Tivemos mais um Março violento de acontecimentos que, tendo
sido em países estrangeiros, nos afectam enquanto parte de um todo, nem que
esse todo se divida em duas áreas mais específicas: a Europa e a Democracia. O
atentado em Bruxelas, que não matou mais do que os que morrem às mesmas mãos
noutros continentes todos os dias, trouxe o terrorismo para ao pé de nós para
que uns encontrassem num qualquer céu as virgens prometidas em troca de outros
poderem encher-se do poder que faz o mundo girar. As manifestações no Brasil,
onde não parece haver virgens em matéria de “mãos untadas” que usam o poder
para fazer girar o seu pequeno e privado mundo, expôs-nos às dificuldades de
fazer vingar a Democracia a sério, e num promissor País tão novo nela.
Mas para além de todas estas questões sociais e políticas,
tão importantes para a Humanidade em geral, é ao nível do indivíduo, e em cada
um de nós cidadão-comum, que se voltam a criar sentimentos vários e confusos.
Não só porque nem a todos apetece passar por esta vida sem se preocuparem com o
resto para além do que a si-próprios diz respeito, como - a avaliar pelo rumo
da escalada de violência que recomeça, evocando a barbárie da terra sem lei em
que já se viveu, por muito distantes que sejam os acontecimentos - isto está
tudo ligado e algum dia virá bater-nos à porta. Para além de que, se quisermos
ser ainda e só cidadãos-comuns mas empenhados em exercer essa cidadania,
importará viver, ensinar a viver e deixar viver de acordo com os padrões
civilizacionais de que já não desejávamos, nem prevíamos, retrocessos.
Para além das ruidosas manifestações de quem se indigna e dos
silêncios que, a respeito da memória das vítimas, vamos demonstrando indignados
na nossa consternação, começa a ser difícil encontrarmos o modo de nos
contarmos às gerações que nos trouxeram até aqui e, bem pior ainda, às que
ficarão depois de nós partirmos. A educação como transmissão de valores, como
abertura de caminhos a formas de pensar, agir e criar, começa a esbarrar com
extremismos que nos toldam uma existência que, eventualmente, se desejaria
moderada, construtiva, tolerante. Ao ritmo a que a Natureza nos ensinou a
reagir ao caos para dele fazer Vida.
O Vergílio Ferreira aconselhava assim: «Falar alto para quê?
Poupa as forças, fala baixo. Poderás talvez assim ser ouvido ainda, quando os
outros que falam alto se calarem estoirados.» E, pergunto-me eu: e se todos
cairmos estoirados, uns de tanto gritar, outros de tanto calar? E se os gritos
de uns e o silêncio de outros, entre a multidão e a morte, não nos deixarem
aproveitar a vida para além da sobrevida? As dolorosas dúvidas, de que podemos
ir fazendo uma espécie de luto, talvez só se apaguem com aquilo que nos faz ir
acalmando a dor: o tempo e o amor que dispensamos e nos dispensam. Mas e quando
é em nome desta espécie de deuses – tempo e amor -, ainda que falsos mas bem,
muito bem, disfarçados, é que a dor se faz? Tenho para mim que há uma única
resposta à pergunta que nos resume por estes dias – “onde é que vamos parar?”.
É que não pára. Nós é que saímos dela. E essa é a boa notícia. Afinal, celebrar
a Páscoa teria que nos ensinar qualquer coisa, não?