas a forma como é trazido na primeira pessoa a público. O despudor da conversa fez-me perder o respeito que tinha pelo académico, muito embora pudesse não o ter já pela pessoa de Carrilho. Como pessoa não o conheci para o poder julgar, mas agora já posso. E posso dar razão àqueles que pela postura que o ex-ministro teve na vida político-partidária já me tinham expressado as suas desconfianças e que eu sempre relevei pelo respeito ao seu exercício da pasta da Cultura e à sua produção académica.   
Poderia falar da vergonha. Poderia mesmo falar até do presumível crime, legitimamente, porque o caso é aí mesmo, nessa instância, que está. Mas prefiro falar de loucura, aquela que a voz do povo contrapõe à da sabedoria, transformando-as não em opostos mas em sobrepostos. E se a dose poderia ser equilibrada, tanto de louco como de sábio ou de génio, este disparate que o ex-ministro fez o favor de vir fazer a quem nunca lhe reconheceu valor pelo lado do seu capital intelectual, veio também agora fazer-me ter muito pouca vontade de continuar a reconhecê-lo enquanto sábio.
Muitas vezes a loucura de figuras públicas tem um lado histriónico que desaparece fora do raio dos holofotes, como aliás acontece com outras características que são sobrevalorizadas por quem só as conhece enquanto figuras públicas. Umas vezes pelo que delas dizem, outras pela postura que em público assumem. É sempre um receio que tenho, este de conhecer um pouco melhor alguém por quem nutro alguma admiração. Tal como não me deixa indiferente, nem nego, essa aproximação de alguém por quem, pelo contrário, não sinto grandes simpatias. Há boas e más surpresas.

Neste caso, estou convicta de que dificilmente qualquer outra conversa ou tentativa de mostrar esse outro lado de sábio, me fará esquecer a baixeza das declarações de Carrilho, e não o “diz que disse” ou o “terá feito”, que num período de vida que seguramente o abalou como abala tantos e tantas, teve esse momento em que a máscara caiu para irremediavelmente não conseguir ser recolocada e cumprir a função que até ali teria cumprido. É que se, como acontece à mulher de César, não basta sê-lo há que parece-lo, aqui Carrilho mostrou bem quem é.

29.10.13

Aceitação

A páginas tantas, Shakespeare n’ As Alegres Comadres de Windsor, uma peça que Verdi adaptou para a sua última ópera Falstaff, escreve a seguinte máxima: "Devemos aceitar o que é impossível deixar de acontecer." A aceitação parece, aqui e assim, uma espécie de inevitabilidade. Ora não é que eu não acredite em inevitabilidades, por muito que todos os dias me esforce por que sejam as menos possíveis, mas recuso-me a que toda a aceitação o seja. Depois de muito analisadas as razões e os motivos e as histórias e os feitios, se calhar, as aceitações acabam mesmo por ser, no fundo, no fundo, a atitude possível, provável, expetável até, mas não a única saída. Há também o aceitar-se porque se quer.
Toda esta conversa não tem a ver com o slogan “Não há becos sem saída!” do movimento «Que se lixe a troika», ou com o OE para 2014, ou com as manifestações, ou com as greves que se anunciam. Na verdade, tem a ver com o facto local de me ter tornado, de novo mas ao contrário, vereadora da Câmara Municipal de Évora. Para os ouvintes mais distraídos, cá vai um esclarecimento rápido: estando em terceiro lugar na lista que apenas elegeu dois vereadores, na oposição, com a renúncia do primeiro da lista, havia que assumir a função de vereadora da oposição. A crónica tem, então, a ver com a aceitação, mas para mostrar o outro lado mais solar, e menos de todo-conformado, que o conceito possa ter e que o torna sinónimo de resignação.
O que é engraçado é que na língua portuguesa (e não só), a resignação é também a não-aceitação de um determinado cargo, ou seja a renúncia, o que não deixa de ser curioso para o caso em concreto: quem resignou levou a que outra aceitasse. O contexto muda o sentido da palavra, como as circunstâncias influenciam as atuações. No que resignação é o contrário de aceitação, há quem veja fuga, no que é sinónimo acaba por ser um deixar-se estar numa determinada situação, que não se desejou, que não se prevê mudar e para a qual nem sequer se foi candidato.
Com uma maioria absoluta, quem governa pode vir a ter na oposição um elemento de legitimação da sua governação, e daí um dos interesses possíveis para que as medidas sejam as mais consensuais. Mas parece ser absolutamente indiferente, para os destinos dos governados, que a oposição seja a favor ou contra determinadas propostas que um governo em maioria absoluta faça. O que não quer, no entanto, dizer que o que uma maioria absoluta aprove e uma oposição minoria condene, acabe por ser do agrado de uma grande parte, pelo menos a mais ruidosa, da maioria dos cidadãos. E afinal parece que sempre falo do OE e das manifs…
Quando a participação dos cidadãos em dia de eleições, por ação ou omissão, produz uma maioria absoluta, permite a quem se submeteu ao escrutínio aplicar todo o seu programa de governo. Acho até que o princípio revela maturidade por parte dos eleitores que o fazem conscientemente, como a revelam os eleitos com acordos pré ou pós eleitorais, que tenham programas de governo com muitas afinidades. O que é já estranho é que apresentando um programa que tem como principal objetivo romper com o passado, se insista que se quer governar com gente que vem desse tempo.

Com muito entusiasmo, até pelas muitas descobertas a fazer, nada tendo por isso a ver com a passividade da tal outra aceitação, à oposição cumpre acompanhar e fiscalizar o governo, se este cumpre ou não o prometido e programado, bem como, e não menos importante, os caminhos que se tomarão para lá chegar. Cumpre, ainda assim, tentar implementar, no possível, o seu programa sendo certo que o que está mal é para mudar, mas para melhor. Esse trabalho é, sim, inevitável! É que se assim não for, na ilusão de um “todos” uniforme que não existe, e quando constantemente se afirmou essa diferença, se acaba por dar razão à indiferença daqueles que exclamam “nem lá vou, são todos iguais” ou “para quê se lá ficam todos?”.

