30.9.14

Outsiders inside

Há momentos e situações nas nossas vidas em que nos sentimos outsiders. E há aqueles que fazem disso o seu modo de se dizerem que estão no mundo e como vivem em sociedade. É-se outsider ou porque nos fazem, ou porque procuramos sentir isso mesmo. O outsider pode ser um marginalizado, e aqui com uma carga negativa que a palavra traduz, mas se assim é, é-o sempre da perspetiva dos que estão dentro do grupo a que não o deixam pertencer. O outsider pode também ser um desalinhado, desta feita mais definido pelo lado do próprio, até com uma espécie de orgulho em ser diferente, de querer remar contra a maré, e não achar piada a multidões, mais ou menos viradas para o mesmo lado.
Os dois extremos parecem-me muito desagradáveis, ora porque é claramente discriminatório, ora porque é impeditivo de passarmos o tempo que nos cabe nesta vida ao lado de muitas mais coisas do que as que certas inevitabilidades nos obrigam a passar. Não precisamos de ser marginalizados nem de gritarmos o nosso desalinhamento para querermos estar de fora de certas situações. Por outro lado, reconhecer que se está in ou out de algum grupo é reconhecer-lhe os limites e saber cumpri-los. E é por isso que nas áreas das ciências humanas e sociais é, por exemplo, tão difícil estudar algumas religiões e sociedades ou associações de pessoas, algumas tão fechadas que se dizem secretas. Por outro lado, é inegável que só os membros de certos grupos possuem, nesse território e assunto, acesso privilegiado ao conhecimento, aos recursos e à própria autoridade. E que os que estão outside, isto é, os de fora, pelo mesmo motivo, têm menos ou nenhum acesso.
Neste domingo que passou, em Portugal, muitos tiveram a oportunidade de exercer um direito que não é dado por todas as associações de pessoas em torno de ideologias e princípios, e que são neste caso os partidos. Muitos que não querem, porque não estão interessados em ter esse acesso privilegiado ao que se passa dentro de um partido, tendo por isso sobre ele, em princípio e quando se levam as coisas a sério, conhecimento, recursos e, de certa forma dependendo de circunstâncias várias, autoridade estatutária (já que a moral não depende deste tipo de limites), muitos puderam fazer-se ouvir dentro desse partido, aquele com o qual se identificam politicamente, dando-lhe o voto e até mesmo a cara por ele.
O Partido Socialista fez História no dia 28 de setembro de 2014 no Portugal democrático. E porque é nos princípios deste Partido que me revejo, fiquei contente com o facto. Senti-me uma outsider inside que, tendo uma opinião pessoal, não a quis assumir publicamente, porque quando se votam pessoas e não programas ou propostas, aprendi ao longo da vida, o voto não é de braço no ar. Lamentavelmente, percebemos com esta primeira experiência o quanto o debate resvalou para questões de caráter, avaliáveis em medidas e conhecimento dos envolvidos de forma muito mais difícil, para não dizer impossível. E até porque, independentemente do resultado, o que me interessava era que, finda a contenda interna que fica, espero, já no passado, não se desvirtue no futuro este espírito inovadoramente democrático que caracteriza o Partido pelo qual, aliás, já por duas vezes fui eleita pelos cidadãos eborenses.  
Como fiquei contente quando alguém de dentro de um órgão do Partido, que eu não sei, nem precisava de saber, de que lado das duas propostas que me faziam no boletim de voto estava, me pediu para colaborar se necessário no processo desse ato histórico, no próprio dia. Os teóricos da abertura dos Partidos à sociedade, que afinal servem, tiveram a sua primeira aula prática.   

23.9.14

Spoilers q.b.

