30.12.14

Copyleft

E eis-nos de novo chegados a mais um fim, desta feita o do ano de 2014. Tempo de podermos fazer um balancete, para usar o “economês” da moda e do modo como tudo quanto administra bens parece merecer mais confiança por parte dos cidadãos. A pontos de que quase se exija a quem esteja à frente de um governo, local ou nacional, que tenha de ser economista ou gestor, independentemente do bom senso que aplique nas suas decisões políticas. Albarde-se o verbo à vontade da verba, podia ser a máxima dinâmica de quem não queira perder o “comboio do progresso” da governação política.
Mas o conceito que me traz hoje ao final de 2014, no costumeiro estrangeirismo, terá a ver com a quadra festiva com que se assinala um aniversário celestial e um fim de ano terreal. 365 dias são muitos dias para lembrar e a memória, para o bem e para o mal, tem a sua seleção especial que os edita de jeito personalizado, à vontade do freguês. É que na quadra festiva em apreço, entre os estados de alma, coração e a carteira – a de cada um e a do erário público – as manifestações exteriores de celebração são quase sempre assunto de conversa. À volta de luzinhas, bolinhas, enfeites e vozes angelicais em altifalantes, discutem-se os gostos como se discutem clubes ou fé, dificilmente chegando o debate a conclusão que sirva a quem tem de decidir-se por esta ou aquela solução, mais ou menos criativa, mais ou menos em modo de moda. Certo é que tudo está condicionado aos constrangimentos que envolvem “pão” e “palhaços”, para lançar mão à linguagem do maior espetáculo do mundo, pelo menos em cada Natal. Falo do circo, bem entendido, não, ainda, de videomapping que é o que se chama às projeções de imagens nos monumentos. Pão e circo podem ter de existir em alternância e sem pão não há palhaços, nem circo. Tudo linguagem afetuosa para o dinheiro, esse grande motor da sociedade em que vivemos, e os seus modos de uso nos quotidianos de lazer e fruições estéticas.
Em Évora já houve fausto nos enfeites natalícios, pois já. E nem eram com intenções eleitoralistas, não senhor, pois recordo-me muito bem do Natal de 2009, três meses depois de eleições autárquicas, e o último em que os eborenses arregalaram os olhos para as iluminações e patinaram no gelo na Praça como nas grandes capitais, esquecendo até a restante programação que, essa sim, se mantém há anos, com um esforço dos que ainda se associam, mesmo à mingua de pão e mais ou menos contrariados, mas que, enfim, em época de paz na terra lá exercem, sabe-se lá com que esforço, a sua genuína boa vontade. Mas vamos ao estrangeirismo final de 2014.

O conceito de copyleft, usado sobretudo na informática, pode traduzir-se por “permitida a cópia” e é resultado de um trocadilho da outra palavra mais conhecida e oposta, o copyright, que se refere aos direitos de autor. O copyleft defende a ideia de que uma obra não deve ter direitos exclusivos e pode, inclusive, receber o contributo de várias pessoas, que passariam a ser coautores, aperfeiçoando a criação original. Ora eu tenho para mim, que também tive responsabilidades no assunto do Natal nas ruas de Évora, que ficaram de herança duas ideias ao completo abrigo, porque também já eram ideia velha de outros lugares, do copyleft: uma, tomada por medidas de contenção, foi a grande árvore de Natal reutilizável, e reutilizada, feita integralmente pelos serviços municipais; outra, que apenas deu um arzinho da sua graça por estes dias (talvez para a foto!), e que tanta falta fazia neste ano particularmente gelado, e na minha modesta opinião está bom de ver, que era o madeiro a arder. À volta dele tínhamos sempre o “Beato Salú”, o “Rambo”, o “Quito Cigano”, figuras conhecidas de todos e que com a sua estranha forma de vida nos confrontam diariamente com as nossas derrotas num nunca acabado esforço de integração e coesão social, uma luta interminável da civilização. E a eles se juntavam todos quantos quisessem, partilhando um calor que para muitos seria mais do que simbólico. Aquela grande fogueira, tradição mais rural é certo, e que tem origem nos cultos pagãos de celebração do solstício de Inverno, lembraria a muitos habitantes da cidade a infância distante e permitiria que os mais novos percebessem a partilha como o mais importante motivo da quadra natalícia. Tudo copyleft! Um bom 2015 e até para a semana.

