Escrevo esta crónica a sobrevoar o Atlântico, vinda do Brasil. Foi uma
viagem de trabalho. Alguns aproveitam-nas para esticar as estadias e fazer
turismo. Não o fiz, pelo que a minha primeira visita ao atraente Brasil dos
folhetos turísticos se ficou por uma pequena (mas encantadora) cidade de Minas
Gerais, e pelos percursos entre o aeroporto mais próximo. Mas o que é certo é
que trouxe de lá muito mais do que os habituais “recuerdos” ou mais um record
de milhas voadas.
Das curiosidades com que também todos os viajantes se costumam
enriquecer, trouxe o estreito contacto com as maritacas, uma espécie da família
do papagaio e do periquito, pequenas aves coloridas de piar incessante e
estridente que dão origem à expressão que diz de alguém que fala “como uma
maritaca”. Em Portugal associamos à gralha ou usamos a corruptela da expressão
brasileira dizendo que fala “como uma matraca”, o que só acentua o efeito
doloroso de quem tem de as ouvir.
Também trouxe alguma informação, mais completa pela proximidade, que os
meios de comunicação se encarregam de passar para as massas e que me revelaram
um Brasil em perigo. Talvez um pouco mais em perigo que o resto do Mundo
democrático por lhes faltar, aos cidadãos comuns, ainda tanto do que quem vive
em democracia, e em sociedades progressistas, merece e a quem se exige, ou
devia exigir, que assim se preserve, democrática e progressista. Se ainda a sua
maior parte ainda não provou dela, parece o seu todo mais atreito a abrir mão
do pouco a que tiveram acesso, vítimas de engodos e equívocos vários.
Quando as notícias quase diárias de confrontos nas favelas do Rio de
Janeiro, em que habitantes e polícias militares são feridos e mortos, o que
parece o agravar de uma situação anormalmente considerada normal, eis se não
quando acontece que uma das vítimas foi uma turista espanhola que resolveu
comprar o “tour” à Rocinha e não saiu de lá para contar a experiência, termo tão
caro à área do Turismo, em diversas ópticas do especialista académico ao
viajante comum. O turismo da pobreza tem tudo, e mais alguma coisa, para ser
uma actividade de gosto duvidoso. Ele não é o oposto de fechar os olhos e
ignorar a pobreza com que nos cruzamos sem querer. É, no meu entender, um
desrespeito para com os nossos semelhantes, uma atitude sinónima de oportunismo
e sobranceria.
Durante a minha estadia também a já quase lisboeta
Madonna esteve no Rio e resolveu visitar uma associação com um relevante papel
social na mesma favela em que a turista foi apanhada no meio de um tiroteio.
Uma visita que se quis tudo menos discreta, ao bom jeito que nós percebemos que
muitas celebridades gostam de viver e de que se alimentam muitos meios de
comunicação. E valeu os reparos de vários comentadores de vários canais e
suportes de comunicação social. Uma incessante e estridente Madonna,
transformada em pequena maritaca. Não se julgue, no entanto, que este modelo
metaforizado ao jeito da maritaca é só de estrelas de nível mundial. Ele há
maritacas de género vário e em terras pequenas para o resto do mundo mas
enormes no coração, e no discurso, dos seus filhos. São do tipo que uma vez
poisadas num dos ramos mais altos do “pedaço”, julgam que a única forma de justificar
a sua existência é palrar de forma incessante e estridente. Uma tentação.
Perceber isso pode ser já um passo para evitá-lo. O outro é ter mais alguma
coisa para dar do que só ser incessante e estridente.