20.12.22

“Habituem-se!” é tramado de ouvir e pode estragar um Natal

 As reacções da oposição à entrevista do Primeiro Ministro dada na semana passada à revista Visão foi de choque. Confesso que também eu fiquei surpreendida: julguei que o PM iria manter o tom morno com que tem reagido às frechadas de que são alvo costumeiro os governantes, sobretudo os que escolhem a moderação. Os que não chegam ao poder e vrouuuuum! desatam a dizer que vão fazer isto e mais aquilo, ou a fazer tudo numa sangria desatada.


A tendência nestas barracas de tiro, e não havendo propostas alternativas, é apanhar da esquerda e da direita. E não é à vez, é ao mesmo tempo, o que me leva logo a desconfiar de que a coisa é capaz de estar equilibrada. Falo de medidas políticas e não de deslizes que, obviamente, eram escusados, só deixam mossas, são maus exemplos, sujam o sistema democrático, mesmo não tendo grande impacto na governação que influencia a nossa vida do dia-a-dia.


Até agora, muitas vezes chegou a parecer-me que as reacções do PM à conversa da oposição, da mais oca à mais “encartilhada”, eram reacções de quem persiste em sofrer da chamada “síndrome do impostor”. Para que fique claro, este comportamento assim chamado designa o que sente quem não acredita no seu valor, mesmo quando confrontado com provas de que é capaz de executar as tarefas que lhe são atribuídas com sucesso.


Ora, a entrevista vem pela primeira vez chamar as coisas pelos nomes - falo do que quer dizer “maioria absoluta” - usando, para responder às críticas factos e para se referir à actuação das oposições nos exactos termos que elas ensinaram os seus públicos, ou eleitores, a compreender.


Baixar o tom a este nível não é bonito, mas a fasquia neste obstáculo não foi o PM que a pôs. Está espalhada por vários outdoors onde os insultos começaram, como no sentido da escrita ocidental, no lado esquerdo da folha pautada(o hábito de chamar ladrões é mais que vintage) e chegaram ao ponto mais à direita da linha.


Enfim, a azia provocada por estas “rabanadas” dificilmente será mitigada pelas notícias que, em tempos tão maus em todo o lado, parecem prendas no sapatinho de muitos, provavelmente os que deram a maioria absoluta ao PM. Ainda para mais quando nos votos para o ano que vem, em que as mudanças desejadas até aos píncaros da Lua ganham contornos de impossibilidades, só um imperativo ecoará em muitas cabeças: habituem-se!

Para quem me oiça ou leia, cá vão os meus votos, imperativos a gosto: que tenham umas boas festas, boas entradas e até para o ano.


13.12.22

O valor dos primores

 Que bom foi receber a notícia que vai ajudar a mudar Évora e o Alentejo até 2027! E logo em dia de chuvas abundantes, algo relativamente extraordinário, que é quase sempre lido por mim como ambiente perfeito para nascerem heróis, criação de ficção que ensaia a vida. Colheu-se o primeiro fruto, resultado de vários trabalhos e cultivadores antepassados. Árvore fértil, ou generosa que acolhe o fruto de outros, dará mais frutos que confirmarão que os milagres afinal podem acontecer todos os dias. Sem regateios, tomemos o primor nas mãos e avance quem por ele se sentir alimentado e com força para o repartir com os demais.


Dentro de mim, gosto de pensar que os meus melhores frutos vão poder dizer, mesmo longe daqui por escolha e possibilidade, que nasceram numa capital. Tem sido nisso que penso e me empenho em tudo o que faço em Évora. Até porque a camisola que visto, com todos os apertos, piores dias, arrelias e desgostos, é a de uma instituição que leva o nome da cidade e da região. Mesmo quando reparo que não é por mim, nem por ela, nem pelo agora, que os elogios começam, mas pela cidade e pela região, a responsabilidade cresce e recompensa-se com os elogios que, no fim, consigo conquistar. E se não chegam, depois da desilusão e tristeza, prossegue a luta, com a elevação que me sai natural mesmo que com dor e me permite ser feliz na vida que vou escolhendo.


