Por ter parecido estranho a alguns ter dito, na última crónica, que andava há décadas interessada em representações literárias do amor (aliás, uma banalidade na área em que trabalho), hoje vou aproximar-me do assunto por outro ângulo. Mas também o faço porque estamos a entrar naquela época do ano em que, ao abrigo da quadra, se aproveita o amor familiar como uma boa desculpa para festejar, ainda que sobretudo muito se traduza em fazer circular a economia, numa fúria consumista que normalmente ultrapassa o espírito da troca em presença. E criando até, neste 2020, armadilhas propiciadoras de incoerências. É que a melhor prova de amor que podemos dar àqueles com quem quase só estamos sobretudo nesta altura do ano é precisamente a distância física, essa inimiga de amores vários.
Do latim cor (coração) "de cor e salteado": conhecer algo perfeitamente. Do latim color (cor) sensação produzida nos olhos por ondas eletromagnéticas de uma certa frequência.
15.12.20
Mensagens de quase amor
8.12.20
Pensar arde, como o amor (mas diz-se também que o que arde cura)
Como é habitual, e é bom que assim seja, quando alguém importante morre todos se unem para o chorar, ou melhor ainda, para o recordar. Fazem-no, normalmente, de acordo com o que lhes convém, o que diz mais de quem recorda, evoca e cita, do que da própria personalidade que se vê, assim, recortada, pulverizada e ajeitada aos “descontextos”, mais ou menos próximos dos contextos da obra original.
1.12.20
Restaurar
24.11.20
De-bate-em-bate
Começaram as entrevistas com os anunciados candidatos às próximas eleições, prenúncio de debates. Se os debates fazem parte de uma regra do processo eleitoral, estas entrevistas surgem como aperitivos que os órgãos de comunicação social (CS) servem. Servem a si próprios, aos potenciais candidatos e, por último, aos eleitores ainda mascarados de estimável público.
17.11.20
O péssimo romance das ilhas encantadas
Jaime Cortesão, médico, político, escritor, historiador, que viveu entre 1884 e 1960, dedicou a jovens leitores um livrinho com lindíssimas ilustrações de Roque Gameiro, sobre as ilhas portuguesas, com especial relevo para os Açores. Nesse “O Romance das Ilhas Encantadas”, a história recua até quando, “Em tempos que já lá vão um bispo nigromante encantou as ilhas do grande mar Oceano”. O enredo dá muitas voltas, a maior parte delas até já conhecidas noutras versões de modelo semelhante e com final, por isso, previsível.
10.11.20
Os Outros e o Papa
3.11.20
Os olhos postos a poente
É durante o dia de hoje, 3 de Novembro do aziago bissexto ano de 2020, que acontece mais um facto capaz de alterar o rumo do Mundo político. Não será uma catástrofe natural, muito embora se dê num contexto de catástrofe criada pelos hábitos sociais com impacto no rumo natural da vida do ser humano e outras espécies. Falo, claro, das eleições nos EUA e na possibilidade de os seus cidadãos emendarem a mão que escolheu um indigno ser humano para comandar o País há quatro anos.
26.10.20
A boa morte da redundância
Se há conversa que nos toca mesmo a todos e que, curiosamente, tantos evitam é a da morte. É matéria a que nem uma certa ideologia, dada a facilidades discursivas e armadilhadas com variantes do “tudo a toda a gente”, consegue dizer que não é inevitável. E é também muito curioso que os indefectíveis defensores da vida vivida, com ou sem sofrimento, até que um alguém não-humano nos leve, sejam os que prometem, porque de boa-fé acreditam, que “se vai desta para melhor”. Também é verdade que, mesmo no actual quadro legislativo, há a possibilidade da chamada “sedação assistida” a quem chega ao estado paliativo a que a Ciência se rende e que, em consciência, deixou essa vontade expressa num testamento vital.
Na semana passada, a AR votou que a legislação sobre a eutanásia será, como toda a restante, sua responsabilidade. E para que fique claro, nem ninguém será obrigado a usá-la, nem quem a queira o poderá fazer sem que reúna, para usufruir desse direito, o cumprimento de certos e muitos deveres e condições. Longe também do tudo a todos, portanto.
