28.11.17

Plaza pública

Os Eborenses andam num sino com o primeiro centro comercial digno desta classificação que abriu na Cidade. Andam num sino os que gostam destes lugares, que lá vão e lhes dão vida. Andam num sino os que gostam e encontram nesta obra, feita por outros, mais um motivo para poderem pôr a bombar a sua sempre saliente veia do escárnio e maldizer. Ainda bem que os Eborenses, e talvez outros Alentejanos dos arredores, estão contentes. Claro que aqueles para quem é fácil deslocarem-se aos hiper centros comerciais instalados nas grandes cidades, e para quem Évora devia continuar a ser a “aldeia gaulesa” de Portugal, esta é uma alegria alheia e farão tudo para fazer de conta que não existe ou gritar a sua indiferença ao lugar, ao lado de outros para quem este equipamento pode beliscar os negócios perpetuados numa tradição que apregoam estática, contra toda a ciência produzida em torno do que são e como funcionam as tradições.
Por falar de “aldeia gaulesa”, reparei que a Cidade está desde há cerca de um mês, em período pós-eleitoral portanto, com forte investimento em estruturas básicas, mas também ornamentais, adjudicadas a orçamentos de dinheiros públicos e locais. Falo dos pavimentos das estradas, mas também do crescimento dos enfeites da época, coisas que não são propriamente praticáveis com meia-dúzia de trocos. Tal como seria caro fazer obras de fundo em escolas, por exemplo, e não se faz, ora porque umas vezes se tem projecto mas não se tem financiamento, ora outras vezes porque até se tem um financiamento simpático mas o projecto é coisa para talvez não caber nos planos de um serviço municipal, quiçá escasso em arquitectos e engenheiros. (É nesta parte que quem conhece a situação de que falo pode sorrir e quem não conhece pode perceber que é uma piada.)
Os mais imediatistas, e os que contribuíram para que a equipa que gere esses orçamentos se mantivesse, pensarão sobre estes investimentos pós-eleitorais: “Ora aqui está, a seriedade de quem não fez obras antes das eleições para angariar votos!”. Respondem por isso ao isco lançado por quem procurava exactamente esse conforto. Eu cá tenho outra leitura, claro, já que andei oito anos a perceber como funcionam certas formas de pôr as tácticas ao serviço das estratégias de poder, e digo cá para mim: “Pois, como é que se podia andar a dizer que lhes tinham deixado tudo nas lonas, a zeros, impossível de aplicar um cêntimo em alguma coisa, e agora desatar a fazer coisas que custam dinheiro?!”. Quanto mais afastados estivermos das razões que se evocaram para a mudança, mais fácil lhes será retomar o ritmo da despesa, obviamente, esperando que não tenha que haver uma que tenha de ser uma despesa gigantesca mas enterrada e longe da vista e do coração dos que dela usufruem, como é a da água que corre nos canos. Não chego ao ponto de dizer que nos devamos marimbar para essas contas, não senhor, até porque fazer contas, ou não, foi o que permitiu à formiga passar o próximo inverno a tocar marimbas e poderá fazer com que a cigarra não passe deste inverno. Mas há investimentos que não têm como não ser regateados só até ao ponto de não se tornarem insustentáveis.       
Era só. E agora vamos ali ao Plaza passear, consumir, usar, dar a opinião onde nos pedem e pode ser acolhida, que é para não fazermos a vontade aos arautos da desgraça, os que anunciam sempre vários acidentes apocalípticos transitórios, caso o lugar descambe para o que nós, os outros que ficam contentes e partilham a alegria, não queremos.

21.11.17

Homeostasia precisa-se!