E tão mais feliz me sentirei a partir deste dia 7, se também isso significar o fim da descriminação tão demasiadas vezes ouvida do “não ser de cá”. Tantas vezes peneirada pela rebuscada genealogia que parece ter de apresentar-se como passaporte obrigatório para se ter direito às partilhas: as que recebemos e as que damos. É também isto cultural e, por isso, sujeito às dinâmicas que expectavelmente abandonam o atávico em favor do humanismo progressista. Só assim, dizer que a Cultura, esse conceito tão poliédrico, está no centro, como os discursos proclamam, corresponderá ao que é fazer o caminho certo. Estamos aqui para isso.


6.12.22

Cantar ou sussurrar o Amanhã

 Hoje muitos de nós estamos a fazer figas para que Évora seja escolhida amanhã Capital Europeia da Cultura em 2027. Não sei se o processo da candidatura teve algum impacto na conquista de mais públicos para a cultura, ou se a comunidade directamente envolvida já estava contente com “o seu público”. Os confinamentos de 2020 e 2021 não terão ajudado, nem Évora, nem nenhuma das outras candidatas. Uma cláusula de regulamento extra que não servirá de desculpa às perdedoras e deixará à vencedora oportunidade para voltar em força ao espaço público. O que o desconfinamento de 2022 já poderia ter vindo a anunciar, talvez ainda a coberto do medo é certo. De qualquer modo, os dados, bem ou mal, estão lançados.


Um texto divulgado no final da última visita do júri à cidade dizia assim, em forma de balanço:

“Sentimos que tivemos a cidade, e o Alentejo, caminhando connosco. E acreditamos que o júri nos sentiu também.

Com a cultura ao centro, este é um projeto coletivo que se faz para as pessoas, e que não se faz sem as pessoas. Por isso, agradecemos a todas as pessoas, entidades e organismos, de Évora e de vários pontos do Alentejo, que ontem, e ao longo deste caminho que percorremos juntos, deram a sua voz à voz desta candidatura. Sozinhos sussurramos, juntos somos um coro: e ontem, fomos um coro.

Até lá, é preciso manter vivo este alento que o Alentejo contém, e continuar a acreditar, a inspirar, a partilhar, e a mobilizar, para trazer o título para Évora, e o Alentejo, como queremos.”


Este balanço em tom poético, jogando com palavras que se aproximam (como “alento” e “Alentejo”), ou que se entoam harmoniosamente (como “sozinhos sussurramos”), soou-me a que se reconhece a participação e se anuncia, surrateiramente, que se colocará aos ombros do “colectivo” o peso do resultado. A ver vamos se assim será…


Isto, bem entendido, são impressões de quem, por motivos vários, tem acompanhado o assunto com a mesma distância de uma pessoa que morando, trabalhando e pagando impostos em Évora, não é assídua frequentadora dos seus eventos culturais, ainda que atenta à agenda que divulgou os que promoveram a candidatura. Agenda que me pareceu consistente com a identidade que, sobretudo olhada de fora de Évora e do Alentejo, se tomou como consolidada: o retrato do vagar. Vinda de dentro, a apresentação parece desvalorizar o anedótico e cavalgar as queixas de uma certa contemporaneidade que se deixa enredar no vórtice da velocidade. Veremos se funcionará, sendo Évora, como espero, Capital Europeia da Cultura em 2027. Que tenhamos saúde para lá chegarmos!


Até para a semana, esperando poder voltar por bons motivos a este assunto.


29.11.22

Lufada de AR

A Assembleia da República está um lugar cada vez mais interessante e desafiador para quem nela trabalha ou a tem debaixo de olho porque dá valor ao seu voto. E à Democracia e à Cidadania. A coisa oscila entre a aprendizagem em exercício de uns, que lá estão, e o algum suspense de outros, espectadores atentos. Com a última votação que autoriza deslocações do PR estivemos perante mais uma prova da dificuldade de até os políticos, imagine-se, lidarem com a incoerência humana. (Já terão percebido que o “imagine-se” é só ironia, nada de indignação). A AR está a tornar-se um bom exemplo de laboratório humano e em que até temos direito a assistir às experiências que por lá acontecem.