23.12.14

Wishful thinking

É a semana do Natal, quadra em que mais do que no resto do ano se fala de desejos. Não os sensoriais e sensuais, nada disso, que é quadra de história celeste e requer recato e pudor. É época de votos, que não são os de um sistema democrático, mas os de desejar aos outros o que desejamos para nós. Afinal, isso é que é a solidariedade, irmã da fraternidade e da reciprocidade, que se materializam em troca de coisas, reais, materiais ou incorpóreas.
Sobre isto dos desejos lembrei-me da expressão idiomática inglesa wishful thinking que, por ser de difícil tradução exata em português também usamos. Significa tomar os desejos por realidades e, onde normalmente se utiliza é quando nos referimos a decisões que se tomam seguindo raciocínios que se baseiam não em factos mas, precisamente, em desejos. É uma espécie de otimismo exagerado o que, enfim, pode acontecer ao mais incrédulo mas que, aterrando na realidade de outra forma causa alguns desgostos ou, pelo menos, algumas desilusões.
Isto dos desejos exacerbados dá muito nas crianças e nos seus sonhos que alguns insistem em que, um dia, se cumprirão, prolongando na infância um modo de sonhar muitas vezes saudável. O que é bom se, obviamente, ao crescerem não se tornarem vítimas do tal wishful thinking e, logo, de uma ilusão que nunca se concretize. Mas, ainda assim, era bom que estes sonhos se perpetuassem por todo o lado e por todas as crianças que aí vêm…
Vem isto a propósito de um panfleto, dito informativo e em formato de boletim, que amavelmente colocaram na minha caixa do correio. Lá se fazia um balanço do que se passou cá na freguesia durante este ano que finda. Foi então que confirmei, naquela prendinha que me ofereciam,  uma das grandes desilusões do meu ideário político. Ao percorrer cada linha e cada pixel do dito folheto, confirmei que durante quatro anos, em que tudo fiz para me certificar de que a gestão do que eram dinheiros públicos revertesse precisamente para o bem público, andei a acreditar, embora já sempre muito desconfiada, que estavam verdadeiramente preocupados, uns certos senhores, com a despesa que a autarquia pudesse fazer em informação e aconselhavam a que se emagrecesse essa rubrica orçamental. Cedência feita para se manterem outras que, enfim, nunca eram alvo de sugestão, o que até se pode considerar normal já que quem governa é que deve saber fazer as escolhas, mas adiante.
Afinal, mesmo com o esforço em priorizar investimento financeiro noutras áreas, como por exemplo suportar o preço de cada metro cúbico da água que serve os habitantes de Évora, ou comparticipar medicamentos para os mais idosos que provassem necessitar dessa comparticipação, o que felizmente até se vai mantendo com a nova governação, afinal, dizia eu, parece que vão sobrando uns dinheiros para a tal informação que surge agora já como uma prioridade.

São assim os mestres da propaganda: fazem-nos desejar o melhor dos mundos num mundo em que se esforçam por demonstrar que está tudo mal, para que quando são eles a decidir e a tomar conta dele valha também tudo o que até aí não prestava, pintado de outras cores. Criam em nós essa lógica de raciocínio que nos faz desejar estarmos a fazer o melhor possível, que é o que manda a boa política, para depois afinal nos apercebermos que são truques aplicáveis aos outros e inválidos para eles próprios. O que vale é que o que não nos mata, nos deixa mais fortes ou, como traduz o povo português: o que não mata engorda. Aviso aplicável à quadra que, à mesa, costuma para alguns proporcionar excessos. Um Bom Natal a todas e a todos!      

