29.5.13

Comentar I

Felizmente nos dias que correm não há facto que não tenha, no espaço público de comunicação, comentários e comentadores à sua volta. Infelizmente está a tornar-se tão banal e tão díspar a qualidade dos comentadores que não sei se o martírio de quem os ouve ou lê não os anestesiará, e a opinião ou o comentário deixem de ter o efeito esclarecedor que, em meu entender, deviam ter. É o mesmo risco que corro enquanto cronista, afinal. Mas quem sou eu, e os outros desta Diana, e com sua licença, para não querermos corrê-lo?! Ao risco.

Dar opinião é uma forma de participar nas coisas que se vão passando, com o conforto de espetador a quem o que se passa no palco onde não são atores, em princípio, não são atribuídas responsabilidades de bom ou mau desempenho. É certo que, por vezes e muito legitimamente, os atores também podem fazer comentários à sua própria atuação, uma espécie de contraditório a que têm direito e que até serve para enriquecer e esclarecer as mentes dos que se interessam pelo que vai decorrendo, com o maior número de pontos de vista possível.

O comentário mais idiota que ouvi, e de fonte direta porque ninguém me contou, foi o de D. Duarte ao livro de Saramago «O Evangelho Segundo Jesus Cristo». E cito o comentário mesmo com o vernáculo de fino recorte popular que a real figura pública utilizou: «Eu não li o livro mas já sei que é uma merda!». Bem sei que foi depois de um jantar e de uma noite de copos em que alguns, legitimamente, indignados pela obra do Autor (a literatura tem destas coisas) se reuniram para celebrar a sua indignação. E por isso até posso desculpar o deslize de quem é um eterno candidato a um trono invisível que só alguns, como na história de Andersen em que o rei vai nu, conseguem ver.

O que me incomoda é que este não tenha sido caso isolado e que o método faça parte de uma prática que, porque o comentário está e muito bem na rua, seja quase epidémico. É que há quem comente parindo em espaço público aquilo com que foi emprenhado pelos ouvidos, ou olhos, em espaço também mais ou menos público. Também é verdade que, felizmente, me cruzo com muita gente que está bem informada, procura as fontes certas, interessa-se verdadeiramente pelos assuntos e utiliza vários meios ao seu alcance para expor a sua opinião e comentar determinados factos. A esses devia-se-lhes dar mais voz, pública, e não tantas vezes fazer-lhes a número do «lá vem este ou esta complicar as coisas, que maçada!».

Também me parece ser um facto que com um microfone à frente as pessoas se sintam na obrigação, que a maior parte não tem, de comentar ou expressar uma opinião. Digo a maior parte, porque há os que até se põem a jeito para fazer esse papel. Às vezes põem-se também a jeito de fazer fraca figura e em vez de dizer que não sabem o suficiente sobre o que se lhes pede para comentar, começam logo pelo mais básico juízo de valor: Gosto! ou Não gosto? Os porquês é que são elas. Muitas vezes, quando gostam, lá usam as sensações para justificar e acrescentar mais alguma coisinha muito coisinha, tipo «Não há palavras para exprimir.» Quando não gostam, ou repetem o que ouviram dizer aqui «àquele senhor que falou antes de mim» ou porque é um «assunto que me passa ao lado»…

Ainda bem que ainda há quem diga porque é que gosta ou não gosta e quem aceite que gostem ou não gostem, também dos seus comentários.

21.5.13

ACREDITAR V

A solidariedade é talvez o valor mais difícil de aprender, mesmo sendo o mais apregoado e em nome do qual muitas pessoas, em muitas iniciativas, o celebram e apelam à sua concretização. Um pouco por todo o lado, ao longo das quatro estações do ano, associações, instituições, empresas ou grupos informais organizam-se em caminhadas, quermesses, concertos, leilões, enfim um sem-número de eventos que angariam ou verbas ou vontades, para ajudar a colmatar injustiças, naturais ou sociais.

Quando digo que a solidariedade é difícil de aprender, falo então de uma aprendizagem individual, de praticar a solidariedade no dia-a-dia rotineiro, fora desses momentos de maior euforia coletiva.