A incoerência é um dos pecados da Humanidade. Paradoxo, parece que é o que também lhe podemos chamar quando se consegue verbalizar. Deverá ser mais de meio-caminho andado para cumprir a penitência que é viver na dúvida, estar ali a tentar desembrulhá-lo. Mas aos políticos não se lhes dá muito tempo para dúvidas e hesitações, porque as coisas andam a um alucinante ritmo, algo impiedoso. E tanto se lhes exige que peçam perdão, como logo a seguir se aproveita a genuflexão para se lhes arrimar uma catanada. Muitas vezes só o tempo, a ajudar a fraca memória das turbas castigadoras, permite ressurreições que salvam uma pessoa e pouco servem de exemplo edificante para os restantes desmemoriados que vivem ocupados com a pressa.


Mas volto à AR e ao importante papel da oposição, no fundo assunto da crónica. Falo de oposição encartada, mas não esqueço que também a há interna, talvez a mais difícil de fazer, escrutinada por menos, com primeiros impactos só “familiares” (os outros só o futuro os trará). Eu cá que não gosto muito de metáforas futebolísticas embora lhes encontre facilidade comunicacional, veria como muito útil, assim como há numa equipa de treinadores que trata com especial cuidado do guarda-redes, quem se ocupasse mais em estar atento ao trabalho das oposições. E até “olheiros” na bancada a topá-las, tão atentos como estão aos que assumem o executivo da governação. Seja isto a nível nacional, regional ou local.


Se o mais vulgar, em vários campos de batalha, é assistir à aplicação da estratégia que diz que o ataque é a melhor defesa, é porque se confia na desmemória e na pressa. E mais do que na aplicação do que se aprendeu com o passado e seja útil aplicar ao presente, e se joga numa antecipação e é bluff. A incoerência perde, nesta estratégia (ou será táctica?), o seu valor humano, universal digo eu, para ser um jogo só jogado, despoticamente, por alguns. A incoerência, mesmo quando se concretiza em palavras e ganha a medalha de paradoxo e se apresenta como dilema, é daqueles pecados que mereciam mesmo muito mais atenção em benefício do bem-comum. Até nos obrigava a olhar muito bem para nós próprios, primeiro ou depois, consoante seja a nossa posição e influência na sociedade em que nos movemos.


A incoerência como pecado poderá ser mortal para alguns, venial para outros, com aplicação de critérios de juízo que, por humanos, são tão oscilantes quanto, contada a história toda, bem podem ser também incoerentes. A incoerência talvez tenha de deixar de ser defeito, para passar a ser direito com deveres associados. Poder acontecer, mas vir acompanhada por explicação. Dá trabalho e exige muitos recursos, mas talvez encará-la assim fosse a primeira mudança para lidarmos melhor com os movimentos tectónicos que pandemia, guerra na Europa, no já instalado globalmente regime que assenta no capital, estão a abanar a casa da Humanidade. Seria abrir uma fresta para passar um ar mais fresco e respirável.


22.11.22

Good cop/Bad cop

A notícia não foi novidade para quem acompanhou as outras, as das reportagens sobre o “movimento zero” e dos bas-fonds do partido CH. Não é sequer novidade para quem, não lendo nem vendo jornais ou telejornais, já tenha ouvido certas conversas, em versão light, a alguns profissionais mais descontraídos, embora em serviço de ronda por cenários onde há vagar para tal.


O facto de ter sido um consórcio de jornalistas a trazer a público o comportamento ilegal de indivíduos das forças de segurança nacionais em redes sociais é caso paradigmático: são muralhas imateriais que se usam para prevenir, parece-me, eventuais consequências, bem físicas, como reacções de retaliação. A notícia é, então, a abertura do inquérito pelo imprevisível Ministério Público, tão dado a estados de alma que, enfim, me começa a deixar algo incrédula quanto à humanização das instituições e quase as desejar desalmadas. Quase…


Mas vamos às mensagens. Xenófobas, racistas, homofóbicas, instigadoras de ódio, este tipo de discurso “é mato” nos sítios em que não se dá a cara. Daí a passar para os outros sítios é um tirinho. E o processo não me espanta, já que tantas vezes nelas se assistem a desabafos em público, sem interesse nenhum ou com efeito cómico duvidoso, numa bizarra necessidade de chamar uma atenção constante sobre si. E que não são confundíveis com a divertida e saudável partilha do belo, do bom, do útil, da denúncia ou da dúvida que pede sugestões ou tem uma agenda própria para divulgar. São antes partilhas de si próprio, na trindade óbvia do me, myself and I.


