O calor a aquecer-nos desta maneira e o final de um ano antes
das regulamentares férias, para alguns, parece que nos tornam mais preguiçosos…
É por estas alturas que quem visita o Alentejo percebe alguns dos seus ritmos,
injustamente caracterizados em caricaturas que, com um pouco mais de atenção ao
que por cá se passa, bem podiam ser mais perspicazes a apontar outras
características. Porque as há, naturalmente. Esta “preguicite” não nos entope o
pensar e o ler, o sentir e o lembrar. E foi por isso que me socorrendo de um
precioso documento que uma Amiga, precocemente desaparecida, elaborou entre
Dezembro de 2012 e Julho de 2013 ao serviço da Câmara Municipal de Évora, e intitulou
“Évora na literatura: contribuições para uma antologia”, mais uma vez me
encosto à pena de Vergílio Ferreira, tornando-o, mais do que inspiração, quase co-autor
da crónica de hoje. Aliás convém dizer que, em vários “lugares e plataformas”
da Cidade e da estratosfera, algumas palavras de Vergílio – as que estão no
capítulo 25 de Aparição, foram lidas
e dadas a ler no passado dia 23, dia da Noite de São João e da inauguração,
também este ano, da Feira com o nome do santo.
Das contribuições compiladas por Maria Ludovina Grilo,
chega-me o Verão de Évora que diz assim, tão parecido com o deste ano: «O Verão
chegou à cidade como uma explosão. Maio viera sereno, com alguns dias de chuva,
continuando quase o Inverno. A chuva desapareceu, o tempo estabeleceu-se em
acalmia. No pátio do Liceu as quatro árvores reverdeceram. (…) Ao fim das aulas
divago pelo jardim público para ouvir os pássaros. Pelos túneis de sombra os
mióporos espargem florezinhas brancas como numa apoteose. (…) Sento-me,
reconciliado, nos bancos de azulejos, fechados em recantos clandestinos, vou
visitar Florbela, olho-a de um banco de madeira que lhe fica em frente, medito
com ela.»
Da fonte directa, o romance Aparição, não voltarei a citar os excertos do dito capítulo que o
narrador, alter-ego de Vergílio já longe ficcionalmente no espaço e no tempo em
que esteve em Évora, recorda a Feira de São João, que descreve muito
expressivamente, mostrando o quão bem conheceu Évora e os Eborenses. Retiro só
o que disse do dia de outro santo, esse que marca o feriado municipal e dá o Dia
da Cidade a Évora, e já serviu, em tempos mais recentes, para que os que gerem
a Cidade e o Concelho homenageassem com magnanimidade os cidadãos que fizeram
de alguma forma a diferença na Cidade, reconciliando até entre si os que, em nome
da Cidade, aceitam, magnanimamente também, ultrapassar diferenças. E diz assim,
o romance: «É dia de S. Pedro?, o dia “chique”? Já não sei. A multidão ferve
rodando em torno de si, como se toda a feira fosse um enorme carrocel.»
Pois é, digo eu, de repente já tudo é um carrocel que parece
fazer alguns, um pouco tontos, esquecerem-se de que há momentos em que se pode
parar e marcar diferenças com gestos magnânimos. Não negativamente, suspendendo
a festa, até porque fazê-lo é uma desconsideração para com os que antes foram
considerados mulheres e homens de valor para a Cidade.
Estas linhas de literatura e pensamento estão ali, fechadas
num volume das muitas edições de Aparição,
a lembrar-nos do que é uma feira, do que é Évora, do que é a Feira de São João
em Évora. Está ali durante o ano todo, ano após ano. E cada leitura é celebrar
o autor, mas também os lugares de que fala. Fora das páginas do livro, há quem
queira e possa também lembrar todo o ano a Feira de São João deixando o seu
estaleiro montado o ano inteirinho, ali a um cantinho da muralha património, em
frente a uma Escola como se de umas traseiras quaisquer se tratasse, esperando
– e conseguindo, às tantas! – que ninguém repare nele, já que se disfarça
quando se cerca o Rossio, para receber os mercados, ou se o engalana, para
receber a Feira.
Votos de que se divirtam nesta Feira de São João 2016, que eu
tento fazer o mesmo… o ano inteiro.