21.12.21

Prendas também não?

Estamos em plena época de presépios, árvores iluminadas e troca de prendas, ritual entretanto generalizado numa grande parte do Mundo, graças ao sucesso da verba sobre o verbo que o capitalismo anunciou, e venceu. Para além de aproveitar para vir desejar umas Boas Festas, sejam elas graças ao Cristianismo ou ao convívio militante de quem não espera levar para o outro mundo prazeres nem desaforos e os gasta todos neste, não posso deixar de comentar o brinde da testagem que marcará o Natal 2021. Talvez até inaugurando uma prática que, oxalá, não dure ao ponto de se tornar tradição.

Li na semana passada que, para além da falta dos cada vez mais caros autotestes, situação generalizada a muitas zonas do país, o Alentejo mantém-se como a região onde há menos farmácias aderentes aos testes totalmente pagos pelo Estado a estes privados. No conjunto dos três distritos – Portalegre, Évora e Beja – que tem cerca de 160 farmácias, existem apenas 57, mais 10 desde ontem em relação ao início da oferta, que aderiram a esse programa que dá quatro borlas por mês aos cidadãos para se testarem. Ou seja, mais de 2/3, de um todo de farmácias que se distribuem por 43 concelhos, declinou esta prenda quando, no total nacional dos 308 municípios, há agora 1040 (anteontem eram cerca de 900) farmácias aderentes. Terão lá as suas razões, obviamente, talvez até muito atendíveis. Mas não deixo de pensar naquela “blague” que conta como o dono de um estabelecimento comercial mandava fechar as portas porque vinha lá uma camioneta cheia de potenciais clientes…

A fechar 2021, mais um ano pandémico, e abrindo 2022 com uma campanha eleitoral para eleger os representantes que escolherão o próximo Governo, gosto de me despedir com números cruzados com experiência de terreno. O que, de resto, me faz continuar a simpatizar, e votar, num Partido que, não vergando a alma à verba, o que desalmaria muita gente, não as ignora - nem às almas, nem às finanças. É que, para gerir o País, o Governo deste Partido não tem cedido, pelo menos nos que ainda ocupam os lugares cimeiros, à tentação de prometer tudo a todos. Nem tem, por outro lado, usado o punho que usa como símbolo para ser “mão-de-vaca”. É que distribuir o pouco que se cria parece, sempre que se ouve falar em milhões investidos, que há dinheiro mal gasto, mas por outro lado exige-se que se invista mais ali ou acolá, conforme sentimos “o pouco” mais perto da nossa pele.

Com os governos do Partido Socialista a tendência plasmada nos programas, para além dos objectivos retóricos, é ir esbatendo essas discrepâncias, o que exige estabilidade e tempo. E é por isso que eu desejo, com uma das primeiras das 12 tradicionais passas da Passagem de Ano, um governo do PS com uma maioria suficiente para aplicar o seu programa.

 

14.12.21

O súbito interesse pela leitura científica

A vacinação de crianças tornou, subitamente, a oposição ao Governo muito interessada na leitura de pareceres técnicos sobre este avanço científico e o impacto do seu uso em seres humanos que têm entre cinco e 11 anos. Mas, atenção!, que a preocupação foi só com as crianças do continente e do arquipélago dos Açores, porque na Madeira os cachopos não deram nenhuma dor de cabeça a ninguém! Gente rija e confiante, essa governada pelo PSD escrutinado por todos os outros Partidos que não governam em lado nenhum com decisões e opções destas a poderem e terem de ser tomadas. Os pais-piegas-eleitores estão todos, ao que parece, em Portugal continental. 

É sabido que quando não se tem nada, ou pouco, para apontar ao conteúdo, se implica com a forma. Encontramo-nos com situações destas mais vezes do que nos damos conta, porque estamos pouco habituados a desmontar ideias feitas e a pensar no valor das palavras. Vivemos num Mundo em que estas se transformaram em palavras-chave e palavras-passe, como se todos lhes tivéssemos igual acesso, sem provarmos que merecemos conhecê-las para aceder a uma qualquer caverna com tesouros, quais Ali-Babá. E aqui reside uma grande parte de alguns problemas da contemporaneidade: é também preciso saber ler e avaliar a forma. 

Parto do princípio que os técnicos e cientistas em vacinas e vacinação tenham partilhado toda a informação com os seus pares especialistas. É também para isso que podem servir as Ordens, caso já se tenham esquecido da sua razão de ser…  Para além, claro, das várias publicações científicas, plataformas de divulgação especializada.  Muitas são tão cotadas na bolsa do emprego científico que há quem se desunhe para lá ter o seu nome a assinar um artigo em que apresenta precisamente avanço científico e avaliação de impactos. 

Fico contente com esta embaixada inadvertidamente criada em defesa do Open Access. Ou seja, acesso aberto, que é o que se chama à disponibilização livre na Internet de cópias gratuitas, online portanto, de artigos em revistas científicas validadas. É que há valores vergonhosos que muitas edições cobram, não apenas a quem lá publica para ser lido e ter uma boa linha no cv, como para um leitor interessado descarregar os mesmos artigos. 