Nas nossas redes sociais, por mais escolhidos que sejam os nós e os laços com que as construamos, há desabafos que destilam cheirinho a intolerância, hiperbolizam reacções, instigam tratamentos exemplares. E, quando não tem piada nem procura o ombro para chorar, tudo parece ser só uma busca desenfreada de validação, palmas ou companhia.


A dupla de agentes policiais em que, para dominar alguém pelo discurso, um é antipático e outro simpático conjuga-se num “ser uno” em ambiente perfeito para tal, com palco, holofotes e banda sonora. Quer-me parecer que quem é a pessoa que se quer dominar é de novo o próprio. A menos que o “ser uno”, tal como as pessoas xenófobas, racistas, homofóbicas e raivosas, tenha como objetivo, missão ou desejo endireitar o Mundo e proactivamente revelar-se-lhe, ao Mundo, exemplo de várias supremacias. Imagino que em carácter mal-formado uma farda de super-heróis (porque os há) possa ter esse efeito. E é por isso que nem toda a gente a pode envergar; e este é o cerne da questão. Sob pena, também, de já ninguém perceber bem as figuras que se fazem nas redes sociais que são, por muito naperonzinho que se desejem, públicas.


Entretanto, e não muito longe destes assuntos, lá começou o Mundial da Vergonha do século XXI, sobre o qual o que se me oferece dizer, para além do “eu não vou” (mas também ninguém me convidou, pelo que serve pouco o meu preguiçoso activismo, e me custe ver este lado pantanoso de um fenómeno que me enternece quando vejo o deslumbramento da miudagem com a nossa Selecção, a forma como se derretem com aqueles “cromos” que têm Deus nos pés); o que se me oferece dizer é que as associações internacionais que, e muito bem, lutam contra essa vergonha acordaram tarde. É que este Mundial foi para ali, para o Qatar, em 2010. Haveria então algumas diferenças naquele país? Fez-se alguma coisa para o modificar nestes 12 anos? Aguardo relatos ou relatórios.


15.11.22

Foice e o Marcelo

  Eu sei que estes títulos de crónica se aproximam arriscadamente dos das revistas à portuguesa que dantes enchiam o Parque Mayer, mas desde o penúltimo fim-de-semana que vários episódios a afectar São Bento e Belém me têm obrigado a rir para não me irritar. 

Em São Bento vamos deixar de ver Jerónimo de Sousa que sai de fininho das suas funções públicas, para dar lugar a outro que ainda mais de fininho entra, já que não disse um “ai” desde que o seu nome surgiu e, qual aurora boreal, durante mais de uma semana, enfeitiçou tudo e todos. De operário a secretário passou-se uma pasta ao funcionário na esperança de que, levados pela rima, os mais espantados, sobretudo dentro do viveiro, não se incomodassem muito. 

Ainda em São Bento, também sorri ao ver PS e PSD arrombarem o capital de queixa do CH, fazendo-lhe a vontade de abrir a discussão da revisão da Constituição, reduzindo-o no entanto a porteiro do assunto. De caminho, como neste assunto o Presidente da República só pode esbracejar, também os dois maiores Partidos repõem, ao reverem, a sua autoridade, para que ninguém se esqueça de quem é que manda na nossa Democracia, fazendo jus ao gesto em que cada eleitor se empenha em dia de ir aos votos. Por isso, também importante, é o detalhe de o PSD querer mais poder para Presidentes, embora em magistraturas únicas, a coincidir com o momento em que o Tribunal Constitucional diz que o CH não pode ter estatutos que concentram tanto poder numa só figura que o dirija. São os tiques de subserviência a figuras providenciais. E a avaliar pelas duas em causa, em Belém e na bancada de S. Bento, que figurinhas as dos figurões… Mas aguardemos.

Depois houve a cena de Marcelo e Abrunhosa, um a pregar raspanetes, a outra com trejeitos de quem não era nada com ela mas só uma cantilena à espera de reacção do público. Parecia uma rábula da Ivone Silva e do Camilo de Oliveira. 