Praticar a solidariedade passa muito por nos colocarmos na pele dos outros. É uma pessoa agir ou reagir para com outra pessoa, na medida das suas próprias capacidades e estima pessoal, e de forma a evitar o conflito com terceiros. Complicado… Parece até ser algo apenas atingível por quem viva acima de uma humanidade que é cheia de paixões e questiúnculas. Também por isso é mais fácil ser-se solidário por grandes causas e em multidão. Também por isso é mais fácil ser-se solidário com problemas que nos tocam ou tocam os que conhecemos muito bem, ou pelo contrário, com quem lá muito longe sofre e com quem apenas temos o poder de demonstrar à distância a nossa solidariedade. Algo relativamente fácil e a única coisa a fazer.

De resto, andamos na nossa vidinha, naturalmente, e seremos sempre tidos por parvos se dissermos que andamos cá para ajudar os outros. Obviamente. Até porque podemos, e temos direito, a não sermos competentes para ajudar a resolver determinadas situações injustas ou evitar que possam tornar-se injustas. Apesar de que não empatar quem seja ou possa ser competente para o fazer, já seja uma grande ajuda…

A solidariedade, versão mais moderna da fraternidade, implica igualdade mais liberdade. Praticar a solidariedade implica olhar o outro ao mesmo nível, entrando na vida desse outro, sem a condicionar contra vontade. E, por isso talvez, a solidariedade seja entendida como uma espécie de amizade social, em grupo ou de massas. Mas, socialmente, não poderemos ficar dependentes de uma espécie de vontade oscilante de simpatias ou mesmo empatias. Pelo que, também as regras dessa “vida social”, ou seja, a legislação deva refletir esse valor da solidariedade. E muitas das obrigações de que nos queixamos servem mesmo, ou deveriam servir, para fazer cumprir o princípio da solidariedade em que quem contribua sinta que, caso necessite, possa ser um dia beneficiado, desejando que esse dia nunca chegue.

14.5.13

ACREDITAR IV

Para além de acreditar na liberdade, acredito também na igualdade. Não na igualdade cinzenta como um uniforme, que resulta e alimenta um pensamento ou uma ação únicos. Nem na igualdade lírica que, ao fim e ao cabo, apenas reveste de bonitas cores um resultado que acaba por ignorar o direito à diferença. Talvez até seja melhor dizer que não acredito nesta igualdade lírica apenas porque a acho um bocadito demagógica, apesar de entender que cumpre todos os requisitos de uma linguagem apelativa que pretenda mudar mentalidades num caminho que eu considero ser bom. O problema é que como qualquer atitude demagógica, mesmo sendo uma atitude demagógica por engano, ou seja não intencional, cria expetativas que, mais tarde ou mais cedo, desiludem.

Reconheço, então, e este reconhecimento é uma variante mais derrotada do convicto acreditar, que a igualdade, mesmo aquela de que vos falo aqui hoje, pode sempre criar alguma expetativa à qual não haverá resposta rápida e definitiva. Porque é uma igualdade, esta das oportunidades à partida, que implica uma aplicação demorada de uma legislação bondosa que, ainda assim, requer um sistema de serviços, espécie de engrenagem ou máquina, que também depende, lá está, de verbas. Verbas que, por estes dias, andam sabe-se lá por onde, correndo eu o risco de, ao falar assim, estar a ser forçosamente ligeira na minha análise. Mas adiante.

A igualdade de oportunidades é, então, a igualdade em que acredito e que dá por isso a liberdade a cada um de com ela fazer depois o que quiser. Ou seja, poder cumprir com as regras dessa oportunidade, socialmente disponíveis, e poder dela usufruir e construir algo que devolva depois à sociedade a possibilidade de todos poderem dispor de condições para, com o esforço individual, se irem libertando de alguns apoios.

O esforço de que aqui falo é aquele que se vê sempre recompensado. Não é nem a chico-espertice de certos cidadãos, e que cá para mim é um esforço ou uma tentativa de uma parte do mundo andar a ver se engana outra parte; nem é o esforço que pede quem, tendo o poder por optar por este caminho da igualdade, por incompetência ou por ter uma agenda própria, quer pura e simplesmente marcar à partida as desigualdades entre os indivíduos… os viáveis, em que vale a pena investir, e os inviáveis que vão varrendo para debaixo do tapete.