Sou bisneta, filha, sobrinha de professoras. Estudei com muitos colegas que, ao fim de quatro anos em comum, optaram pela via então ainda certa e segura das didácticas para serem professores do ensino secundário. Optei por seguir pelo mestrado e fui parar a 140 quilómetros de casa, quando respondi a um anúncio de jornal para ser funcionária pública. Mudei de terra e fiz dela a minha casa até hoje, sempre ouvindo de uns que não era de cá, e da família que era “a prima ou sobrinha de Évora”. Nada disso me afligiu, nem aflige.
Sempre soube que teria de progredir na carreira prestando provas públicas. Desde o princípio que desconfiei que nunca a terminaria no topo e agora tenho a certeza. Isso não me aflige. Irei até onde puder, cumprindo com aqueles a quem devo a razão de ser da minha profissão, os estudantes. Mas também, porque para além de eles beneficiarem com a investigação que faço, outra parte da minha profissão, tento retribuir em actividade de extensão e transferência de conhecimento à sociedade que, com os impostos que paga, me paga o ordenado de funcionária pública.
Sei que não me adianta fazer aos meus filhos o discurso que ouvi aos meus mais velhos sobre arranjar um emprego estável para toda a vida. São hoje raras as profissões assim, pelo que eles sabem que ao longo das suas vidas, para ganharem a sua autonomia financeira com uma (ou mais do que uma) profissão, têm de prestar provas para a conseguirem, para a manterem, para progredirem. Talvez até tenham que atravessar várias fronteiras e milhares de quilómetros para correrem atrás do que mais lhes agradar ou convier. Já não posso dizer que nada disso me aflige. Mas porque se trata do futuro. Incerto como é sempre, única certeza na Vida para além do seu final que se deseja sempre o mais longe possível. A ordem natural. Aquela a que não nos habituamos facilmente, porque muda como os humores da Natureza que origina o adjectivo. Adaptamo-nos. Tento ensinar-lhes, aos meus filhos e aos meus estudantes, isso. Não sei se lhes será fácil ou se irão afligir-se.
O que me aflige é ter de explicar como a justiça reclamada por uns, a quem alteraram direitos adquiridos, não só põe mais a nú a injustiça de outros, cujos direitos são adquiridos todos os dias num recomeçar quotidiano, como é uma justiça que ignora que gerir o todo implica olhar as partes por igual. E que, se a gestão do todo falhar, serão as partes também a pagar essa falha. Mas já devia estar à espera, já que este é o País em que há empresários, comerciantes e até agricultores que queriam mesmo era ser funcionários públicos. Sim, isso mesmo, profissionais que funcionam pagos por dinheiros públicos.
O tão agora citado António Damásio gosta de falar da homeostasia. A homeostasia psicológica, que talvez seja a que me interessa para o caso, consiste no equilíbrio entre as necessidades de um indivíduo e o suprimento dessas mesmas necessidades. Quando essas necessidades não são supridas, acontece uma instabilidade, que pode ser solucionada com alterações nos comportamentos, que resultem na satisfação dessas necessidades. E a homeostasia também é usada para descrever um sistema que permite manter a estabilidade de um ambiente, passando do nível individual para o do colectivo.
E acrescento eu que, para além destas compensações, há também tanto a ganhar, até pessoalmente, quando nos pomos nos “sapatos dos outros” e nos afastamos do nosso umbigo. Nem que seja para nos olharmos ao espelho e vermos a nossa figura.

14.11.17

Complexo da Geringonça

Por todo o País parece-me que já estarão terminadas as negociações e consequente instalação dos órgãos eleitos para assumirem as funções no poder local. Fui acompanhando, divertida, as justificações multilaterais e multicolores que se desfizeram em discursos de “fazer oitos com pernas de noves” para provarem as soluções encontradas. 
O meu divertimento, diga-se, é irónico já que, lá no fundo, é uma certa tristeza que acaba por prevalecer quando se dá atenção aos assuntos e se se depara com a verborreia saída das cabeças que alguma vez julgaram ser capazes de tomar nas suas mãos os destinos e as responsabilidades que o poder local exige e merece. Também senti, nalguns casos, que foi a surpresa dos resultados que deixou confusos os eleitos, provavelmente precisando de mais do que um par de meses para se acomodarem a uma nova situação, legitimada pelo funcionamento sério da democracia a que chegámos há pouco mais de 40 anos. 
Se a minha tristeza vem sobretudo de ouvir o discurso por parte de quem conheço minimamente, de quem conheço o trabalho, o empenho e as capacidades, e julgava capaz de reacções menos primárias, o meu divertimento vem da queda da máscara de outros. Os que  apregoando em campanha eleitoral serem capazes de governar com, para e por todos juntos, dando a entender que estariam ultrapassadas as questões do foro partidário em nome do que se pretenderia fazer em prol do crédulo e humilde munícipe, se comportam exactamente dentro dessa lógica partidária na altura de constituir o órgão executivo que depende, aí sim, de todos os que para ele foram eleitos, para se poder implementar uma qualquer opção política que afecte a vida dos eleitores, tenham ou não estes usufruído e cumprido da responsabilidade de lá ter ido, em dia de eleições, votar em quem queriam, ou quem não queriam, ver nesses lugares. 
Atenção que não me parece de espantar, é-me até muito compreensível, que quem milita a sério e empenhadamente num determinado Partido político, possa pôr, nestas guerras de cargos de poder, primeiro o interesse do Partido e só depois os outros, com argumentos verdadeiramente ideológicos e com impacto nas acções. Parece-me compreensível, entenda-se, se esse primeiro interesse não tiver já tido, num nível anterior, uma espécie de pecado original, que é o único e exclusivo interesse pessoal. E também não estou à espera que, nos que assim resistem a esse pecado, se encontrem uma espécie de mártires que não retirem das opções de militar num determinado Partido benefícios vários, no que gosto de chamar uma “win-win situation”. Até aqui a reciprocidade é um valor que muito respeito. E que não me engana quando não o é efectivamente e se disfarça, lá está, no aviar com uma homenagenzita, com palmadinhas nas costas ou apertados “abraços de urso”, aqueles que são, na realidade, tácticas de luta e não demonstrações de afecto.
De facto, este XXI Governo Constitucional português teria tanto para ensinar... Sobretudo a quem se tem deixado enganar por quem enche a boca com a palavra “consenso” e de quem diz que só “procura soluções”. É que até quem dizia que gostava muito da série dinamarquesa Borgen parece que já se esqueceu do que lá se podia aprender, e distinguir, sobre o mundo da Política e da politiquice.  Nunca me vou esquecer, e espero que as boas razões para isso se mantenham, deste governo que “casou” o seu “número” com o século em que os meus filhos, esses também “futuro de mim”, deverão viver mais do que eu, mas onde me sinto muito bem.         