As estantes das livrarias também não escaparão a esta tendência kitsch e lá teremos um outro dueto, desta feita entre um jornalista e um ex-governador do Banco de Portugal, ambos cheios de agenda - um ganhar fama, outro livrar-se dela - criando intimidades para inventar episódios públicos, confundindo fake news com literatura e tentando apanhar os que borboletam em torno das luzes que brilham mais forte, à semelhança dos que são levados por quem berra mais alto e matraqueia ininterruptamente. 

Assim vai a difícil tarefa de ser e lidar com um Governo de maioria absoluta dos anos 20 do século XXI. Não admira que até no que se consideravam ser os lugares e as instituições onde moram a discussão, o debate, a expressão de opinião, só até dizer-se ao que se vai ou por onde não se quer ir, o silêncio esteja a ser aproveitado para confundir o bom traço de sabedoria com o lamentável sinal de cobardia. Querem lá ver que o silêncio de Raimundo está a ser um sábio modelo de novas formas de estar a endireitar as outras que descambaram em estilo rábula? Isto não é nada bom para quem apenas for um “cidadão comum” que gosta de saber o que é que se passa em lugares de poder e gestão.

8.11.22

Os de fora

  Há no conto imortalizado por Andersen “A roupa nova do imperador” um elogio que vai além do da sinceridade ingénua infantil. Creio que o conto reconfigura sobretudo a importância de um olhar de fora, de quem não embarca em práticas inquestionadas. Uma leitura de hoje de uma criação do antes, e nas suas circunstâncias, que para não tresler requer também a sua contextualização.


A pressão internacional em que se transformaram as felicitações de vários países de todos os quatro cantos deste Mundo redondo ao eleito Presidente do Brasil recordou-me este conto de Andersen. Julgo que mais do que o gesto de saudar uma vitória, foram gestos para salvar uma derrota de se transformar numa ainda maior balbúrdia a oeste do Atlântico. Acontece quando não há nenhuma espécie de inocência nesse olhar dos de fora, como no conto do autor dinamarquês cabe à criança que grita que o rei vai nú.

Olhos dos de fora com interesse e agenda próprios mas que, quando correspondem a cabeça e coração nos lugares certos, prestam um bom serviço aos de dentro. Assim estes os saibam e queiram ter em conta. Voltando ao Brasil, com quem as nossas afinidades quanto mais não fossem começam logo na língua que partilhamos, é com alguma expectativa que espero a sequência da história que as felicitações do Mundo ajudaram a que tomasse um determinado rumo.

É de resto o que acontece com as revoluções e “viradas” cheias de benevolência que se deram e se pretendem replicar: o que pareceu difícil para dar a volta, com o passar do tempo e o nublar da memória, que por isso se deve revisitar amiúde, parecerá muito mais fácil do que o que está por fazer dali para a frente. É de resto o que mais me interessa “ler” nos discursos dos que, vezes demais, ficam presos à tal memória não como ponto de partida e avanço, mas como troféu de prateleira. E para esses objectos de saudade, mais do que de nostalgia, são úteis os olhares distantes, que assim se tornam, com o tempo, críticos. Tão úteis para que o “sempre” não se transforme, no girar das voltas do Mundo, pior do que o que desejávamos não voltar a ter “nunca”. A isto se chamará talvez aprender com a História. E com as histórias.

1.11.22

Universos de Conhecimento

A 1 de Novembro a Universidade de Évora celebra o seu dia e inaugura solenemente o novo ano lectivo. Se os aniversários são o que são, inevitabilidades, o desfasamento de calendários que vão para além do girar dos astros acaba por demonstrar que a defesa da perpetuação de tradições é assunto muito discutível. É que as aulas começaram em meados de Setembro, há até já avaliações a decorrer e, aparentemente, o início que valeria, se a tradição se cumprisse, seria o de 2 de Novembro.

Mas não percamos tempo com estas minudências, porque a Universidade é, por definição, o lugar da vanguarda, da inovação, e festa e trabalho já se aninharam e convivem bem, com sacrifícios dos festeiros, convém dizer, porque o ritmo do trabalho não condescende. Importante mesmo é que a nossa Universidade - mais nossa no concelho e na região, mas ainda nossa no país - seja mesmo lugar de criação de massa crítica. É que para sacos de vento ou caixas de ressonância já bastam os públicos que certas cliques, lobbies e grupos de comunicação empenham em alimentar, mesmo se cheios de académicos comentadores e opinadores (sim, eu sei que também sou académica, opino na comunicação social, mas também sei do que falo).