22.10.13

Blasfémia

O escritor americano Mark Twain é dos mais presentes em compilações de citações, e também daqueles que mais humor põe nas suas sentenças, muitas delas retiradas de romances e novelas. Terá escrito um dia que "se estiver zangado, conte até cem; se estiver mesmo muito zangado, blasfeme."
A blasfémia é também coisa do sagrado, ou por outra, é coisa contra o sagrado. Mas nos tempos de ciberespaço que atravessamos, a blasfémia é, ou podia ser, apenas o grau mais elevado de quem se ofende porque se sente alvo de crítica, contestação, insulto ou difamação. Assim, em diferentes graus que arrumo em crescendo, numa escala muito minha. Crítica, contestação, insulto, difamação.
Se a crítica e a contestação me parecem naturais, e por isso quando somos alvo delas podemos ficar apenas um-bocado-chateados-mas-adiante, já o insulto e a difamação são uma blasfémia para quem deles é vítima. Só uma raiva ou um descontrolo muito grandes fazem com que uma crítica ou uma contestação se transformem em insulto ou em difamação. Mas começa a acontecer de forma cada vez mais frequente e a vários níveis.
A escalada da violência verbal, em espaço público, começou no momento em que dizer a alguém que está a mentir e não ser punido por uma acusação que se prove não ser verdade passou a dar muito trabalho e, por isso, chegar o encolher de ombros, ou a explicação que não querem ouvir ou, lamentavelmente, dar uma resposta a descer ao nível. Aqui chegados, até se deu azo a que não se distinga quem mentiu mesmo, de quem apenas tomou uma decisão com consequências que se prevêem de desfechos diferentes por quem ofende e por quem é ofendido. E o insulto passa a servir não apenas para desmascarar, deixando de ser insulto e passando a acusação, mas simplesmente como forma baixa de contestação. 
A blasfémia dessacralizou-se na mesma medida em que o insulto se popularizou. E acho que foi um direito que se conquistou, considerar-se blasfémia o que é dirigido a pessoas e não a deuses. O insulto popularizou-se tanto que se massificou e tem os seus momentos de explosão em manifestações que também seguem essa “lei”, chamemos-lhe assim, de proporções. Quanto mais o grupo ou a multidão se compõe de gente que individualmente se sente atacada, maior é a agressão verbal. Por isso também as manifestações têm sido não as da ordem, a dos sempre zangados com tudo e todos, e que deviam contar até cem, para passaram a ser momentos de catarse em que o desespero se alivia na blasfémia.
E aqui acode-me um outro inglês, o poeta Ralph Hodgson, que terá afirmado que "as blasfémias proferidas em estado de angústia valem o mesmo que as orações." É o perdão em tempos de angústia.

Até para a semana.

15.10.13

Estado de graça

Costuma dizer-se que no início das suas funções os governantes entram num período a que se tornou vulgar chamar “estado de graça”. É uma expressão curiosa, envolta em misticismo e numa aura quase religiosa, que parece transformar o eleito, ou a eleita, numa espécie de desejado, de salvador, de messias até. Isto, naturalmente, acontece num raio que atinge os que fizeram e ajudaram a fazer a escolha, e ultrapassa quer em duração, quer em intensidade, a euforia, também natural, do momento da vitória. O dia seguinte é longo e lânguido. E quando o ambiente é verdadeiramente democrático, para o qual os adversários também muito contribuem, o dia seguinte prolonga-se e goza-se como um dia de domingo, por mais do que o tempo de uma rotação da terra sobre si mesma.
A escritora brasileira Clarice Lispector escreveu, em 1968, a propósito deste estado o seguinte: «Quem já conheceu o estado de graça reconhecerá o que vou dizer. Não me refiro à inspiração, que é uma graça especial que tantas vezes acontece aos que lidam com arte. O estado de graça de que falo não é usado para nada. É como se viesse apenas para que se soubesse que realmente se existe.  Nesse estado, além da tranquila felicidade que se irradia de pessoas e coisas, há uma lucidez que só chamo de leve porque na graça tudo é tão, tão leve.»
Por acaso, acho que, apesar do que disse, no caso dos governantes a coisa dá-se mais como com os carros novinhos em folha e que acabados de sair do stand já estão a desvalorizar. Não é uma visão tão poética e espiritual, bem sei. Mas, desde que passei pela situação, que também sei que a poesia e a espiritualidade têm muito pouco espaço na vida de um ou uma governante. E vejamos também que durante algum tempo, mesmo desvalorizada, a viatura nova continua a brilhar e a comportar-se como se esperaria.
E por isso, este estado de graça de que falam comentadores mais ou menos encartados, é mais um estado de torpor, que rapidamente se altera com a primeira medida importante que se toma. O estado de graça é uma espécie de período de licença especial em que quem a ele assiste, sem paixão ou comprometimento, aguarda pela confirmação, ou não, do verdadeiro estado em que tudo vai ficar ou mudar. Julgo até que é todo o discurso propagandístico que projeta futuros num exercício puramente de estilo que, em muitos casos, faz prolongar o estado de graça.