Esta agenda contra a igualdade de oportunidades nunca será ouvida da boca de nenhum governante de um regime democrático, mas as opções de governação podem, e mais cedo do que seria de esperar, rapidamente fazer parar a tal máquina ou sistema de serviços de que vos falava e que tanto depende das verbas. Mas, e assim termino por hoje, é um sistema cuja eficiência também depende e muito de quem nele trabalha e de quem dele beneficia, porque também para ele contribui.

A responsabilidade, sempre a responsabilidade, que não considero, na minha gramática muito pessoal e talvez um pouco lírica, como um princípio ou um valor sempre discutível, mas a única maneira de se encarar, ou única forma de interagir, espécie de metodologia obrigatória quando se faz parte de um, pequeno ou grande, coletivo. Até para a semana.

7.5.13

ACREDITAR III

Acredito na liberdade enquanto valor individual e coletivo. Seria até mais preciso dizer que acredito nas liberdades, assim no plural, mas para facilitar tomemos o todo pelas suas partes. Enquanto valor a liberdade é, para mim, não inata. Ao contrário de muitos, acredito que não se nasce livre, podendo nascer-se num ambiente em que se respira, vive e se pode optar, quando se souber, pela liberdade. A liberdade aprende-se e ensina-se, conquista-se e perde-se, prolonga-se e suspende-se, num tempo mais ou menos próximo ou mais ou menos histórico, num espaço individual ou partilhado, íntimo ou social. 

A liberdade conquistada em 74 deu-nos, enquanto nação, acesso a uma série de bens que devendo e podendo ser públicos eram até então exclusivo de alguns. Mas ao longo dos anos, fomo-nos apercebendo que, passada a natural euforia de podermos escolher livremente e em consciência, a vida, individual e coletiva, limita determinadas escolhas. Costuma até dizer-se que a liberdade de um acaba quando começa a de outro, forma de em curto-circuito se referir que não há liberdade sem regras, que há limites para o tudo se poder fazer ou exigir-se que outros nos façam. A liberdade exige também um compromisso com os que nos rodeiam, institucional ou individualmente, compromisso a que chamo assim responsabilidade. Só com a consciência, e a ação mais próxima e possível do exercício responsável, do direito a ser-se livre damos à liberdade o valor que ela tem, retirando-lhe o risco de que se desvalorize e comprometa os benefícios que traz, a nós e aos outros.

A liberdade que me parece, talvez, mais importante é a do acesso à informação. Ela liga-se ao funcionamento das instituições públicas, à comunicação e, muito, à educação, já que tantas vezes a informação necessita que sobre ela aprendamos, sozinhos ou com outros, a relacionar factos e a interpretar sinais. Sendo aquela que, em princípio, condiciona a formação de opinião e a tomada de opções, a liberdade de acesso à informação só aparentemente é um dado adquirido.

Todos talvez já tenhamos alguma vez feito o exercício de, conhecendo profundamente um facto, quando ele é transmitido, através de outros, normalmente na comunicação social mas nem sempre só da responsabilidade de jornalistas, descobrirmos as imprecisões ou lacunas sobre o mesmo, muitas vezes até sem que haja intenções expressas e menos simpáticas para as fazer. Desta feita, mesmo querendo emitir opinião sobre determinado facto, ou tomando decisões em função desse mesmo facto, estaremos sempre condicionados pelo percurso e quem nele intervém até que chegue até nós como informação.        

Alertados para esta vicissitude do sistema de comunicação, educados para procurar em diversos transmissores, caso estejamos longe da fonte original, para termos uma base mais segura para formarmos a nossa própria opinião e, eventualmente, fazermos a nossa opção, normalmente deixamo-nos, de uma forma humanamente natural, influenciar por fazedores de opinião com quem partilhamos visões e princípios comuns sobre a vida e o mundo. Estamos a pôr-nos, livremente, nas mãos de outros, partilhando com eles a nossa liberdade de formar uma opinião própria.   

Resumindo, age com mais e melhor liberdade quem mais e melhor compreende as alternativas que precedem uma opção, um rumo. E isso passa por termos a maior e melhor quantidade de informação sobre essas possibilidades. Permitir que todos tenham acesso a essa informação e o cuidado de a procurar é dar uma oportunidade, mais igual, no momento de fazer essa opção ou tomar esse rumo. Mas disto falarei mais para a semana. Até lá.