Com as suas fragilidades, que os múltiplos responsáveis, os que coexistem e não apenas os que se sucedem, têm obrigação de ir corrigindo, também será bom que estas não se perpetuem nos mesmos sectores ou serviços. Lá porque os estudantes vão passando, substituindo-se, custa ter de ouvir as mesmas queixas feitas por gerações diferentes. É que há famas com razão de ser que deixam estigmas muito duradouros, capazes de se tornarem tradição. E essas, com certeza, nada ganham em perpetuar-se, arriscando, quem ignora isto, a estar a olhar para o futuro com os olhos na nuca.

No universo que conheço, alguns ex-estudantes, vindos de, ou que seguiram para outras instituições, porque continuam a investir no conhecimento e reconhecem a mais valia de o fazer em várias “escolas” (aqui no sentido de desenvolverem princípios reconhecíveis que outros depois seguem), a proximidade professores-alunos no acompanhamento do percurso tem sido uma constante qualidade que põe a Universidade de Évora bem acima de certos “Olimpos”. E não ponho em causa as razões do mérito ao usar esta metáfora, apenas aponto a importância que, até nos universos do conhecimento, a diferença tem. Tal como é igualmente importante que essa tradição conquistada seja encarada como tão dinâmica quanto o cuidado que quem compõe as instituições põe em continuar a fazer delas lugares de vanguarda e inovação. Assim encarada até pelas comunidades - instituições, empresas, cidadãos - conterrâneas ou vizinhas. E esse é um trabalho difícil, constante e persistente que, como o chegar ao Olimpo, ou a ser Olimpo, devia ser ganho todos os dias.
Longa vida à Universidade de Évora.

25.10.22

Óleo de Girassóis

Nunca foi fácil ser jovem, apesar da pressão dos “outros” (chamemos assim aos que já não o são). Pressão a propósito da sorte em terem, teoricamente, o “tempo todo” pela frente a somar ao património que lhes foi deixado pelas gerações anteriores. E é fácil compreender que, perante a dificuldade em gerir o que lhes chega, haja gerações de gente jovem que até prefira ser deserdada. Já sou dos “outros”, mas lido com jovens que, por força da minha profissão, são eternamente jovens. Esse lidar tem-me dado o melhor dos barómetros para evitar embandeirar em irritações com certos “vaipes” e tentar envolver-me na compreensão de propostas para lidarmos, juntos, com o que podemos ajudar a deixar para os que serão os próximos jovens, ou estes já, transformados em “outros”.

Vem a conversa a propósito da performance das jovens que em Londres atiraram com sopa Campbell ao super-guardado tesouro patrimonial, os girassóis do Van Gogh, que estão expostos lá para os lados da praça de Trafalgar. O que aconteceu uns dias antes da corrida em pista oleada que os “outros” fizeram entre o Parlamento e o número 10 da Downing Street. Uma performance que também mereceu atenção e que, em parâmetro de disparate pensado e ponderado, não ficou longe em pontuação do das jovens woke. Com uma enorme diferença: as consequências de um, no museu, não tiveram a seriedade do impacto negativo do outro em Downing Street. 0 a 1, em que o menos é mais a favor das jovens, no campeonato dos disparates com agenda.

Para que fique claro, o disparate na National Gallery cai, na minha opinião, dentro da definição de disparate para designar o díspar, o que é incomum, avaliável pelo pouco convincente critério da questão de gosto. A performance de traços estéticos, ou pelo menos revelador de algum conhecimento sobre a história da Arte, não se compara ao que, no entanto, pode contribuir para contaminar sujeitos menos dados à semiótica, essa ciência de lidar com significados e símbolos, que desatem a vandalizar a torto e a direito. Já o outro disparate, o da politiquice a meter-se na Política, é mesmo do domínio da irresponsabilidade.