No último ato eleitoral, e refiro-me obviamente à realidade de Évora que é a que conheço melhor, quem tenha tido a vontade e correspondente persistência para ler os diferentes programas eleitorais, que para o vencedor será ou deverá ser um programa de governo, terá reparado que os futuros foram, se calhar pela primeira vez em quase 40 anos, pouco prometedores. A maior parte, para não dizer todos, não deixa ver ao cidadão comum o que vai ser diferente. Talvez por isso, mais de metade tenha ficado em casa, porque afinal uma promessazita mais audaz em campanha eleitoral fica sempre bem! Quererá isto dizer que o estado de graça será mais curto do que habitualmente? Ou, pelo contrário, se prolongará à sombra de passados que, afinal, não se conseguem resolver? Aguardemos de forma leve e tranquila, que é o que o estado de graça dos outros nos permite e não nos deixa senão senti-lo também.

A Diferença

Para os mais atentos às questões da educação, é visível o inconformismo de pais e mães de crianças com necessidades educativas especiais neste início de ano letivo. Ao que parece, a grande maioria destes alunos começaram o ano sem professores de apoio ou técnicos especializados para as terapias, criando-se um claro sentimento, nos encarregados de educação, de uma ainda maior exclusão.

Évora pode orgulhar-se q.b. de entre 2010 e 2013 ter permitido que estes alunos, que frequentavam o agrupamento vocacionado para estes casos, pudessem como enriquecimento curricular frequentar atividades proporcionadas por uma parceria entre a entidade promotora das chamadas AEC’s, a Câmara Municipal, e as associações locais com esta área de intervenção. Mas também as alterações introduzidas neste ano letivo, inviabilizaram esta oferta formativa que tornava a escola pública como um real local de inclusão a vários níveis.

Uma escola pública inclusiva não trata todos por igual, mas oferece a cada aluno a possibilidade de, de facto, atingir o objetivo primordial de quem vai à escola: aprender. Cada profissional do ensino reconhece em cada aluno que lhe vai passando pelas salas de aula qual o melhor caminho para o levar à concretização desse objetivo. E o que é certo é que, para alguns, os caminhos a percorrer são especiais e por isso necessitam de técnicas e acompanhamento também especiais. A diferença é isso mesmo. E a diferença é um conceito perigoso.

Também é sabido que há ministros e ministras, e governantes em geral, que no exercício da sua governação querem deixar a sua marca e fazer ou ser diferente. Às vezes levam isso tão adiante que acabam por deixar pior o que tanto criticavam. É verdade que não me lembro de nenhuma proposta eleitoral do atual governo para esta questão em particular do ensino especial. Mas lá que a diferença que este ministério está a fazer está a ser bem conseguida, lá isso está.


Vou citar Vergílio Ferreira, escritor e professor que passou e marcou Évora, e que falava assim da diferença: «Não és um homem normal. Isso te é uma inferioridade (ou uma superioridade?). Como em tudo o que é diferente. Cultiva a tua diferença. Mas uma diferença pode ser negativa. Esse é o teu drama. Porque a tua diferença vai além e fica aquém dos outros. Tu querias ser os outros no que lhes és inferior e ser diferente no que lhes és superior. Mas toda a superioridade se paga. Paga e não bufes.»

Rentrée

Eis-nos de volta às crónicas, num momento em que as rentrées estão todas feitas. Na realidade são só duas: a dos partidos políticos e a verdadeira que é a escolar, bem mais abrangente e influente na vida do dia-a-dia dos cidadãos, mesmo os que não são diretamente nela envolvidos. Um lugar muda quando mudam os ritmos das pessoas que nele vivem.

Fiquei contente com o renovar do convite da Diana. Acho que é uma honra esta oportunidade que me tem dado de ocupar um espaço público de opinião, numa rádio que tem na pluralidade um princípio basilar à vista, ou melhor ao ouvido, de quem a sintonize. Numa época em que, felizmente, toda a gente pode dizer o que pensa, em circuitos mais ou menos fechados, e muito também graças a esses outros espaços de comunicação sem intermediários que são as redes sociais, nunca uma opinião pôde ser tão lida ou ouvida como nos tempos que correm.

Também é verdade que muito do que fica dito e escrito nestas crónicas de opinião não ficará para a história dos aforismos e citações, como aquelas que também vemos circular por aí, por vezes até com duvidosa certificação da origem. Também por isso as crónicas se adaptam ao tempo médio da capacidade humana em prestar atenção ao que é dito, e o ritmo dos dias é, mesmo no interior do país, condicionante dessa capacidade.

Se já fiz uma série de crónicas com provérbios como mote, e outra com verbos como inspiração, esta nova série vai ter precisamente as citações de gente que sobrevive nelas a dar o tom. É uma espécie de “como diz o outro” a propósito de um tema com que nos cruzamos ao longo das semanas. Mas é também uma maneira de poder opinar sobre pensamentos que, assim descontextualizados do seu momento e contexto primordiais, podem ganhar novos sentidos. Shakespeare terá afirmado mesmo que «o êxito de um bom dito depende mais do ouvido que o escuta do que da boca que o diz.»

Fazer reviver assim as palavras que já foram ditas é, no fundo, devolver ao seu autor a responsabilidade da sua autoria. Tudo isto com o devido desconto de, ao valorizarmos as palavras de quem conquistou através delas uma espécie de eternidade, cobrar o troco de não se apagar o diálogo que a mortalidade interrompe.


