Será que a
expressão “politicamente correcto” é assim tão polissémica, ou polivalente, num
mesmo contexto espácio-temporal? Será que um mesmo grupo de cidadãos, ainda que
com ideologias diferentes mas com funções e responsabilidades semelhantes pode
utilizar, sem ser para iludir, a expressão “politicamente correcto”, num jogo
de regras flutuantes em que parece que o “politicamente incorrecto” é o novo
“politicamente correcto”? Ou, concretizando até ao limite do que quase me
parece anedótico e, portanto, merece retrato caricatural, e para esclarecer o
recente exemplo que também me trouxe a esta crónica de hoje: será que quem vive
preocupado com animais e com pessoas (que até são de quem dependem os primeiros
que são domésticos) pode considerar que assim como existe um SNS deve haver um
SNV (V de veterinário), assumindo-se implicitamente que já está tudo resolvido
no primeiro para ser óbvio, ou até só uma boa ideia, criar-se o segundo? Mas de
uma forma geral: poderá um cidadão comum minimamente atento levar a sério quem
recusa o “politicamente correcto” e, simultaneamente, assumir funções
políticas, e portanto de gestão da “coisa pública” e opções que afectam um
colectivo, seja em que nível for?
O que será
que faz com que um advérbio (politicamente) mude de sentido - de positivo para
negativo - se o adjectivo (correcto) se mantém e parece estar no lado do certo
(vs errado) e dar origem a uma expressão que, na sua forma composta, qualifica
comportamentos pouco fiáveis? E será que a fórmula oposta - “politicamente
incorrecto” - pode dar uma pista de conduta eticamente aceitável, ou tem que se
disfarçar com o truque eufemístico e passar a “não politicamente correcto” para
aliviar a consciência? Ou estarão as palavras tão gastas, como dizem os Poetas,
que até quem vive maioritariamente de fazer passar ideias e ensinamentos
através, precisamente, das palavras cede talvez à preguiça de ter de explicar
“o que quer dizer com aquilo”, ou talvez ao receio de não estar a falar senão
para alguns e perder seguidores? E será que com isto estaremos a assistir à
assunção de que ter e defender uma ideologia já não interessa nada a ninguém?
Nem aos que trabalham a expor ideias próprias e a sustentá-las argumentando?
Será que
“politicamente correcto” ainda carrega o peso histórico da sua origem, não tão
remota assim, em que estes termos foram usados por socialistas contra
comunistas, para se separarem dos dogmáticos que defendiam todas as posições
partidárias independentemente de sua substância moral? Se assim ainda é, não
será altura - quando até estamos, nós por cá, tão pioneiros politicamente - de
fazer escola na discussão e defesa de ideias morais igualitárias, no sentido de
caminharmos não para unanimismos atreitos a totalitarismos, mas para a razoável
igualdade de oportunidades que essa declaração de intenções com que, em
princípio, todos os Políticos se propõem em Democracia para serem isso mesmo:
decisores e gestores do que é de todos?
Se a
Democracia é o sistema político que não se rende a certezas, à “Verdade”, ou
não haveria eleições nem a possibilidade de alternância governativa, não seria
recomendável dar atenção ao que adjectivamos como “politicamente correcto” para
que pudessem os eleitores ser ajudados no acto eleitoral a optar
conscientemente? Assim como o advérbio que ajuda a modificar o verbo...? Ficam
as perguntas.