Dois
massacres ocorreram nas últimas semanas com as sempre mais chocantes vítimas de
crianças e jovens, os que vêem a vida interrompida antes de ela acontecer na
sua força máxima. Com quase tudo por viver. Se a uns a promessa desse resto
poderia prever-se relativamente risonha nas terras da Florida, para outros em
Goutha, na Síria, o futuro adivinhava-se duro e difícil. À frente destes
massacres estão várias pessoas culpadas, a vários níveis e com impactos de responsabilidade
diferentes, todos com o mesmo resultado: a morte. A não natural, a provocada a
quem não a procura, distante da autodeterminação a que o ser humano recorre
quando faz uso das suas faculdades intelectuais.
A solução
política na América do 45 da Casa Branca é a bélica: fight fire with fire. Continuar a alimentar o negócio das armas
particulares que propiciam as todas outras condições que levam um louco a
cometer um massacre, armando mais gente ainda, sempre com a desculpa de que
será legítima a defesa. É sempre, legítima. Se não usar a mesma atitude
criminosa de quem ataca. É isso que faz toda a diferença, também. Não a
resposta instintiva ao ataque, que nos lembra a nossa proximidade com o mundo
natural, mas essa previsibilidade de corresponder à violência com violência
antes de qualquer outra medida.
Nos arredores
da bíblica Damasco morreram os que não puderam atravessar o Mediterrâneo em
botes de borracha. Os que não enchem campos de refugiados em fronteiras de
cenário caótico, mas onde pelo menos não há essas bombas-barril, ilegais até na
imoralidade que há no mata-mata de uma guerra. Os que muitos ocidentais têm
dificuldade em receber como vizinhos. Os que a muitos, sim muitos, portugueses
descansa que ainda não tenham chegado em maior número ao nosso país. Este país
de gente que desde o século passado sai em legítima defesa para o estrangeiro e
que fica profundamente reconhecida a quem, lá fora, os trata bem. Não adianta
chorar os massacrados da Síria e depois não estar disponível para os receber. E
às vezes mesmo sabendo como essas entradas aqui, na ponta mais sudoeste da
Europa, são tão acompanhadas, devidamente enquadradas por instituições que ainda
conseguem dar conta do fluxo de migração fugida dos massacres. E os que
criticam quem pensa que a união dos europeus também existe para melhor servir o
resto da Humanidade.
Há entre nós
muitos trumpzinhos que dormiriam muito melhor com um muro à volta de si, contra
o que os pode ameaçar. Muitos trumpzinhos que até em voz alta e para quem
consiga que oiçam – na esquina, no café, no táxi, no autocarro, no cabeleireiro
- desejariam que as instituições e os Estados agissem como o compadre que corre
a sachada os que lhe batem à porta, nem que seja para pedir comida porque
afinal até podia não ser para isso. E aplaudem os que, mesmo com óbvias
intenções longe dessas que apregoam, prometem que uma vez no poder os livrariam
de toda essa corja de gente de raça difícil.
Na Assembleia
da República o retrovisor tem sido um equipamento muito sugerido para ser usado
de modo a que os políticos se revejam nas suas políticas. Cá fora seria bom um
simples espelho, ao lado televisão, para que quando se derramassem as lágrimas
perante os massacres lá longe se percebesse a hipocrisia de ousar dizer algumas
“coisas”. Que essas imagens nos sejam
úteis, e que seja de dignidade da espécie humana que se fale.