As minhas crónicas serão, pois, sobre citações de gente que, não estando no mundo dos vivos, se mantém por cá. Mas não será de admirar que, uma outra vez, cite gente que anda aí no ativo e que pensa que, pelas palavras lhes serem leves, haverá quem não as escute e, mais uma vez, eu lhes cobre pelo valor que têm ou acho que deviam ter. 
(crónica de dia 1 de outubro)

4.9.13

Crónica-parágrafo estio 2013

Bem sei que o hit do final de verão está a ser o piropo, mas como me ensinaram que não lhe devia ligar, o assunto não me interessa mesmo nada. Aliás, quando é ofensa não é piropo, é insulto. Já o que me incomoda, e devia seguir esse mesmo preceito que aconselha às visadas o destino do piropo, é o boato. É que me tenho apercebido como nesta linda Évora os boatos encontram um solo particularmente fértil para se anicharem e crescerem, na conversa do café ou do cabeleireiro. Mas atenção, caras e caros eborenses, gente sempre pronta a aprender e a ensinar, são ervas daninhas, esses boatos. Molhos farfalhudos de histórias contadas com requintes de lógica (essa que serve para tudo e mais alguma coisa, quando não acompanhada da ética), que abafam os factos e impedem que cada um pense como quer perante esses factos e não com “notícias” que não o são. Parece cada vez mais óbvio que, em tempo de campanha eleitoral, o difícil é fazer propostas sérias e responder a questões importantes para a vida dos munícipes. E já agora esclareço um dos boatos que circula: o ex-presidente da Câmara Municipal de Évora, Dr. José Ernesto de Oliveira, reformou-se e não trabalha na Embraer. Entendidos?

22.8.13

Crónica-parágrafo estio 2013

Anda muita gente zangada. E não acho nada que seja trigo-limpo-farinha-amparo dizer-se que «casa onde não há pão, todos ralham e ninguém tem razão». Há muita gente zangada com razão, e muitas das vezes essa razão resulta de outros terem as suas razões para se zangarem também e, fazendo uso de diversos instrumentos, nem sempre elencados e certificados como legais nas regras ou códigos, mais ou menos transparentes ou pasquins, dispararem todos a torto e a direito, aparentemente sem avaliar estragos ou danos colaterais. Há sobretudo muita gente zangada porque não tem, e nem imagina, respostas para os problemas, ou até só às dúvidas. E a imaginação, infelizmente, não chega para nos aliviar do que não se resolve. E a luta, infelizmente, é sempre a reação mais básica, mesmo quando é feita em nome da paz. Há sempre mortos e feridos, nem sempre são os adversários. E nem sempre a Justiça, ainda que cega, pode aliviar a consciência de o alvo ter sido merecedor. Aliás, parece às vezes (demasiadas) que a justiça larga a balança e a espada e afasta a venda de um dos olhos… Será falta de coração? Será a massa-cinzenta que começa a falhar? Será a coragem que a faz hesitar na prossecução do seu caminho? A Justiça, mesmo aquela de bolso que usamos nos nossos pequenos julgamentos do dia-a-dia, às vezes parece deixar de ser a senhora que conhecemos. Meia-espantalho, meia-homem de lata, meia leão-medroso. Há que pôr-lhe uma estrada de tijolos amarelos pela frente e fazê-la avançar. E todos teríamos, então, de nos chamar Dorothy…

13.8.13

Crónica-parágrafo estio 2013

Trabalhar durante todo o verão não é comum, pelo menos para os funcionários públicos como eu. Não tem sido má experiência. Ver-se chegar uns e saírem outros, muitos “tisnadinhos pelo astro rei” como é próprio da época, ficando uns a assegurar algum trabalho de outros. Sendo só o presidente Manuel Melgão e eu à frente da Câmara Municipal, tendo a estrutura dos serviços sofrido recentes alterações, não nos parecia normal tirarmos férias e não o fizemos. O ritmo é outro, a bem dizer. Mas presidente ou vereadora sempre que sai à rua no seu concelho está forçosamente ao serviço, digo eu. Mesmo quando se encontram velhos amigos e se dão dois dedos de conversa há sempre uma ou outra questão de que se fala. É natural e ainda bem que acontece. É bom explicar as coisas sem ruídos pelo meio… E, depois, a vida flui sem férias. Partem uns definitivamente cedo de mais. Ficam outros, à mercê da evolução da ciência, a viver até ao fim de uma vida que já não reconhecem. Ainda me prometeram uma chuva de estrelas (e não foram políticos!), mas apenas usei o tempo da promessa para olhar aqueles pontinhos de luz, quase fixos, e pensar na imensidão do mundo e na pequenez do Homem, na riqueza da vida e de como tantas vezes a desperdiçamos.    

6.8.13

Crónicas-parágrafo do estio 2013

Votar em alguém, e os partidos são feitos de pessoas, é comprometer
essa pessoa ou pessoas em quem se vota. Poderá sempre exigir-se mais a
quem teve a sua confiança, também através do voto, do que ficar a
reclamar com quem não se quis ter nada a ver. E não se terá ainda mais
um direito, que é o de reclamar com um candidato eleito em quem não se
votou e de quem se espera que cumpra os deveres de uma oposição
consciente?

29.7.13

Crónicas-parágrafo do estio 2013

3. Ser político não é, para muitos, uma profissão. Diz-se que fulano ou
sicrana “foram para a política” como se tivessem ingressado numa ordem
religiosa ou mudado para um continente longínquo. Assim é difícil
achar e convencer os outros de que o político é um cidadão com
responsabilidades, direitos e deveres portanto, que tem muito em comum
com os que vão para dirigentes de uma associação, para a direção de
uma escola ou de um clube, ou para a frente de um condomínio. É
verdade que as escalas são diferentes, mas trata-se nos diferentes
casos de gerir bens comuns. Se muitos dizem que preferiam ser
governados por quem não é político, para quê permitir que alguém que,
fingindo não o ser no poder ou na oposição, não terá outra missão ou
função se não a de gerir a "polis" e, por isso...ser político?

