30.5.22

M & M

Depois de uma discreta campanha interna, talvez apenas visível para militantes, o PSD lá encontrou um timoneiro para a sua barca. Presumo que a sua principal tarefa seja ir tentando colocar icebergues para que a barca do adversário se espete em alguns deles. Ou, melhor ainda por requerer arte e frieza, sair da frente dos icebergues na rota dos quais a barca do adversário pode seguir. Governar implica sempre essa gincana através de vários obstáculos. Até governar Partidos. Mas cada manobra dessas, de um Partido, pode prejudicar não apenas o adversário mas, se o adversário for o Partido do Governo ou a Democracia, prejudicar o País. 


Ora, o primeiro problema do PSD pode ser encontrar o adversário, porque, ao que parece, também essa agenda está a ser controlada por outros. Falo dos que citam fundador comum: Francisco Sá Carneiro. Como não citar, nem que seja só para chatear “os manos”, os ensinamentos dos Pais? É uma táctica miúda, mas suponho que eficaz. 


De qualquer modo, parece-me que o PSD apostou no que quis, que é o que acontece em Democracia, mesmo não “indo lá”, ao voto, e deixando que outros decidam. E o que quis compete melhor com o mano adversário das exclamações do que com a alternativa ao lugar de governo. Tipo (como dizem os miúdos): “primeiro ganhamos e depois logo vemos”. Ou se calhar porque não saberiam fazer melhor… 


Mas também porque têm outro mano, ou primo, mais espevitadote, cheio de iniciativa em cartaz e com um discurso que não aposta em capitalizar o protesto de massas que marinam na insatisfação, mas em capitalizar a promessa de um unicórnio para cada jovem, o que nasceu do disparatado discurso de que basta sonhar para conseguir vencer na vida. Nem que o sonho passe por deixar para trás quem já acordou caindo da cama. 


Enfim, eu gostava mesmo era que só os icebergues covid, guerra e consequente inflação e galopante degradação ambiental, que ambas provocarão, derretessem. E saíssem da frente do progresso, esse barco nem sempre muito amigo mas que, como um quebra gelo, permite à Humanidade avançar. E não, não estou a impingir unicórnios, nem a berrar que “são todos iguais”. Aliás, gosto mesmo é de diversidade. Da que tenta conviver com a diferença, hierarquizando o que é realmente importante. 

24.5.22

Quando Marcelo queria saber quem lhe fizera “aquilo” na cabeça

 Eis senão quando, a propósito da visita de Costa à Ucrânia, se dá a oportunidade de vingança pelo trabalho de conjecturas bem feito na comunicação social sobre vários assuntos de que Marcelo se julgava detentor do monopólio da notícia fresca. Perante a inoportuna birra de vingança (que também se juntará provavelmente à birra pelo facto de Marcelo ainda não ter sido convidado, como já foram Costa e Santos Silva, para ir posar no cenário de guerra), ficou evidente que não há segredos entre São Bento e Belém. Escusa o Presidente de vir dizer, daqui para a frente, que o Governo “faz caixinha” com o que quer que seja. Não nos esqueçamos disto, de ora em diante.


Esta vingançazinha teve o dom de me fazer ir buscar um clássico ocidental (e talvez não só) da literatura infantil. Trata-se de um livro-álbum alemão, que quem lida com crianças há 20 anos certamente conhecerá: o título em português, traduzido na editora Kalandraka, é “A Toupeira que queria saber quem lhe fizera aquilo na cabeça”. Trata-se de um enredo quase policial, ao estilo “whodunit” (palavra que condensa a pergunta “who done it”), vivido por bicharada, como é apanágio das obras que se dedicam às crianças e de longa tradição para todos os leitores, pelo menos desde Esopo.
Neste divertido álbum de 1989, autor e ilustrador (Werner Holzwarth e Wolf Erlbruch), a toupeira sai do seu buraco e um dejecto achouriçado aterra-lhe em cima da cabeça. O percurso da investigação, vertido quer no texto verbal, quer no icónico das ilustrações, é todo ele muito cómico. No final, descoberto o culpado, vemos a vítima a “fazer a vingança”: umas bolinhas de caca de toupeira aterram orgulhosamente em cima da cabeçorra de um tranquilo mastim.