Pedir a cada português que escolha o que é uma possibilidade de outra escolha só sua é, por isso, redundante. E acirra a discussão pública de tema pessoal, privado e íntimo, com pouco impacto para a rotina colectiva, mas com muito interesse para quem sente como sua missão doutrinar sobre a forma de cada cidadão viver. Nada contra este espírito que, de resto, está já subjacente em muita legislação que se cria precisamente para transformar comportamentos.
Os que pediam o referendo, uma óptima oportunidade para escarafunchar a conversa e passar até outras agendas, são, alguns deles, nem sempre muito coerentes com essa exclusividade da mão divina, gerando aderentes que se prestam a usar as suas próprias mãos para, por exemplo, tresloucadamente decapitar em nome do que cria e do que leva. Desvios evitáveis mas que se descontrolam, precisamente pelo acirrar de colectivos algo informes.
Os 230 deputados que foram eleitos, muitos com liberdade de voto, foram-no depois de andarem semanas a falar com quem os elegeu. Quem não votou perdeu a oportunidade de ter essa representação, quem votou mas não viu os seus representantes a terem o número de fazer passar as suas leis continua a poder fazer um trabalho que as condicione, e aos votantes resta sempre a possibilidade de outras formas de participação na sociedade. Até nos Partidos, que existem precisamente para, na AR, tomarem partido em nosso nome.
Com esta legislação em concreto, discutida à vista de todos e ouvidos todos os que nela se quiseram envolver, uma coisa é certa: mesmo aprovada, ninguém em meu nome me obrigará a escolher a “boa morte”. Mas também não serei julgada por gente como eu por a ter escolhido. Se, chegando-me ao cauteloso Blaise Pascal - que pelo sim, pelo não pensou que o melhor era acreditar num ser divino -, lá no Além, se tiver de prestar contas, terei expectavelmente a oportunidade de que me julguem pelo meu acto. A menos que também tenha de votar em quem me represente para o fazer. Lá estarei para isso!
20.10.20
O homem do saco
Do fundo da infância, várias figurações dos medos atávicos parecem reconstruir-se não apenas no adulto, como na fatia da sociedade mais chamada a entender o funcionamento da máquina social. O homem do saco, o papão, ou outras personagens com que se ameaça a criancinha que não come a sopa ou se precipita para a asneira, sem mais delongas em explicações racionais e educativas, parece ter encarnado no Novo Banco. De repente, quando tudo o que diz respeito a dinheiros parece explicadinho, até na imprevisibilidade que uma certa lógica poderia evitar, salta o papão do Novo Banco, o homem que nos mete num saco e nos faz desaparecer do mundo tranquilo a que não parecíamos estar a dar o valor suficiente.
13.10.20
O cansaço
Resistir, em tempos de guerra, de crise, de dor, é também não nos deixarmos vencer pelo cansaço. Tal como permitirmos que nos tratem de uma doença, como em princípio queremos, é sermos, e sabermos que somos, pacientes. Ao fim destes oito meses (meses, senhores, não são anos, não é 14-18, nem 39-45!) e com o que ainda falta até que a pandemia morra, das duas, uma: ou ajudamos a acabar com o vírus-culpado e seguimos a táctica acordada por quem tem de, e escolhemos para, governar; ou desculpamo-lo, deixamo-lo seguir o seu rumo sem remorsos, e não nos podemos queixar mais dele. Já temos um vírus, poupemo-nos à doença do cansaço de primeiro mundo, por favor.
6.10.20
Rentrée académica
Ora bolas, que o borrifo fez-me perceber que nesta crónica lá me fugiu o dedo para a ficção!... Mas estarei sempre disponível para contribuir no sentido de também esta, e não só a malfadada em que parece estarmos a viver, ficção se tornar realidade.