22.7.13

Crónicas-parágrafo do estio 2013

2.
É sempre desarmante quando os nossos preconceitos, mesmo os que temos contra vontade, caiem por terra. Às vezes desarmam-nos aliviando-nos, outras deixando-nos sem chão. Em temporadas eleitorais e propagandísticas foram-se habituando os cidadãos a promessas. Pagas antes da urna algumas, adiadas para sabe-se lá quando outras. Ora esta temporada está a ser sui generis. Quem quer tomar o poder fecha-se em copas e, a par da lupa que põe nos defeitos, faz carreirinhas seguras na onda da crise. Quem está no poder (alguns pelo menos) e consciente da crise, em vez do favorzinho que muitos procuram, vai dando explicações de como funcionam as coisas que dão origem a que certos problemas, e às vezes só esses, possam ser resolvidos e por quem. E que só quando puderem ser resolvidos é que serão. Quando não são, não é por falta de vontade. Quando são é porque tinham de ser e não por especial favor. Dramático, para quem em vez da solução a pronto que o poder da chantagem parece ter, tem de esperar e contentar-se com informação (eu cá mesmo que não me resolvam os meus problemas, como os de saúde por exemplo, fico sempre mais aliviada quando me explicam o porquê das coisas e como com elas conviver e sinto-me logo melhor!). É muito aborrecido lidar com a desilusão… foi o que me aconteceu quando comecei a lidar, politicamente, com alguns alinhados em forças ideológicas de que, liricamente, eu tinha uma visão tão bonita… 

15.7.13

Crónicas-parágrafo do estio 2013

1.
Este verão vai ser-me diferente. Sem férias, com sete pelouros a cargo, numa cidade cujos habitantes se dividem, ou melhor “trividem, entre os que, à semelhança do que fazem em suas casas fazem fora delas e querem a cidade limpa e com bom ambiente, e são tantos; os que só se preocupam com o que é seu e não percebem que o que é de todos é também deles e, por isso, atiram o lixo dos seus bolsos para o meio da rua ou levam o seu cachorro a fazer as necessidades à porta dos outros, até quando essa porta é uma das da Cidade; e os outros, poucos mas com muito estardalhaço e dolo para o bem público, que numa noite dão cabo de vários aspersores de rega, estragam dezenas de tampas de caixotes de lixo, arrancam sinais de trânsito, desalinham pedras de calçada e ainda penduram dichotes quando as grades que alertam para que, como diz o código da estrada, o condutor adapte a sua condução ao estado da via, cumprem essa mesma função. É assim um verão pré-eleitoral em Évora, com a sombra do passado retrógrado (olha, lembrei-me do Voldemor e dos Devoradores da Morte do Harry Potter que li de atacado aqui há uns valentes verões atrás!) a querer tapar o Sol quente que nos dá a conhecer, Évora e o Alentejo, ao Mundo. Viva o Sol!

9.7.13

PROMETER IV

E voltámos a chegar ao fim de mais uma série de crónicas, com os ares do verão a empurrarem-nos para o ócio mais do que para o negócio. Este verão será novamente especial para quem vai a votos, quase ainda também no verão, força de um calendário empurrado, ao que parece, por um orçamento já aprovado, apesar do debate prometer ser quente em torno do mesmo. Enfim, todo o verão promete, inclusive o climatérico.

Prometer é pois, num balanço desta minissérie de crónicas, e sempre disponível para aceitar outras leituras, um verbo que serve sobretudo para insultar quem o pratica. Curiosamente, a sua não prática também. Ai do político que não prometa fazer isto ou aquilo, já que retira a esperança às pessoas…! Aliás, as pessoas precisam, com ou sem promessas, de soluções. Às vezes esquecem-se é que também fazem parte delas…

Depois há aquelas promessas que visam o negócio, mas o negócio mesmo e não aquela gestão que devia ser pública e que afinal só serve alguns. Mas essas promessas parecem fazer parte de um jogo com regras entendidas e subscritas entre quem vende e quem compra. Será por, nesses casos, poder haver lugar à devolução ou à troca? Mas num sistema democrático também, através das eleições! Será por haver livro de reclamações? Mas o espaço público também está aberto a várias plataformas e ferramentas para reclamar! Ou será porque de um negócio, ou na relação comercial, já estamos habituados a que o lucro maior vá sempre só para um dos lados, enquanto nas questões de governação democrática qualquer um pode ter-lhe acesso mas só alguns se submetem a lutas várias, confrontos díspares, internos e externos, entre inimigos e adversários, e tantas vezes para acabar, nessa arena, emprateleirado ou no anonimato?

Quando há quatro anos uma pessoa amiga me pintou um cenário apocalíptico da vida na política, confesso que fiquei surpreendida porque não era a inveja ou outro mau sentimento que a fazia falar. Não a contrariei nem me assustei, apenas a ouvi como ouvi sobretudo os mais chegados em cada nova etapa da minha vida, tipo casamento e maternidade, em que, qual ritual de iniciação, eram mais os avisos do que os parabéns de circunstância. Passados quatro anos, essa mesma pessoa percebeu que os dissabores que me prometia, e cá está este outro significado do verbo «prometer» que se aproxima mais do «avisar», eu já os devia conhecer e por isso apenas, e como teve significado para mim, me deu uma palavra, novamente sincera, de incentivo. Senti um pouco que aquilo que eu não lhe prometera há quatro anos, a fazia agora acreditar que o compromisso não me assusta e que não me tinha deixado arrastar para terrenos pantanosos.

Estes “avisos-promessa” são talvez os mais úteis que nos podem dar. São as cautelas, que como os caldos de galinha mal não fazem. São os alertas, que ao contrário dos “incentivos-promessa” nos fazem perceber que nem tudo o que luz é ouro e que não estamos para aventuras nem regressos ao passado que tão depressa esquecemos, às vezes, para mal dos nossos pecados. São os avisos-promessa que contam com o conhecimento que temos do que fazemos, que partilhamos com os outros, procurando no bom-senso dos outros o nosso senso e sentido para a ação. São estes avisos-promessa que eu vou querer ouvir e vou, quando assim for necessário, querer dizer àqueles que se comprometem comigo e com quem eu me comprometo. Vai ser assim o meu verão. Desejo-vos a todas e todos também um bom verão.  