Ao revelar a data, ainda que aproximada, da visita de Costa a Kiev, Marcelo poderá ter incomodado pouco o próprio Costa, tornando até ridícula a revelação. Ridículo tornar-se-á também o revelador, se pensarmos que o segredo não é aqui um salamaleque de salão, mas uma regra dos sistemas de segurança do mundo inteiro. Se bem se lembram, quando por alturas do Natal, por tradição, algum membro do Governo se desloca a cenários de guerra onde estão tropas portuguesas para desejar as Boas Festas, que o serão de espírito muito condicionado, só sabemos do ocorrido e não se anuncia previamente a ocorrência.

Este deslize intencional do Presidente da República, porque não creio que não o tivesse sido ou estaríamos perante outro tipo de caso agudo e grave, não foi só ridículo. Foi preocupante, mesmo tendo sido cómico. O que também é clássico.

17.5.22

Os rascunhos que são “gordas”

 Há notícias que, de tão bizarras, merecem mais do que ser só isso: notícias. Deixando de ser só notícias, podiam mesmo é não ser nada, dando não apenas valor ao silêncio, como fazendo um favor à educação para a cidadania, evitando-se o exemplo nefasto. É que o exemplo, por mais voltas dadas às teorias para a educação, é o seu coração. Já os humoristas, que sabem que em palco não são exemplo para ninguém, dão o devido valor a estas notícias, dando-lhes exímio uso. Alguns até conseguem ser eleitos presidentes de países, e tudo.


Mas agora a sério, tão a sério como questões de vida e de morte: são notícias que merecem detalhe, explicações cabais, contraditório. Tudo com o mesmo nível de estridência que “as gordas” dos jornais têm; as que, toda a gente sabe, fazem babar uns e espumar outros. Sendo que uns e outros são, não apenas os que não têm possibilidades de saber mais, como os que sabem tanto que os mantêm nessas impossibilidades. E é o que vende, claro, no sempre negativo saldo para a informação e, por isso, com perdas na democracia; com lucro fácil só mesmo no tribalismo e na grunhice.

Uma das que saiu ultimamente foi a relação da eventual avaliação de desempenho dos médicos de planeamento familiar pelo número de abortos que conseguem, ou não, evitar. Para além de escabroso, por se ter focado numa questão que para além de médica tem questões morais que lhe estão associadas e são tema ainda fracturante na conversa de café, o caso tem todos os ingredientes para ser polémico - se for mesmo assim - ou para ser ridículo - se for só um rascunho.

Polémico, porque é potencialmente discriminatório se não se perceber o contexto e o “caso-floresta” em vez de nos concentrar no “caso-árvore”; no fundo, também por envolver três palavras suculentas que assanham discussões em várias mesas de café: avaliação, médicos e aborto. Ridículo, porque, nas diferentes negociações de qualquer assunto complicado e específico, é preferível que, em fases de discussão, de ensaio, o chamado “brainstorming”, as propostas não sejam logo publicitadas. A menos que a proposta vencedora logo em fase preliminar tenha razões para ser arrasada por quem se bateu, convictamente, contra ela. Nestes casos, servem bem como argumento de oposição. Assim cheguem a ser “gordas”.

E o que acabou por acontecer foi precisamente uma correcção do caminho levantado como hipótese e o assunto terá morrido, pelo menos nos termos em que foi criado. E com ele, com o caso particular do aborto e do planeamento familiar, os assuntos “médicos” e “avaliação” continuam no laboratório dos técnicos e especialistas. Talvez abortados. Ou à espera que se esqueçam deles. Ou, para o pior ou melhor, até que chegue uma “voz de dono”, de um político claro, que assuma esse odioso e arrisque a sua reputação, nas mesas de café e, outra vez claro, na urna dos votos que é onde também se enterram políticos.