16.12.14

Quid pro quo

Portugal está, de alto a baixo, definitivamente com problemas de protagonismo que se revelam, escancaradamente, em frente às câmaras. De alto a baixo não em termos geográficos, mas em termos sociais, pese embora esta hierarquização seja, na minha gramática pessoal, instrumental, já que acima do ser humano não há socialmente mais ninguém. (Por vezes, é certo, a hierarquização serve também de desculpabilização e não, como devia ser, para discricionar responsabilidades que, cada um nas suas funções deve assumir.) Mas digo de alto a baixo para reconhecer que este problema atinge massas – como as que em vez de irem ver o Templo ou os Cromeleques preferem a selfie à porta da prisão – e elites - como as audições que decorreram na Assembleia da República a que assistimos na semana passada a propósito do caso BES.
Acendam-se as luzes das câmaras e grite-se “ação!” ou “a gravar!” para que se esqueça muitas vezes o decoro. E importa-me mais do que qualquer outro, com muitas cedências e apesar de tudo para não me sentir desajustada da época em que vivo, o decoro que há que ter no respeito pelas instituições, das quais a justiça e o sistema político democrático são aqui denominador comum, já que falamos de fraudes e de direito à defesa e presunção de inocência até à sentença final.
Quid pro quo é a expressão latina que escolhi, "quiprocó" a forma aportuguesada do termo. O bom e velho latim a servir para chamar as coisas pelos nomes mas suficientemente elitista para, precisa e conscientemente, espelhar a minha imensa preocupação em que os cidadãos o sejam na plenitude dos seus direitos para exercerem conscientemente os seus deveres. É que há pedagogos do espaço público, os “fazedores de opinião”, traduzindo a expressão originalmente anglófona, e deveriam ser cada vez mais aqueles que se empenhem em mediar o que se passa no espaço mediático e que é espetáculo mesmo com a seriedade dos assuntos em causa, e o cidadão comum. Quid pro quo pode significar e traduzir-se de forma mais ou menos coloquial por "isso por aquilo" ou "uma coisa por outra". Em português e noutras línguas latinas designa, sobretudo, uma confusão ou engano, mas o seu significado nos países anglo-saxónicos evoluiu num sentido diferente, que se espalhou neste mundo globalizado, e é uma expressão usada agora como significando uma troca de bens ou serviços, muitas vezes usada como designando uma troca de "favores". "Quid pro quo. I tell you things, you tell me things. Not about this case, though. About yourself. Quid pro quo. Yes or no? "dizia o arguto assassino Hannibal Lecter à frágil detetive Clarisse em O Silêncio dos Inocentes
Ora bem, na audição de longa-metragem a que assistimos na semana passada entre representantes democraticamente eleitos por nós cidadãos votantes e um indivíduo pertencente a uma elevada elite portuguesa, e que é tão “constituído arguido” como outros que “já lá estão” (eufemismo aqui de cárcere e não de outro-mundo) a propósito de uma matéria complicada de entender, sobretudo para quem está longe do mundo dos negócios do dinheiro, houve algo parecido com uma situação de quid pro quo. Isto porque, no meu entender, foi dada por alguém – os que devem zelar pela transparência do exercício dos poderes políticos, e não sei com que interesse, a outro alguém - que tem um processo por esclarecer na justiça, a oportunidade que, por não estar sob juramento, pôde aproveitar com uma argúcia evidente para se defender usando todos os meios ao seu alcance, dos quais não sabemos se a mentira não será um deles.
Eu sei que a situação deste tipo de inquérito parlamentar está legalmente prevista. Também me parece que o caso é politicamente relevante, pois em causa está o dinheiro de cidadãos portugueses e até relações entre países com acordos entre si. Mas esta mediatização com intervenientes em direto está a permitir que, quem só oiça estes intervenientes, faça um julgamento quase legitimado antes do julgamento nos tribunais. Como aliás se poderá dizer das próprias tentativas mais discretas de intervenção feitas por outros, a quem não é dada voz, com cartas dirigidas a órgãos de comunicação social. Mas convenhamos que não é bem a mesma coisa e que o pessoal dos negócios, mesmo que a pedido de políticos, parece estar a merecer muito mais do que o pessoal da política.

9.12.14

Comics e western spaghetti, por favor

O que nas últimas semanas tem passado na TV com Évora como cenário me parece tão triste de ridículo que, melhor do que chorar – era o que mais faltava! – me deixa um desejo de que tudo isto não passe de um episódio de má ficção. Uma reedição de refugo à imagem de um mau western spaghetti ou umas quantas “tiras” de uma qualquer história aos quadradinhos que, ao jeito dos brilhantes e atualíssimos portugueses Dog Mendonça e Pizzaboy, misturam a atualidade política com uma história de cenas do outro mundo, num efeito muito cómico. E foi tudo isto a coincidir com o último fim-de-semana, o da primeira convenção de comics por cá, a ComicCon Portugal, que me trouxe até à crónica de hoje.
Comics é uma expressão que designa as bandas desenhadas produzidas nos Estados Unidos. Convencionou-se chamar comics porque as primeiras manifestações do formato eram histórias cómicas, precisamente. Em Portugal, primeiro conheceram-se por histórias aos quadradinhos e, posteriormente, como banda desenhada ou simplesmente BD, uma tradução literal do francês. Já os western spaghetti são os filmes sobre o velho Oeste fora-da-lei, de baixo orçamento, realizados não na América, que retratam, mas na Europa. É a cultura popular de massas cujos apreciadores e consumidores proliferam sobretudo nos meios urbanos.
Bom, mas posta esta informação sumária, o que me interessava mesmo era, por instantes, fugir deste ambiente que nos entra dos noticiários pela casa adentro e passar para um mundo onde, aí sim, tudo bate certo. Onde a propósito do universo dos super-heróis que muitos visitámos um dia, alguns primeiro através da BD, outros pela sua evolução na cultura pop, transformado em jogos, séries de TV, filmes e até indumentárias saídas de um guarda-roupa muito próprio e reconhecido por peritos desse universo. É que nesse mundo joga-se, enquanto ele dura e de acordo com o convencionado, uma espécie de concretização de um sonho de infância: «I just want to be a superhero!». Um mundo possível, ordenado, coerente. Ao contrário do que se passa por aqui em Évora, e que passa nos ecrãs, em frente a câmaras, profissionais, amadoras, improvisadas, pespegadas elas, por sua vez, em frente a um estabelecimento prisional. 
Por mais que tente perceber o clima montado, quando me cruzo com estas cenas, só me apetece mesmo repetir, como uma ladainha, um excerto de um diálogo entre Tuco, o vilão, e Blondie, o bom, personagens de um famoso western spaghetti de Sergio Leone, O Bom, o Mau e o Vilão. Tuco tenta ler um bilhete com a dificuldade de um analfabeto «Até breve, id… id… id…» e Blondie, tirando-lho das mãos, termina, «”Idiotas”. Toma, é para ti.»