PROMETER III

Outra forma de prometer é o da reivindicação e da contestação, também em nome de um coletivo. Promete-se a luta, promete-se o não. Falo de reivindicações sem negociação, nem contrapartida. Falo de contestações sem ação proactiva e apenas como reação ao que indigna e nos parece que está mal. E por vezes está mesmo. Fica a prova não apenas em números ou estatísticas, mas em casos que conhecemos do dia-a-dia, ou da família até.

Essa promessa encapotada, na minha opinião, é a que faz da infelicidade dos outros um megafone para atrair até nós mais. E tantas vezes nós sabemos que quem empunha o megafone está a milhas de distância da dose de desgraça dos outros. Também é verdade que mesmo à escala e com todo o relativismo, quando se queixam em seu nome próprio se arriscam ao insulto dos que ainda têm forças para insultar. Nestes tempos que atravessamos assistimos muito, demais, a casos em que quem empunha o megafone não é menos malquisto do que os que são o alvo da contestação e revolta. Às tantas, nestes climas de guerra que se acirram, quem lá vai ou manda ir também se arrisca a apanhar uns balázios. Perigoso, muito perigoso. Não pelo medo da luta, nem de dar o peito às balas, mas quando à luta se juntam outros interesses e quando só na luta se encontra um modo de vida próprio e de que todos começam já a desconfiar.

Em casos mais distantes dos que reivindicam pelas necessidades básicas de um ser humano, a contestação assume nessa promessa encapotada uma espécie de amostra da demagogia que usa o «Não!» como único discurso de contrapoder e que rapidamente, quando se chega a um certo poder ou dá jeito, se esquece.

Nestes casos está a recém e disparatada, sobretudo pela forma como foi feita, reorganização das freguesias que levou, sob a capa da união, a uma óbvia extinção de algumas. Se algumas populações, sobretudo as mais distantes dos centros urbanos, onde essa distância já constitui uma dificuldade a vários níveis, se indignaram de facto, houve logo quem indignado pela medida, acima de tudo pouco democrática, já que ninguém fez dela uma promessa, aí está, eleitoral e por isso submetida a escrutínio popular. Resumindo, ninguém disse que se fosse governo extinguia freguesias, nem mesmo o que já deixaria entrever alguma mudança eventualmente de forma mais participada, algum tipo de reforma do género no território.
Enquanto uns continuam a enxamear de cartazes esse «Não!», prometendo afinal não sei o quê mais se não a luta em si, outros fizeram da luta uma contramedida e comprometem-se, prometendo claro, nas próximas eleições autárquicas que no caso das Uniões de Freguesias vão a votos dois cabeças de lista, e cada um de cada uma das freguesias que queremos manter assim mesmo, organizadas e prestadoras de um serviço que para quem vive à volta do Terreiro do Paço é coisa de somenos importância. É assim: uns prometem perpetuar a luta, outros comprometem-se a permitir às populações que o que vem de cima e não zela pelos seus interesses, também coletivos, não percam ainda mais condições que garantam, apesar de tudo o resto, o seu melhor bem-estar.

25.6.13

PROMETER II

Um outro significado do verbo «prometer» surge muitas vezes com o sentido de recompensa. É o que faz quem, no fundo, paga uma promessa. É um sentido um pouco mercantilista, muito embora algumas religiões a tenham como uma prática corrente. Promete-se fazer alguma coisa se, por sua vez, outra coisa for feita, em troca. Um “toma lá dá cá” a roçar a desconfiança. E prometer tem tudo a ver, precisamente, com confiança.

Prometer, acreditar, confiar poderiam, pois, ser considerados verbos que regulam relações entre pessoas, mas também entre instituições, que afinal são feitas de pessoas que por lá passam. Regulam, no entanto, mais na base do fazer do que do ser. Pressupõem muito mais um resultado concreto, do que apenas um comportamento ou uma atitude, quando afinal a confiança é muito mais do domínio do intangível.

A propósito deste significado de «prometer» ocorreu-me a lenda da sopa da pedra, lá dos lados de Almeirim, por sinal terra também de melões, aqueles que só sabemos se são bons depois de abertos, e os outros que às vezes se “apanham” quando contamos com uma coisa e nos sai pior. Há terras assim, curiosamente ricas em metáforas…

A lenda da sopa da pedra, que parto do princípio que todos conhecem de alguma versão mais ou menos romanceada, é interessante porque faz, afinal, de quem resiste em participar um grande contribuinte – e a esmola ou caridade eram práticas muito comuns à época, uma espécie de sistema de segurança social de trazer por casa…

Finalmente, a família que não queria dar esmola ao velho frade, acaba por dar tudo a troco de uma promessa de que desconfiavam: fazer a tal sopa de pedra. Claro que a marotice da lenda faz do frade um comilão que não partilha também com ninguém o resultado final da sua argúcia, e esse é talvez o seu pior pecado. Mas a promessa de fazer uma sopa de pedra, cumpriu-a.

Perguntar-me-ão se é fácil prometer quando não depende só de nós cumprir essa promessa. Sim, é mais fácil, respondo eu. Só é fácil cumprir o que se promete quando a promessa depende só de nós, quando depende só mesmo de nós. Difícil é viver, trabalhar, participar e prometer quando se vive dependente de um coletivo, que é o que acontece com todos os que vivem em sociedade e contribuem, de qualquer forma, para essa sociedade. Por isso também, quando há uns tempos falei do verbo «confiar», e falei de eleições mas de Obama nos Estados Unidos, não falei de promessa mas de compromisso.