Notícias podem, e devem, alertar os cidadãos. Melhores notícias permitem melhores alertas. Esta notícia que circulou foi mesmo sobre quê? Avaliação de médicos ou aborto? Talvez valha a pena perceber para que serve publicar “às massas” um rascunho.

10.5.22

Virada do avesso

 Foram sobretudo dois os temas que, ao longo da última semana, excitaram as hostes de oposição ao Governo (as que ocupam espaço público, ou pelo menos alguns cantinhos, vá): os russos que eram nossos amigos e já não são e a variação dos preços dos combustíveis. Se ouvi e vi muitos moderadores-jornalistas a tentar adentrar por caminhos argumentativos mais sólidos e menos frequentados por quem insiste em entoar uma música ambiente monótona e ensaiada; também assisti a “cheerleaders” espicaçando o coro para apenas tentar que se subissem decibéis ao mesmo coro batido. 


Num quadro circunstancial em que não se destacam lideranças nem novas e fortes, nem resistentes e carismáticas, os Partidos da oposição, quando  folgam da discussão do orçamento e acorrem ao que a comunicação social vai lançando como isco para que haja sempre assunto, são uma verdadeira “seca”. Vão buscar argumentos ao baú, saltando por cima dos caixotes em que os próprios guardam muito do seu legado; fulanizam e perdem a perspectiva absolutamente necessária do conjunto. 


Tem-se destacado o PSD a preencher esse espaço, naturalmente, já que é um dos três Partidos que vai tendo quadros a fazer política em vários níveis, lugares e ocasiões. O outro, para além do que é da cor do Governo e que andará em modo de defesa, está tão amarfanhado a ser mais soviético que os russos, que, para seu bem, quanto menos aparecer, melhor. Mesmo que ainda ocupe o espaço da contestação organizada em sindicatos, num trabalho sempre muito persistente que lhe é próprio. O que é certo é que, no que respeita ao discurso da oposição (e se não é, parece muito), vale tudo para que “quanto pior, melhor”. 


Sobre os cidadãos russos de quem se desconfia que um possa ser espião ao serviço de Putin, não percebo qual o espanto que isto alguma vez, no contexto de guerra, não viesse a acontecer. Daí a generalizar-se uma situação… Então não foram benéficas as associações que acompanharam as comunidades do leste europeu na integração em Portugal nos últimos 20 anos? E quantas associações luso-brasileiras há por esse mundo fora a fazer o mesmo aos “nossos” que se afastam de cá? Sabermos da existência, por denúncias e consequentes processos, de averiguações de situações destas, eventuais, é sinal que, mesmo não sendo com a ideal antecedência que as evitaria, as instituições estão a cumprir e a fazer o caminho que tem de ser feito. Comecemos por nos ficar pelo repúdio ao alegado espião enquanto representante de Putin lá no bairro, esperando que eventualmente venha a ser considerado persona non grata. E se houver quem intencionalmente impeça, depois das averiguações feitas e concluído que é um espião, que as consequências se apliquem e que esse alguém tenha o tratamento previsto. 


Já sobre os preços dos combustíveis, não se percebe como é que os que, ao mesmo tempo que exigem menos Estado, se espantam que as gasolineiras não estejam mesmo a aproveitar-se da guerra para fazer negócio e manter os preços altos, enquanto o Estado não tem os instrumentos legais para actuar. Acusam esta iniciativa, uma espécie de “dinheiro de helicóptero” chamado Autovoucher, sem a coerência com que concluem que a subida dos combustíveis afecta mais do que só automobilistas. Por favor, entendam-se e não persistam na instalação do espírito “sol na eira e chuva no nabal”. Parecem os outros a quererem ser democratas e imperialistas ao mesmo tempo, mas em latitudes e longitudes diferentes. Não é deste falso equilíbrio que a difícil coerência, que a Política exige, se consegue. Fazê-lo só serve mesmo para distrair o cidadão das incoerências de quem o faz.