Albert Camus
fez cem anos na semana passada. Leitores e comentadores festejaram, a Academia
também. Foi um escritor e filósofo francês, nascido na Argélia, premiado com o
Nobel em 1957 e que teve intervenção política. Foi dirigente comunista, expulso
depois do partido, e acabou anarquista. Era um pied-noir, o equivalente francês ao conceito português de “retornado”,
o que significa para o caso que foi dos que não teve uma vida fácil. Disse um
dia que "Quem escreve de um modo claro tem leitores. Quem escreve de um
modo obscuro, comentadores." Primeira
conclusão: qualquer escritor a quem festejem o centenário tem de ter, por estes
parâmetros de Camus, esses dois lados, o claro e o obscuro.
Nesta semana que passou, fomos também brindados (oiçam a ironia, por
favor) com o comentário, de alguém que escreve, sobre a reação popular à
austeridade. Dessa pessoa não estou à espera que se assinalem, pela sua obra,
os cem anos, nem tão pouco considero que tenha tido, ou venha a ter alguma vez,
alguma intervenção política, apesar do comentário claramente colado a uma certa
direita. E, no entanto, se há quem escreva e tenha leitores em Portugal, é esta
pessoa. Como tem, está bom de ver, comentadores que eu já os vi e ouvi, sim
senhora. O interessante é precisamente que os comentários, a sério, que se têm
feito sobre os seus livros se prendem muito mais com o fenómeno não da sua
clareza, mas de outro adjetivo, que Camus nunca poderia ter imaginado, acho eu
com poucas certezas, e que é o adjetivo “light”. O “light” está para os livros,
como o “pimba está para as canções, sendo que esta é a melhor e mais rápida
definição por analogia que me parece, assim de repente, fácil de dar a
entender.
Não vou dissertar aqui sobre as qualidades de
Camus, que sob a marca talvez mais consensual do existencialismo tratou grandes
questões do indivíduo, da sociedade e da humanidade; ou sobre as banalidades de
MRP, como por agora tem sido conhecida no meio a tal pessoa que escreve, de seu
nome artístico Margarida Rebelo Pinto. E eu até sou daquelas que acha que mais
facilmente se salva para a boa leitura um leitor da MRP do que um não leitor.
Com muito trabalho, é certo, mas antes ler MRP que não ler nada. Mas adiante.
Quero apenas
salientar o facto de que as leituras literárias não são unívocas, ou seja de
sentido único, porque também as obras literárias não simplificam o emaranhado
complexo que é a vida, de que também falam; que os muitos leitores se
conquistam pela clareza da escrita, e não pelo simplismo, e os bons leitores
pela capacidade de nessa clareza encontrarem a profundidade que nela existe e
que, por isso, desperta o comentário, mesmo na forma de reflexão individual.
Finalmente, salientar que bons leitores de livros, aqueles que se interrogam
sobre o que leem, são normalmente bons leitores da realidade que os circunda. E
quem leu MRP, como já fiz (ok, um livro e meio, porque dou o benefício da
dúvida aos autores de best-sellers e
senão não poderia estar aqui a falar assim), perceberá que a única leitura que
ela poderia fazer foi aquela que fez, através dos olhos de uma elite alienada,
cuja dureza da vida não passa pela sobrevivência nos moldes que a civilização
atual deveria proporcionar. Talvez aqueles que nesse mundo cor-de-rosa retratado
por MRP encontram a evasão possível à dureza do dia-a-dia, percebam a soberba
de quem, mesmo não tendo nem sabendo dar melhor, lhes dá daquilo como se
estivesse a atirar pérolas a porcos.