Do latim cor (coração) "de cor e salteado": conhecer algo perfeitamente. Do latim color (cor) sensação produzida nos olhos por ondas eletromagnéticas de uma certa frequência.
29.3.22
Ninguém disse que era fácil e rápido
22.3.22
Quando numa folha de papel não se lê a palavra “guerra”
Adultos da segunda idade, crianças e jovens, por aqui crescemos e fomos vivendo maioritariamente em paz, com a guerra lá longe. E com aquele costume de, inconscientemente, considerar o buraco, ou as ervas, na minha rua mais escandalosos do que a fome no Biafra. Problemas de primeiro mundo que dão cabo da nossa resiliência, pouca e mimada, treinada para a competição homem a homem (perdoem-me o anacronismo da padronização pela testosterona). Lutas por um lugar de relevância no seu nicho de relações, mais ou menos alargadas. Até se lhes encontra traços de empreendedorismo, retirando a especificidade das reais propriedades do conceito, juntando ambição desmedida, solta de limites éticos em muitos casos, ao que tem outro nome: competição.
A essa competição feroz entre indivíduos, chamamos, e percebemos agora que mal, guerra. Banalizámos, por ignorância da experiência, essa palavra. Como quando dizemos que estamos cheios de fome porque não petiscamos há oito horas. Pelo contrário, chamamos, e bem, guerra à luta contra inimigos difíceis de vencer, da droga ao cancro. Guerras que requerem esforços arrasadores e nos consomem o dia-a-dia. No fim, há apenas um vencedor, mas os, pelo menos, dois que se confrontam acabam arrombados, arrastando consigo muitos dos que os rodeiam.
Encontramo-nos no lugar desses que estão um bocado próximos de quem está em guerra. Até estamos próximos dos que nesta guerra são os invasores. E desse lado também assistimos, mesmo à distância, a uma luta particularmente cabotina, ou seja, e por palavras elas próprias menos cabotinas, uma luta de arrogantes e armados em centro das atenções. Refiro-me ao cancelamento da cultura russa. Afinal, tão semelhante às cenas em que as autoridades russas multam ou prendem manifestantes que empunham folhas de papel em branco. Foi a reacção das autoridades russas à leitura daquele papel em branco que lhe deu sentido: o gesto do resistente foi bem entendido no gesto do opressor. Deste “diálogo” saiu o que era para sair: o ridículo da opressão autocrática.
Aprender a ler o silêncio é uma tarefa difícil, porque, como bem sabemos, há o silêncio eloquente, o silêncio gritante, o silêncio respeitoso, o silêncio comprometido, e provavelmente muitos outros silêncios. Que esses nunca se confundam com o silêncio do que não quer saber, também ele cheio de mensagem a descodificar. Se a palavra “guerra” tem que se ler bem antes de se usar, o silêncio tem de se ouvir, com a inteligência que nos coube e a que damos uso constantemente.
15.3.22
Fazer o bem, à compita
Como em qualquer situação extrema de vida ou morte, a tragédia da guerra, quando o drama ainda se desenrola, revela o pior e o melhor de cada indivíduo. O sofrimento pode, no fim e quando deixa as suas marcas nos sobreviventes, modificar muitas pessoas, mas quando começa, e retomo o que já disse sobre o acaso, encontra cada um como está e é.
8.3.22
Do caso ao caos sem acaso
Não vale a pena ignorar que “o caldo se entornou”. Os mais distraídos, que não são nenhuns dos que ouvem ou lêem textos como este, podem achar que esta é só mais uma “daquelas” de que havemos de nos desenvencilhar. Ou de que “alguém” nos há-de salvar. Mas a guerra que começou na Ucrânia, e não sabemos onde vai acabar, marcará o fim da nossa geração, a dos que já atingiram meio-século, e a geração dos nossos filhos. E talvez até a dos filhos que estes ousarão pôr no mundo.
1.3.22
Entre a câmera e a bala
A guerra de hoje passa no pequeno ecrã, em tempo real, numa actualização dos pequenos filmes a preto e branco que passavam nas salas de cinema americanas e de que vemos hoje representações em muitos filmes e séries.
Deu até para perceber, por algumas reportagens televisivas da semana e meia até as coisas aquecerem, com enviados especiais a Kiev, que o potencial cenário de guerra foi uma espécie de “passadeira vermelha”. De pouco ou nada serviram já que, aos microfones, quem cá ficou a tentar diagnosticar e prognosticar tinha de avisar que o que diziam era no “caso de se confirmarem as informações”. Seria de esperar que aquela espécie de figurantes descendentes da Nikita do videoclipe do Elton John, quando as balas assobiassem aos ouvidos, fossem rendidos pelos repórteres de guerra a quem tanto, de facto, devemos.
Reparámos igualmente como o uso do espaço mediático pelos dois protagonistas do conflito, Putin e Zelensky não está a ser um detalhe estratégico, como nunca o foi a propaganda dos regimes totalitários. Todos os que se interessam por comunicação vão ter aqui assunto, depois (ou ao mesmo tempo, sei cá, que isto desta contemporaneidade tende a micronizar prazos) de se chorarem os mortos e se ajudarem os feridos.
Também deu para reparar que o Dr. Rangel, já depois de há uns tempos ter perdido o vôo para a Venezuela quando lá ia exterminar comunistas com a bandeirinha do PP Europa em punho, ter agora anunciado a sua ida a Kiev e em força, e tenha acabado, à força também claro, por ficar em Bruxelas. (Há, pela ludo-net, espécie de lado solar da dark-net, umas dicas bem giras para fazermos fotos de vistas de um avião sem sairmos do nosso modesto primeiro andar.)
E por falar em Venezuela, em regimes comunistas e em Rússia, também está a ser curioso observar o PCP (parece cada vez mais escusado voltarmos a usar a sigla CDU) e as suas proclamações quanto às boas razões da Rússia e de Putin para iniciarem nova saga do Império Contra-Ataca. Declamações encenadas, e bem ensaiadas, enfiando agenda própria mas ao estilo do discurso treinado para se ser Miss Mundo. Talvez para além de deixarem de usar a sigla CDU, devam mesmo deixar de invocar em vão a palavra que está na origem da letra do meio - “democrática” - sob pena de agora se notar mais que era só para a fotografia. Como a vontade do Dr. Rangel, que queria muito ir para o cenário pré-guerra, a democracia que o PCP defende é mesmo com minúscula e a servir de isco num anzol bem enferrujado de tão antigo.
Guerra é guerra, pá!Deixem-se de figuras em frente às câmeras e dêem lugar ao jornalismo decente, o que mostra e explica, testemunha e argumenta, e usa o seu legítimo importante poder ao serviço dos cidadãos e em nome do progresso. E apercebam-se, ó políticos a fazer política de pacotilha, que o século XXI não é só “o das selfies”.