7.11.17

Sexo e Cidade e Idade

Ora então vamos lá falar de sexo e do politicamente correcto ou não. Tudo a propósito da onda de denúncias, mais ou menos retroactivas, sobre o assédio sexual no mundo do cinema, mais especificamente naquele mundo cujo epicentro é Hollywood. Visitar o lugar em plena luz do dia é já perceber metade da história do que marca o compasso do “luzes, câmara, acção!”, já que o “glamour” que se vende na tela e no ecrã se esconde, naquela avenida central de Hollywood, numas estrelas douradas no chão ritmadamente incrustadas num cenário bastante decadente e onde o sexo é o motivo mais recorrente.
Falo do sexo desempoeirado do século XXI, o que não esconde as orientações nem finge que, no domínio do íntimo, a fantasia e a imaginação podem não ter limites. O que é do privado pode ou não ficar no privado e torná-lo público, não sendo obrigatório, acarreta riscos reveladores de desconfortos vários, para usar apenas um eufemismo, e gerar reacções legítimas em quem se sinta ofendido.  A idade da Humanidade trouxe-nos a esta realidade em que, no lugar frequentado por todos convivem e até vivem uma da outra, a assunção em expor os seus instintos e gostos sexuais com a pregação da moral que se dedica à preservação de bons costumes, mais ou menos anacrónicos.
O que também começou a mudar foi perceberem os que pactuavam, mais ou menos contrariados, com a falocracia, num sentido muito mais próximo do étimo dessa palavra que se alarga para designar sociedades machistas, que os limites da normalidade são questionáveis. De repente, parece que todos acordaram poetas revolucionários e olharam o mundo onde se moviam rotineiramente com um olhar inaugural. Nada contra, obviamente. Todos temos o direito de precisar de um tempo em que apuramos que o que fazemos contrariados não acontece porque também o permitimos. Descobrir isto mesmo pode ser doloroso e até dificultar a denúncia. A sociedade progressista também nos permite isto, uma espécie de arrependimento do pecado no leito da morte...
O progresso social permitiu-nos, aliás, considerar correcto politicamente, porque afecta as regras de funcionamento do que é a vida em sociedade, quer a assumir o que seriam diferenças da vida íntima obrigadas a serem caladas no espaço público por gerarem vítimas de intolerância, quer a denunciar o que querendo esconder-se no lugar do íntimo o faz de forma não consentida. Ignorar esta realidade é até impedir quem queira de facto aproveitar-se dessa, adaptada por mim, falocracia de forma assumida e com as consequências várias que daí podem advir. O que podemos tolerar como modo de viver a vida parará, em meu entender, nos limites do politicamente correcto quando se atinge um grau mínimo de violência. Esta pode ser física, psicológica ou social e é um acto absolutamente condenável e em que numa sociedade onde a justiça funciona para além do animalesco “olho por olho, dente por dente”, não pode passar incólume. Denuncie-se e proteja-se a vítima. Que não se fique por uma auto-censura que nem todos têm estrutura, nem o dever submisso, de usar.
E, a propósito, informo que estou à espera do desfecho do caso do estranho acórdão que envolve dois homens e uma mulher numa agressão com pau e pregos, à espera do funcionamento das instituições, para fechar a minha opinião que, até agora, permanece na indignação semi-privada, mas também na confiança dos que na sociedade civil tomaram logo, e bem, entre mãos o assunto.