Queria hoje falar-vos da mina da Boa Fé. O assunto anda quente aqui do lado leste da fronteira com o vizinho concelho, a quem a prospeção e exploração de um ouro de que há muito se fala, e a concretizar-se, também afetará. Desse concelho vizinho veio o presidente que do lado de lá terá proposto a votação favorável do interesse municipal dessa exploração. Digo “terá” porque, de facto, nunca vi nem li tal parecer, já que o filtro para a opacidade do que se passa nas reuniões públicas do concelho de Montemor-o-Novo é bem eficaz na impossibilidade, ou pelo menos enorme dificuldade, para o público em geral de consultar as atas deste órgão democraticamente eleito. E por estes dias previsivelmente se fará, neste concelho de Évora onde foi eleita a equipa que o “ex.” de lá e atual de cá dirige com maioria absoluta, uma proposta com o mesmo assunto que, à data em que componho esta crónica, ainda desconhecemos.
E vou usar o estrangeirismo spoiler para tratar o assunto. A palavra spoiler tem origem no verbo to spoil, que significa “estragar” em inglês. E não, não vou discorrer sobre os estragos que uma mega intervenção daquele calibre, a realizar-se, vai causar. Isso já muitos têm feito, bem feito, apesar de não pertencerem, ao que conste, àquela espécie de partido registado como “os Verdes” que se junta ao Partido Comunista, sabe-se lá porquê (eu até tenho uma ideia sobre isto, mas agora não tenho tempo para a expor, talvez noutro dia), para formar a coligação em que a maioria dos eborenses que votaram nas últimas autárquicas se reveem.
O spoiler de que vos falo é aquele que  revela a outros informações sobre o conteúdo de algum livro ou filme, antes que esses o tenham visto ou lido e ainda o queiram fazer. O spoiler é uma espécie de desmancha-prazeres, o indivíduo ou fonte de informação que conta o final da história e estraga a surpresa aos outros. Alguns artigos e programas de divulgação ou informação até destacam um "spoiler alert", uma espécie de aviso usado quando algum conteúdo sobre um filme, série ou livro pode revelar elementos importantes sobre o seu enredo.
Ora, os mais atentos saberão bem que este filme da exploração de ouro tem episódios e desenlaces muito conhecidos, nenhum deles capaz de reviravoltas felizes e surpreendentes como tentam, os seus realizadores, ao dourar-lhe o final: centenas de empregos por cinco anos e uma estupenda paisagem reordenada por cima das crateras deixadas, de fazer inveja a qualquer lugar natural classificado pela Unesco. Acreditem que neste caso não é preciso ver para crer, basta procurar q.b. os spoilers e vão ver que lhes agradecem todos os pormenores revelados, concordando que “se tire a Boa-fé deste filme”.
O que também me quer parecer, pelo que tenho ouvido dos debates promovidos desde 2013, é que os únicos ainda realmente interessados no projeto são a empresa exploradora canadiana e talvez alguns satélites seus que permanecem na sombra, como pareceu ser o Álvaro, o ex-ministro que mandou avançar as primeiras prospeções com despacho de quem quer, pode, manda, e “mais nada!”. Ou seja, não vi ainda ninguém, de Évora ou Montemor, manifestar-se em nenhuma posição pública a favor da mina de ouro. O que também me deixa ainda mais curiosa com o novo parecer municipal, desta feita do lado leste da Boa-fé. Ora aqui está um filme sem spoilers… Aguardemos com atenção.
Até para a semana.

16.9.14

Silly season forever!

Eis-nos de volta para mais uma temporada da série de crónicas da Diana que agradeço desde já: à Diana FM, pela renovação do convite, e aos ouvintes pela gentileza de me continuarem a ouvir. Esta nova temporada trará normalmente para dar o tom, como fiz anteriormente com verbos, provérbios e citações, um estrangeirismo na e da nossa língua portuguesa. É verdade que muitos deles já foram domesticados, isto é, aportuguesados. E os mas recentes ainda não constam, maioritariamente, nos dicionários oficiais. Mas como sou de uma geração que se habituou a ver o resto do mundo tão perto de casa, parece-me que estas “contaminações” longe de serem um ataque à língua portuguesa são, precisamente, sinal e ao mesmo tempo instrumento para que as palavras, as realidades e as ações se aproximem mais umas das outras, que a linguagem se familiarize com as novas e por vezes estranhas realidades. E para começar cá vai o primeiro nesta crónica que intitulei “silly season forever!”.

Por mais apatetada que a época de veraneio tenha fama de ser em termos de comunicação e interação social, parece-me que ela faz mais falta assim mesmo do que poderia julgar-se. É que se não é silly no momento próprio arrisca-se a, pelo menos, parecer igual ao resto do ano e que esse resto-do-ano se torne tão silly como a season que devia ter sido. E a verdade é que esta deste ano o foi muito pouco… Um balde de água fria… que, afinal e literalmente, até teve e tem por trás assuntos muito sérios. Nada temos contra os temas sérios permanecerem assim durante o período balnear, de preferência aqueles que não implicam decisões que nos apanham a banhos e nos tramem a vida. Mas este foi um Verão de guerras sangrentas, um tempo de mortes prematuras, uma época de novos descréditos no sistema económico-financeiro, mas também partidário (se é que ainda era possível mais!). Um quase convite à revolta ou à desistência, sendo qualquer um dos caminhos, extremos, perigosos por várias e demoradas razões. Quase desejámos que a rotina dos dias de escola e trabalho regressassem rapidamente e em força, a ver se as coisas acalmavam!
E em Évora? Em Évora a água correu mais um ano nos canos, o que nem sempre acontecia nas silly seasons de há uma década atrás. E as festas, os palcos e as artes continuaram a percorrer, à sua maneira, as aldeias e as praças da cidade, colhendo-se nesta época um trabalho que se plantou, regou e fez crescer em anos anteriores. É que estas coisas de valor demoram o seu tempo a crescer, por mais que se tente querer fazer parecer que são “cenas” instantâneas. Não é do pé para a mão que se fazem, pese embora por vezes não seja preciso muito para que aparentemente se desfaçam ou fiquem lá perto. Apenas alguma gente, não muita, com algum interesse nisso.

Até para a semana.