28.6.22

Carrosséis

Bem-vindas e bem-vindos à Feira de São João! Hoje é a noite de São Pedro, vá, mais uma voltinha no carrossel, a subir e a descer, a rodar e a chocalhar.

É aproveitar, que já todos percebemos que “tristezas não pagam dívidas”, embora “quem não chore, também não coma”. É aproveitar e usar o que já se inventou para tentar escapar o melhor possível às maleitas porque, já se sabe, “se correr o bicho pega, mas se ficar o bicho come”. É aproveitar porque “está tudo caríssimo” mas as filas quilométricas cruzam-se e há que escolher se vamos ficar na dos frangos, na das farturas, na das bifanas ou na do pão com chouriço.

Finalmente, é aproveitar que aqui a terra é ZLAN. ZLAN quer dizer Zona Livre de Armas Nucleares, o que não é de estranhar porque isto não é o Texas, mas o Alentejo. Pena que esse movimento ZLAN de iniciativa municipal, nascido em Beja em 1988, não tenha evoluído para ZLA, Zona Livre de Armas, ponto. Pena também que o movimento alentejano não tivesse chegado a doutrinar, ao longo do tempo, o pátria mãe da ex-União Soviética e a Rússia esteja agora a tentar construir uma nova Federação à força das armas, deixem ver se não nucleares.

É aproveitar, portanto, que na nossa Feira a barraca do tiro ao alvo é só de pressão de ar e o Povo tende a ser sereno. Talvez seja só pela promessa que São Pedro lhe abrirá as portas do Céu, mas já não é pior.

21.6.22

Os ansiosos tóxicos

 Está a começar a ser penoso assistir às diversas ansiedades instaladas no palanque da política portuguesa. As oposições em ânsias por transformarem no “último grito” problemas caquéticos; certos governantes a ensaiar afanosamente “sprints” como se quisessem inventar milagres para os resolver. E, às tantas, até só para darem, ou partilharem, sacos de papel às oposições para elas soprarem e controlarem a hiperventilação. Um sufoco.


Quem tem noção (e memória!) de que nada do que é bom ou mau é novo, sabe que não é de milagres mas de juízo generalizado que precisamos. O que não quer, por isso, dizer que seja mais fácil do que um milagre. Estou até convencida que o cidadão comum está mais preocupado em não voltar a ter covid e que os impactos da guerra na Ucrânia não lhe cheguem muito mais ao bolso, do que em assistir à histeria com fins contagiantes em que alguns se têm posto. Resumindo: espero (e julgo que não estarei sozinha), com alguma ansiedade também para não destoar, que chegue uma silly season à antiga. 


Uma silly season em que a ansiedade seja a de que esteja bom tempo, que as viagens, curtas ou longas, decorram sem incidentes, que as obras dos vizinhos não interrompam as sestas, que não faltem os pequenos prazeres que tornam os dias maiores e as boas memórias mais prolongadas. 


Como escrevo esta crónica enquanto uma situação pouco normal de um vôo, em Lisboa, causou duas ou três horas dignas da transmissão radiofónica da Guerra dos Mundos de 30 de Outubro de 1938, em que a leitura de Orson Wells do texto de H.G. Wells causou muito pânico em muita gente que acreditou numa invasão de extraterrestres, também me parece que a comunicação social está a precisar de algum tempo para relaxar. 


Se os níveis de ansiedade continuam assim, não há urgências, nem terapêuticas de espécie alguma, que aguentem ou cheguem para tudo e todos. Inspirar, expirar e guardar as energias para continuarmos atentos e agirmos quando for realmente útil fazê-lo.

14.6.22

O 10 de Junho

 Parece-me que, por esse mundo democrático fora, a maior parte dos feriados oficiais, não religiosos e que simbolizam perfis identitários nacionais, serão datas que correspondem ao final de conflitos que marcaram transições de regime ou independências conquistadas. O 10 de Junho parece-me, então e seguindo a mesma lógica, uma bizarria. 


Uma data medida a olho ao homenagear o Poeta genial, no que teria sido o dia em que morreu. E o Estado Novo aproveitou para assinalar no calendário a parola expressão do ditador que definia Portugal “pequeno na Europa, grande e dilatado nos outros continentes”. Dia de Portugal, Dia da Raça, Dia das Comunidades Portuguesas, Dia da Lusofonia, parece até que do Anjo Custódio e de algumas Forças Armadas. Tudo, de cada vez ou ao molho, à pala do Camões. 