Mas no mundo da investigação também já se percebeu que a comunicação de ciência é uma área de conhecimento e formação específicos muito importante. Sob pena de que até o investimento público nessa investigação não reverta totalmente para… o público. 

Mas voltemos ao principal: sim, temos de saber todos os riscos que corremos quando somos medicados; é por isso que vamos ao centro de saúde apanhar vacinas ou buscar receitas. Sim, quem legisla tem direito a saber sobre questões que envolvem o bem-estar dos cidadãos, talvez assim não produzam de vez em quando leis com redacções mal-amanhadas  que têm de andar para trás e para a frente. É pena é que, como em tantas outras situações, só se dê por essas preocupações por causa de outras preocupações como, por exemplo, eleições próximas. 

Há que ter muita atenção quando avaliamos para julgar e, para isso, temos que perceber muito bem a conversa que temos com quem sabe. Noutro assunto, por exemplo, agora que a tardia demissão do ex-MAI lá se deu, tenho estado muito atenta à investigação acessível ao atropelamento mortal na A6. Aconselho a seguirem-na também. Para muitos podermos aprender com uma tragédia irreparável, tal como foi a daquele acidente, será importante que, no final da investigação, em poucas páginas se conclua com clareza o que aconteceu, como aconteceu, porque aconteceu. Imagino que essas páginas sejam as mais difíceis de escrever e publicar para todos os envolvidos na investigação, mas será com elas e depois delas que poderemos saber e deixar só de “achar”.  

7.12.21

Judite e Natália

 Nos últimos dias estive mais envolvida com textos e vidas de duas Autoras que foram colegas de Curso e teriam completado neste ano 100 e 95 anos, e gostava de partilhar convosco esse privilégio. Com dois percursos muito diferentes, nenhuma delas teve, no meu entender, o reconhecimento, ainda, que a obra que deixaram merecia. E, acrescente-se, apesar do que a Universidade de Évora fez por uma, pode fazer por outra, podendo fazer ainda muito por ambas. Mas já lá vamos.

A Maria Judite de Carvalho (1921-1998) foi atribuído o Prémio Vergilio Ferreira em 1998, mas a Autora morreu pouco tempo antes e não chegou a tê-lo nas mãos. Tem a sua obra (até agora) completa reunida na editora Minotauro. Maria Natália Lima (1926-2006) ficou esquecida, depois de ter ganho um Prémio atribuído por um distinto júri e promovido pelo Diário de Coimbra, pelo Instituto Alemão e pela Editorial Verbo em 1973. E de se terem esgotado nesses anos as edições das suas duas obras que foram então publicadas e das quais só agora se reeditam, com uma terceira inédita, em trilogia pela Âncora editora. Eu disse que ficou esquecida, mas não, entenda-se, pelos jovens leitores que, na segunda metade dos anos 70, inícios de 80, devoravam livros, como esta privilegiada vossa cronista fazia. 

Maria Judite acabou por viver na sombra de um marido cheio de sucesso no mundo das Letras, em que a Academia tinha, e ainda terá, um enorme peso: Urbano Tavares Rodrigues (1923-2013), colega de curso de ambas na Faculdade de Letras de Lisboa. Maria Natália ter-se-á deixado ultrapassar não apenas pela sua própria vida de mãe dedicada de 10 filhos, mas por um contexto da edição para públicos juvenis, e respectiva atenção académica, que só no finzinho do século XX e sobretudo a partir de 2006 com a criação do Plano Nacional de Leitura, ganhou mais interessados, ainda que sempre à margem dos interesses do cânone, ainda que este já não viva propriamente num condomínio assim tão fechado. 

Se a Universidade de Évora teve o seu papel em 1998 com o Prémio Vergilio Ferreira e assinala hoje o centenário de Maria Judite, foi graças à edição muito bem supervisionada, juntamente com os seus irmãos, pelo Professor de Filosofia na nossa Universidade, João Tiago Lima, um dos 10 filhos de Maria Natália e Rui Pedroso Lima, que Maria Natália Lima fica agora disponível nas livrarias. E contará comigo para estudar e divulgar essa trilogia que reúne Os Outros e Eu, A Liberdade e Eu, Ele e Eu, rendida que estou, na releitura, à qualidade desta mini-saga literária que vem, na minha opinião, preencher um espaço que ainda persiste vazio nas estantes dos livros mais lidos por jovens portugueses. 

Aproximando-se a quadra em que a haver folga nas finanças domésticas se compram prendas para oferecer, sugiro que antes de embrulharem as obras destas duas Autoras, as leiam também. As duas tão diferentes na escrita uma da outra: uma existencialista; outra realista. Como também serão diferentes os potenciais leitores. Ambas atentas conhecedoras dos comportamentos do ser humano em sociedade, ambas exímias artistas da palavra que se transforma em frase, parágrafo, texto literário que cria mundos e lê o Mundo. Contextos com pretextos próprios em que importará, depois, pensar mais um pouco.