De facto, ninguém com dois dedos de testa merece ser o destinatário deste show. Dêem-me comics e coboiadas a sério, por favor!

2.12.14

Rankings ou listas

Os rankings parecem-me um instrumento de autoavaliação muito útil. E é sobretudo porque me são, no espírito de letra que também se lhes atribui, tão importantes como no desporto individual de competição o esforço que os atletas, mais do que ganhar a este ou aquele, põem no empenho e trabalho em bater as suas próprias marcas, ou marcas estabelecidas nacional ou internacionalmente. Uma luta consigo próprios no caminho do aperfeiçoamento. E é esse caminho, em princípio e como aludia o poeta, que importa fazermos com passo certo, seguro e dinâmico. Se o objetivo final é uma meta quase utópica que temos sempre diante dos olhos, o “finzinho mesmo” já todos nós sabemos qual é, humana e naturalmente inevitável, pelo que há que aproveitar o caminho até lá. Depois há, claro, a memória, a dos outros que recebem o testemunho e o passam ao estafeta seguinte…
Vem esta conversa a propósito de classificações, de listas, de galardões e de como pode ser ambígua a relação das pessoas que neles se veem envolvidas. Tudo relacionado com o ranking, substantivo masculino inglês, sinónimo de hierarquia, definido nos dicionários como uma lista ordenada segundo determinados parâmetros. São vários os contextos em que utilizamos a palavra ranking, o que facilita esta ambiguidade, e permite a desculpa ou, vá lá, a justificação do “isso não é a mesma coisa!”.
Conforme o contexto entende-se ranking, por exemplo: como uma simples classificação, e aproveito para dar os parabéns ao Cante que foi classificado e entrou numa lista de expressões imateriais que são património da Humanidade; como uma classificação ordenada, como é o caso do ranking das escolas que, como qualquer outro, tem de ser avaliado a partir da análise de todos os parâmetros que as classificam, mas que ainda assim permitem que escolas em condições semelhantes se possam comparar e fazer um esforço, até conjunto, para melhorarem no que lhes é possível, e não tanto desejável, como todos quereríamos, para se chegar ao “topo do ranking” mesmo sabendo que na competição entram concorrentes de escalões, pesos, idades diferentes na hora do tiro de partida; entende-se o ranking também como uma listagem, de pessoas ou instituições, que se posicionam, de acordo com determinados critérios que estabelecem assim uma classificação de quem se submete, queira ou não queira, a uma avaliação, e aqui aproveito para mostrar a minha satisfação não apenas em que a CMÉvora se tenha mantido como a melhor autarquia alentejana no ranking da transparência, como tenha até subido ao sexto lugar a nível nacional. Pena é que quando a autarquia eborense concorreu a outros rankings, de forma voluntária, transparente, com empenho dos seus quadros técnicos e operacionais, e ou foi aceite e reconhecida, ou ficou já em lugares cimeiros, ou ainda no topo do ranking das que o quiseram e foram convidadas a concorrer, houve quem manifestasse o seu desinteresse ou até mesmo, sem eufemismos, o seu repúdio por tal classificação.
Não me venham é querer meter não sei o quê pelos olhos dentro e contradizer que quando se opta não participar não é por uma opção política, sim política, de não se investir em determinadas áreas. E deixar transparecer que, afinal, é porque se desmerece não apenas quem, com uma seriedade que de forma comprovada não poderemos pôr em causa, estabelece critérios, mas sobretudo subestimando todas as congéneres que assim se submetem aos rankings num esforço de que o seu trabalho interno melhore, sempre. Nunca entendi que um galardão, fosse ele o das autarquias familiarmente responsáveis ou eco XXI fosse um truque de propaganda, e que fosse apenas ganho pelas chefias ou pelos eleitos de uma Câmara Municipal, mas sim por todos quantos no seu dia-a-dia profissional se empenham em contribuir para o bem-estar comum. Isso é dar valor ao trabalho, ao esforço de cada trabalhador num coletivo. Neste caso parece que se aplica o princípio de que cada um julga os outros à medida do que vê em si.