29.9.20
Um dos dilemas sociais
O documentário que está a passar numa rede de comunicação e entretenimento privada, originalmente intitulado “Social Dilemma”, está a ser muito falado. Até, ou talvez por isso, nos que não usam as redes sociais ou, no outro extremo, que frequentemente nelas se esvaziam em confidências. E quando digo “falado” retomo a diferença, não assim tão subtil nem com novidade, entre “falar” e “dizer”. São desabafos, suspiros, exclamações: enfim, o que se “conversa” com muros, com a almofada ou de mãos postas ao céu. Tinha até muita curiosidade em saber se quem o faz, com o coração apertado perante o horror de se sentir invadido cada vez que partilha um pôr-do-sol, um acepipe ou um gatinho fofo, não será o mesmo que aplaude a ousadia do hacker Rui Pinto em devassar para, ao que parece, desmascarar a corrupção...
22.9.20
Os Trapos
Falar do fim da vida, a partir das coordenadas em que a taxa de suicídios foi sempre macabra imagem de marca, não nos transforma nos maiores especialistas em como lidar com as soluções para quem vê esse fim aproximar-se. Mas pode ajudar. Torna-nos mais íntimos do que é essa realidade. Embora falar de fim de vida não signifique falar só de idosos, mas de todos quantos a têm ameaçada: seja pela doença, pela guerra ou pela fragilidade social. Coisas que roem. Com excepção da natural velhice, estas situações são complexas, com causas várias e difíceis, senão de prever, sobretudo de resolver.
15.9.20
Contra o que RÓI
De volta às crónicas, renovo o agradecimento à DianaFm pelo convite que me permite dar-vos a ouvir e a ler a minha opinião.
2020 é ano que ficará na História pelas razões que normalmente assistem a essa marcação na linha do Tempo e que certos indivíduos, pateticamente, ambicionam, multiplicando-se em habilidades várias.
Mas são as guerras e as desgraças naturais, a par das descobertas científicas, que confrontam a Humanidade e a obrigam a crescer. São factos que se constituem como balizas para se contar o que já fomos, permitindo-nos acautelar, no que for possível, o que seremos.
Em simultâneo, nestes seis meses do meio do ano, assistimos ao nascimento de uma pandemia que abalou vários sistemas que tínhamos como confortáveis mas, pelos vistos, frágeis; assistimos ao ressurgimento dos ímpetos racistas com respostas reciprocamente violentas; assistimos ao reerguer do discurso do fascismo, rebocado por um espírito contestário mais destrutivo do que colaborativo, como isco para solução fácil de problemas trabalhosos. Trabalhosas são as muitas arestas com que a Democracia se depara, por ter de contar com a participação de todos, e cujo limar depende mais do indivíduo com carácter empático, do que daquele que, à volta do seu umbigo, apenas quer ter a vidinha arrumada, normalmente com jeitinhos de fazer inveja ao próximo.
E tudo isto com a Ciência a provar ao resto do Mundo que sim, que a dúvida, a tentativa e o erro estão-lhe humildemente na base, por muito que quem a combata faça do erro a poeira com que cega crédulos, e que estes se transformem instantaneamente em arrogantes sabichões para quem o remédio está em eliminar quem não creia.
É contra o que nos rói - acrónimo também do racismo, do ódio e da intolerância; é contra o que parece ter apanhado boleia da frustrante pandemia para fazer emergir do pântano esses instintos que para vingarem, têm de se vingar em alguém, que me baterei com as palavras que vos vou deixando por aqui. E que nestes dias se revestem do enorme desgosto de ver a Évora das três culturas - judaica, islâmica e cristã-, a Évora Património da Humanidade, a Évora candidata a Capital da Cultura, poder ser cenário de quem se congrega contra a diversidade, contra o Conhecimento, contra o que é a construção humanitária e a troca pelo pseudo-solução instantânea como quem troca o ensopado feito a preceito pela sopa de pacote. O que, como todos sabemos, só engana quem ignora como isso se faz ou, por outro lado, quem sabe que poderá ficar com o ensopado que os outros se contentarão, enganados, com a sopa de pacote.
É contra tudo o que rói que continuo a usar da palavra, também aqui.