No fundo, no fundo, o frade da lenda cumpriu com um compromisso que parecia uma promessa. Prometeu fazer uma sopa de pedra, e ao longo do processo foi comprometendo todos aqueles de quem dependia no cumprimento dessa promessa. Ficou egoisticamente com os louros? Ficou. Mas certo é que a receita ainda aí está e o bom do frade fez escola. Uns aprenderam a usá-la para benefício de muitos, outros em seu próprio benefício. É o que temos…demais!

18.6.13

PROMETER I

Sendo esta uma rádio local e estando já marcadas as eleições autárquicas para o mês de setembro, quer-me parecer que esta será a última série de crónicas em torno de um verbo, que vos leio e dou a ler, até à rentrée pós-eleições. Sem prometer que não me ouvirão, entretanto, por alguma razão mais ou menos programada, «prometer» pareceu-me um verbo adequado a esta saison em particular.

Confesso que o uso em contexto do verbo “prometer” de que mais gosto é aquela expressão idiomática que fica a meio-caminho entre a incredibilidade e a expetativa e que diz assim: «Isto promete!» E não, ainda não vou falar das autárquicas. Vou falar-vos da recente mudança das instalações dos serviços do Centro Distrital de Segurança Social para o edifício da Direção Geral dos Estabelecimentos de Ensino, ali à Horta do Malhão, aqui em Évora. (Atenção, caros e caras munícipes eborenses, que o atendimento ao público não se mudou!). Não vou falar, avaliar ou julgar o trabalho de uma nem de outra entidade, nem dizer que estes dois ministérios não pudessem, porque se calhar até devem, articular muito em várias áreas. E, já agora, até ali com a Saúde que tem edifício próximo. Mas tão somente vos falo do que em mim causou a notícia desta mudança.

Foi quase como se aquele anúncio tivesse feito soar, no domínio do simbólico, as campainhas de alarme para o que acontece quando se desinveste na educação. Também não vou comparar a eficiência dos corpos técnicos destes serviços, que emagrecendo uns e parecendo outros ganhar mais volume, poderão vir a demonstrar uma eficácia a que dou ainda o benefício da dúvida. Tenho sido paciente… Aliás, não é obrigatório que mais gente a trabalhar produza mais, ou melhor, apesar da lógica matemática.

Esta partilha de espaço fez-me, no entanto, antever o pior. Sem querer ser arauto da desgraça, profeta do apocalipse ou até só pessimista, “isto a mim promete-me” que, se desinvestirmos na educação, maiores serão as necessidades de apoio social no futuro. Daí que me tenha parecido que estes ministérios se estejam a ajeitar para servir contra a vaga ou epidemia de desempregados, desvalidos, gente que precise de apoio para ter condições mínimas para que aquilo por que passam neste mundo seja a Vida, e não apenas sobrevivência.

Não pude, obviamente, deixar de me lembrar de expressões em que os termos “escola” e “prisão” aparecem, e cuja fórmula mais simples que conheço, diz que é de Victor Hugo, atira assim certeira «Quem abre uma escola fecha uma prisão.» Eu cá, que só podia acreditar na Educação como a base para o crescimento civilizacional, ou não fosse adepta e praticante do movimento internacional das Cidades Educadoras, acho que é mesmo precisa uma aldeia inteira para educar uma criança.

12.6.13

COMENTAR III

Para terminar esta série sobre comentários e comentadores não gostaria de deixar de lado os que são muito especializados em assuntos e matérias que lhes dizem muito respeito e que conhecem como mais ninguém. Aprende-se muito com este tipo de comentários e comentadores e bem hajam por isso.

Esmiuçam até à exaustão detalhes do assunto. Conhecem-lhe o histórico e preveem-lhe o futuro, distinguem matizes, reconhecem-lhe os seguidores, os simpatizantes e os inimigos. Normalmente olham o mundo tendo por termo de comparação esse assunto. Não estou, naturalmente, a falar de obsessões nem fanatismos, entenda-se. Mas sim de conhecedores do assunto que o comentam com convicção. Sem que lho peçam ou, pelo contrário, especialmente a pedido.  

Também acontece a estes comentadores serem muito requisitados por quem quer conhecer um pouco desse assunto. Mas, por vezes, como quem pergunta só quer conhecer um pouco lá fica o comentador numa espécie de pregação no deserto. E eu falo aqui de comentadores quando poderia falar de peritos, especialistas ou investigadores, porque o que me importa é o que a opinião de alguém sobre algo posse interessar e até influenciar os outros nas suas decisões e modos de vida. É este o espaço em que o facto objetivo se cruza com a subjetividade e a que normalmente tem acesso o cidadão comum, afastado do facto e tendo como intermediário entre si e esse tal facto alguém que acaba por dar, com maior ou menor exatidão, a sua própria perspetiva. Mesmo tendo em conta eventuais outras perspetivas, é a sua que transmite. E é sobre essa que quem pergunta irá agir ou decidir, com ou sem adaptações também mais pessoais.

Comentar é talvez dos exercícios mais difíceis e perigosos para quem tem, ou pretende ter, ou pretendem que tenha, alguma relevância no espaço público. Até porque nalguns casos a relevância que se possa ter nesse espaço público passa pouco pela inscrição de uma opinião pessoal, para passar a ser uma opção, pessoal ou de grupo, para outros. E, tantas vezes, essa opção é, ou devia ser, tomada sem que esse conhecimento profundo se transforme num condicionador que afunila a decisão e impede que opiniões diversas sobre o mesmo assunto sejam escutadas.