As medalhas (que na realidade são Comendas) guardavam-se para ser atribuídas a personalidades notáveis, neste dia, e são agora distribuídas quando calha bem ao Presidente da República. E os Comissários das Comemorações são escolhidos sem outro rigor que não seja o mesmo que dita o apoio ao “filho da terra” (vá lá, que este ano Braga teve sorte com o prestígio do convidado).  As comunidades exaltaram-se porque houve as que, como já se tornou normal, se sentiram excluídas e protestaram, demonstrando bem a incompreensão do valor simbólico da coisa. Para já não falar de ser um feriado que excita nacionalismos xenófobos, os que, entre a continência e a persignação, recordam tempos em que, depois dos avanços no Conhecimento e na Ciência que a Expansão significou, se cometeu a primeira maior vergonha da Humanidade: o esclavagismo. 


Com este estado de alma do contra, que uso ao abrigo do estatuto que tem uma crónica de opinião, estou capaz de sugerir que o 10 de Junho se transforme no Dia de Camões e das Artes Portuguesas pelo Mundo. Que as Artes sejam plurais, como a Arte, enquanto conceito, sabe ser. Que sejam as eruditas e as populares, que sejam as clássicas e as vanguardistas, que sejam as elitistas e as das massas. Para novos e velhos, para a menina, para o menino e para quem não quer, nem tem de dizer a que género pertence, para quem tem saudades de Portugal ou para quem quer ir morrer longe. 


Porque a Arte até pode falar português, mas é a forma de comunicação que ultrapassa a barreira da nacionalidade entre quem cria e quem frui. Haverá lá melhor cuidar do repositório de memórias e mais rentável fundo de investimento em imaginação e criatividade do que celebrar, partilhando em festa, a importância das Artes? As Artes que vivem da Estética, sem esquecer a Ética e a Política, que não procuram unanimismos, mas preferem provocar reacções, levantar dúvidas, suscitar críticas. Fica a ideia.

6.6.22

À la Borda d’Água

Entrou Junho e os jacarandás continuam a encantar, tão bonitos quanto sujões. Regressarão Santos: Antónios, Pedros e Joões. 


Junho é o meu mês preferido, sem nele ter nenhum interesse privado: sem datas significativas ou nostálgicas que me façam celebrar por dentro ou à mesa. Nada, a não ser ter lá dentro o dia mais longo e a noite mais curta do calendário natural. Se gosto da noite, não percebo porque não prefiro Dezembro, esse mês que me ajouja de memórias… Deve ser o frio.


Em Junho e Dezembro, nos respectivos dias 24, ainda oiço a minha Avó paterna suspirar: não tarda nada estamos no Natal… não tarda nada estamos no São João. Media assim, partidos ao meio como melancias, os anos, uns atrás dos outros. Calendário de ritmo religioso, está bom de ver. Até porque não há na família, em nenhuma das que se cruzam em mim, sangue que se preocupe com sementeiras. Só com Deus e o Diabo. Ou nem um nem outro, como nos aconteceu a alguns. Ficou-nos o tempo gentio a passar com os dias, os meses e os anos, a relacionar memórias com porquês do presente e esperanças de respostas menos dolorosas no futuro. Sem gosto por premonições, dedicarmo-nos às “pós-monições” ajuda a perceber porque é que sempre foi assim mas às vezes é diferente. E nesses “às vezes” encontrar a variável que combata a estupidez, a ignorância ou a inteligência ao serviço da sacanice: têm todas resultados muito parecidos. Anda-se entretida, às vezes dá-se umas respostas, umas sugestões. Aceita quem pede, confia quem escuta, e a vida segue.


Entrou Junho. Uma imprevista pandemia não se deixa apanhar, e entrou no seu terceiro Junho, persistindo nas mucosas de tantos de nós ou dos nossos. Entrou Junho, consequente em vagas onde, lá no país das armas de circulação livre por um punhado de dólares, há quem lhes dê uso como se não quisesse morrer sozinho. E é o primeiro Junho da Guerra que já é a terceira de tão mundial que será nos impactos, e que já fez 100 dias e milhares de vítimas. Entrou Junho e seria tão bom que só olhássemos para os jacarandás e festejássemos sem preces, nem pressões, os Santos. Vale a pena tentarmos fazê-lo, a dobrar até, por quem não o pode. É cumprir calendário, ao menos. E talvez um dia dar a esse simples cumprimento o alto valor da celebração. O hábito não pode só banalizar.