11.7.17

Da insustentável ligeireza do ser

Parece que a mulher de um presidente dos EUA, não a actual e jovem Melânia mas a senhora Eleanor Roosevelt, teria sido autora de uma afirmação sobre mulheres de que muito gosto. Terá dito que as mulheres são como as saquetas de chá e que só quando metidas em água quente revelam o quão fortes são. Gosto, sobretudo, porque substituiria bem, hoje em dia, mulher por ser humano e a frase continuaria igualmente rica de significado. Ora, a autora parece não ter sido Eleanor, tratar-se-ia antes de um ditado irlandês de meados do século XIX, e que terá sido outra primeira-dama norte-americana, Hillary Clinton, quem lha atribuiu nos anos 90, sabe-se lá já com que intenções de valorizar a importância das “consortes” da República. Seja como for, é conversa equívoca como uma bela metáfora, esta comparação que não estará isenta de tresleituras mas está certamente pejada de boas imagens.
Nesta época em que tantos e tantas vão a banhos, normalmente procurando águas cálidas, a imagem aparentemente frívola e discriminatória, ainda que cheia de delicadeza, leva-me a encerrar este ano de crónicas com um tema que, mais do que acentuar uma geral questão de género, trata a necessidade do ser para além do parecer. Curiosamente, a ligação deste par ser/parecer é muito colada, quase universalmente e ao longo da História, ao género feminino, até por quem luta militantemente nas questões feministas. Afirmo-o com à-vontade, pela convivência que tenho com uma geração que, nascida e criada em ambiente não discriminatório de género, não perde o seu tempo, na sua maioria, com essa necessidade constante de distinção e afirmação de género, o que bem pode agradecer às gerações anteriores.
A frase traz-me o gosto no desgosto das generalizações tendenciosas. Ou seja, generalizarmos quando nos dá jeito e reclamarmos o “cada caso é um caso” quando...nos dá jeito, também. Enfim, padrões e padronizações de que nenhum de nós está isento nos vários gestos do dia-a-dia e que só na casmurrice ganham contornos de ridículo. A casmurrice é, aliás, recorrente em vários graus e esferas. “Casmurrice” aqui entendida literalmente como obstinação, já “esfera” considerada figuradamente como extensão da autoridade ou poder, dos talentos ou das atribuições.
A generalização da placidez feminina desgosta-me tanto como a generalização do profissionalismo, da capacidade de mobilização, da determinação (que pode confundir-se sempre com a dita casmurrice) ou da competência, todos atribuídos a elementos dessa esfera, aqui no outro sentido literal para além do sólido geométrico, onde a esfera se perfila ao lado do pilar, que é a condição de ser mulher. Ou mãe, ou esposa ou o que quer que seja que tem, no correspondente outro género, igual valor distintivo para o que quer que seja. Enfim, o que é possível encontrar numa mente aberta, que olha o futuro de frente e não com os olhos na nuca, sempre com medo de quem está à volta ou atrás e possa vir reclamar também a sua participação nesse futuro.
Gosto de poder ser comparada, ao lado dos homens, mulheres e transgéneros, todos sem transtornos de identidade que façam do género o argumento mais forte que arrasta, como velhas latas atadas entre si por um cordel, qualquer outra qualidade ou característica assexuada e muito mais valiosa; gosto de ser comparada com um delicado saquinho de chá, capaz de revelar todo o seu esplendor quando tem de ser. “Capaz” é uma palavra sem género e é por isso que eu gosto de me rodear dos que são capazes. E qualquer ser humano (generalizo) é tão capaz, por ser ser e ser humano, de despertar em nós admiração com destacadas boas características muito suas (individualizo) em que demonstra, quase de forma natural e inconsciente, o que de melhor tem para dar. Essas são o que dão sentido à Vida. Pelo menos à minha!

4.7.17

Reflectir sobre o futuro

Li a expressão “reflectir sobre o futuro” a propósito das andanças dos mercados do futebol. Foi até o espanhol Casillas quem o terá afirmado a um jornal italiano, segundo a imprensa, facto pouco importante para o caso, apenas partilhado por vício académico de referência a fontes, conhecida no meio como “honestidade científica”. Chamou-me a atenção uma certa impossibilidade da afirmação “Estou a reflectir sobre o futuro.”, em qualquer das línguas em que pudesse ter sido dita e roçando a poesia quase banal na forma, mas profunda nos seus sentidos plurais. E útil, como só a arte sabe ser!...
Reflectir é, etimologicamente, também “dobrarmo-nos” ou “debruçarmo-nos” sobre algo. Como podemos fazê-lo sobre o que está por acontecer? Era esta a impossibilidade da frase de Casillas onde, está bom de ver, o verbo foi utilizado como sinónimo de “pensar”. Uma aproximação que, mesmo vindo de alguém que joga com pés e mãos, demonstra como naquilo a que chamamos jogo para além do lúdico e mexe com a realidade de cada um, a projecção no futuro, a previsibilidade de factos por acontecer, requer pôr os neurónios a funcionar perante dados que, mesmo dados como adquiridos, merecem leitura, interpretação e avaliação.
Tendemos a apreciar os que “se atiram de cabeça” adjectivando-os de corajosos. E tantas vezes essa atitude é a mesma de uma criança que, por falta de vocabulário, faz afirmações que parecem versos, esses que também são fruto do olhar inaugural do Poeta, acrescentado com o trabalho aturado do verbo sobre a realidade até banal. Mas é a inconsciência que nos torna afoitos. Quando assim não é, gostamos de lhe chamar “risco calculado”, o que não deixa também de ser uma expressão interessante, pois por muitas contas que se façam e batam certas numa dada circunstância, o correr ininterrupto do Tempo pode alterar os resultados pela introdução de outras circunstâncias.
“Reflectir sobre o futuro” é, pois, a expressão banalizada de recolher informações e analisar dados para, depois, decidir como agir. O que se faz com esses dados e essas informações vai, isso sim, diferir dos diferentes usos que se faça dos neurónios com os mesmos elementos. E é aqui que uma pessoa bem informada pode sempre parecer muito inteligente e uma pessoa muito inteligente, por falta de informação, pode nem sequer o parecer. A história do cientista distraído é mesmo só um eufemismo para aquele que, absorto na sua tarefa, ignora todos os sinais que o rodeiam e onde há sempre informação útil a retirar-se.
“Reflectir sobre o futuro” é um exercício que, quando praticado regularmente a todo o momento atrevo-me a dizer, acrescenta à informação o que falta para esta se tornar Sabedoria e Conhecimento. Mesmo nas coisas mais pequeninas e pessoais. Tão mais importante quando temos connosco outros que dependem desse futuro, de quem queremos ou temos de ser líderes. E onde a coragem dos que se atiram de cabeça pode ser tão desmiolada.