Decisões participadas que condicionam opções são uma forma de governação simpaticamente democrática e preferida por muitos. São afinal uma resistência a esse grau de conhecimento por parte só de alguns, inteligentsia da situação, para passar a ser a oportunidade de muitos, mais ou menos conhecedores, virem comentar as opções propostas e orientar decisões. O problema é estarem todas ou todos preparados para agir e reagir assim. É que formar uma opinião e comentar e querer que essa opinião e esse comentário passem a ter a responsabilidade de ser parte da solução é muito diferente de dizer umas coisas sobre o assunto ao microfone, ou em frente a uma câmara, ou de forma mais ou menos criativa na Internet.

4.6.13

COMENTAR II

Sempre ouvi dizer que o poder tem horror ao vazio. Parece que é das leis da Natureza, também. Ora há quem exerça o seu poder comentando e, por isso, na ausência de factos ou dados mais seguros não se coíbem de continuar a comentar e a comentar sem fim. Quando o facto ou a informação chegam, “descoincidindo” com o comentário, por vezes parece não haver outra solução se não “engolir” o que antes se disse. Ou então persistir numa espécie de exercício de obstinação. A obstinação, diz-nos o dicionário, é a afeição excessiva às próprias convicções, ideias ou pensamentos. Os obstinados dizem-se, muitas vezes, coerentes e gente de caráter forte…

Já os que “engolem” o que comentaram avant la lettre ficarão, em princípio, numa situação embaraçosa mas que, em meu entender, lhes permite crescer na sua própria vida de comentadores. Não conheço muitos assim. Os comentadores de intenções proféticas têm por vezes grande influência em destinos de pessoas ou instituições cuja ação, que acham previsível, comentam. Pena é que quando esses destinos, também por essa sua influência, dão para o torto se façam de esquecidos. Conheço mais destes. Aqueles que comentavam que a mudança de governo nas últimas eleições ia ser benéfica, por exemplo. É, estamos todos muito melhor agora!

Mas voltemos aos que se reconhecem como precipitados nas suas análises, como aqueles amigos que, vendo um dos seus martirizado ou martirizada por um amor que não parece merecer, vão aconselhando vivamente o afastamento ou a separação e depois lá se veem no casamentos, em sucessivos batizados e outras comemorações familiares, a festejar a felicidade inesperada.

Esta é aquela atitude de quem não querendo prejudicar ninguém é a de quem comenta e, errando, não lhes caiem os parentes na lama, nem deixam de ser ouvidos. Sendo certo que não há uma segunda oportunidade para se causar uma boa impressão, máxima que se deve aplicar sem exceção aos comentadores, também me parece acertado que uma pessoa não se mede pelas vezes que cai, mas pela elegância com que se levanta.

29.5.13

Comentar I

Felizmente nos dias que correm não há facto que não tenha, no espaço público de comunicação, comentários e comentadores à sua volta. Infelizmente está a tornar-se tão banal e tão díspar a qualidade dos comentadores que não sei se o martírio de quem os ouve ou lê não os anestesiará, e a opinião ou o comentário deixem de ter o efeito esclarecedor que, em meu entender, deviam ter. É o mesmo risco que corro enquanto cronista, afinal. Mas quem sou eu, e os outros desta Diana, e com sua licença, para não querermos corrê-lo?! Ao risco.

Dar opinião é uma forma de participar nas coisas que se vão passando, com o conforto de espetador a quem o que se passa no palco onde não são atores, em princípio, não são atribuídas responsabilidades de bom ou mau desempenho. É certo que, por vezes e muito legitimamente, os atores também podem fazer comentários à sua própria atuação, uma espécie de contraditório a que têm direito e que até serve para enriquecer e esclarecer as mentes dos que se interessam pelo que vai decorrendo, com o maior número de pontos de vista possível.

O comentário mais idiota que ouvi, e de fonte direta porque ninguém me contou, foi o de D. Duarte ao livro de Saramago «O Evangelho Segundo Jesus Cristo». E cito o comentário mesmo com o vernáculo de fino recorte popular que a real figura pública utilizou: «Eu não li o livro mas já sei que é uma merda!». Bem sei que foi depois de um jantar e de uma noite de copos em que alguns, legitimamente, indignados pela obra do Autor (a literatura tem destas coisas) se reuniram para celebrar a sua indignação. E por isso até posso desculpar o deslize de quem é um eterno candidato a um trono invisível que só alguns, como na história de Andersen em que o rei vai nu, conseguem ver.

O que me incomoda é que este não tenha sido caso isolado e que o método faça parte de uma prática que, porque o comentário está e muito bem na rua, seja quase epidémico. É que há quem comente parindo em espaço público aquilo com que foi emprenhado pelos ouvidos, ou olhos, em espaço também mais ou menos público. Também é verdade que, felizmente, me cruzo com muita gente que está bem informada, procura as fontes certas, interessa-se verdadeiramente pelos assuntos e utiliza vários meios ao seu alcance para expor a sua opinião e comentar determinados factos. A esses devia-se-lhes dar mais voz, pública, e não tantas vezes fazer-lhes a número do «lá vem este ou esta complicar as coisas, que maçada!».

Também me parece ser um facto que com um microfone à frente as pessoas se sintam na obrigação, que a maior parte não tem, de comentar ou expressar uma opinião. Digo a maior parte, porque há os que até se põem a jeito para fazer esse papel. Às vezes põem-se também a jeito de fazer fraca figura e em vez de dizer que não sabem o suficiente sobre o que se lhes pede para comentar, começam logo pelo mais básico juízo de valor: Gosto! ou Não gosto? Os porquês é que são elas. Muitas vezes, quando gostam, lá usam as sensações para justificar e acrescentar mais alguma coisinha muito coisinha, tipo «Não há palavras para exprimir.» Quando não gostam, ou repetem o que ouviram dizer aqui «àquele senhor que falou antes de mim» ou porque é um «assunto que me passa ao lado»…

Ainda bem que ainda há quem diga porque é que gosta ou não gosta e quem aceite que gostem ou não gostem, também dos seus comentários.