Os dois episódios, assim classificados pela sua dimensão de curta duração relativa que não chega a elevá-los a novelas, protagonizados por mulheres, o que também permite leituras de preferência tão díspares quanto impeçam generalizações, revelam-me a violência e a voragem contemporâneas. Estes modos de viver que nos estão a levar, aos jovens e aos “outros”, para um “carpe diem” alucinante, em que não temos tempo sequer para avaliar o passo seguinte, nem para aproveitamos da melhor maneira o tempo de qualidade que arranjámos conquistado a custo. Desde logo quando os “outros” de agora parecem, por exemplo, pouco preocupados com a sustentabilidade da segurança social.

Esta preocupação com o estado do Estado Social que uns colam à Direita, numa nova retórica que mistura cortar com não aumentar, mesmo havendo aumento. É que se trata da segurança dos que serão “outros” daqui a mais de uma geração; trata-se de tomar medidas que também nos preparem para não deixar cair os mais inseguros, em casos de dificuldade, já daqui a menos de uma meia-dúzia de anos, uma vez que é a velocidade que tem marcado o ritmo a que se sucedem imprevistos e previsíveis crises.

Esta nova retórica está, de resto, presente no discurso dos Partidos ditos de esquerda, os que, já agora, adoram as performances revolucionárias e tentam sempre monopolizá-las. Tal como servem de modelo discursivo aos novos liberais portugueses, caçadores de jovens rebeldes pouco dados às correntes do comunitarismo, mas muito atreitos a causas concretas, com acções tão cirurgicamente escolhidas que se concentram na árvore e esquecem a floresta. O que manifestamente não dá para gerir o que se deseje ser bem público, como se viu pelo caso de Downing Street.

O que me preocupa e ocupa os dias é convencer-nos para deixarmos de ficar à espera de figuras, indivíduos, quais artistas dos de sete instrumentos, a tentar lidar com tanta simultaneidade. E, no tempo que temos para pensar, fazê-lo de forma a que a nossa acção, a de cada um de nós, pelo menos não piore os males com que estamos a conviver. Os males que revertem o sentido da expressão em que pedimos para que se nos perdoe o mal que fazemos pelo bem que nos soube experimentar fazê-lo. Talvez ainda haja tempo para corrigir algumas rotas.

18.10.22

Aceitar e/ou Compreender

Estes dois verbos, aceitar e compreender, pressupõem relações humanas, modos de convívio, formas de comunicar. Implicam a capacidade de, momentaneamente, passarmos a ter a perspectiva do outro e escolher um de quatro caminhos: compreender e aceitar; compreender mas recusar; não compreender mas aceitar; não compreender e rejeitar. Caminhar nestas encruzilhadas dá trabalho e requer tempo. Mas, numa sociedade progressista,  também se dá a oportunidade de correcção das rotas. 

A propósito do mais recente disparate dito por Marcelo Rebelo de Sousa, a destacar-se dos constantes e cansativos comentários sobre tudo e mais um par de botas, e mais visível porque num assunto gravíssimo, há várias oportunidades de lições a retirar. Se Marcelo não compreendeu as condenações que lhe fizeram mas as aceitou, já eu, insuspeita que sou de gostar ou ter alguma vez votado em Marcelo, compreendi muito bem as suas declarações, que expuseram o rascunho de um argumento em que lhe interessa acima de tudo defender os seus amigos. Mas não as aceito, porque não é esta a Igreja, enquanto organização de influência, que serve o interesse do progresso humanista, e que para pôr a ser, e manter, suas vozes mais importantes bispos com o calibre do do Porto pouco de si tem para dar;  embora acabe por aceitar as desculpas de Marcelo, depois de o ver espezinhado na praça pública por quem, mais do que pensar no dor das vítimas, viu neste deslize de Marcelo a oportunidade ideal para continuar a amarfanha-lo. E espero que tenha sido a sua oportunidade para começar a tratar da verborreia. 

E podemos reparar em mais: porque o assunto é, precisamente, verbalizar, falar sobre um crime a que se foi sujeito e que, tendo-lhe sobrevivido, custará recordar usando palavras que trazem de novo a dolorosa situação do passado, o cuidado no discurso sobre o assunto deve ser redobrado. Até porque o vento já não leva as palavras, elas ficam registadas, graças a esse avanço democrático da técnica, que começou pela escrita e o audiovisual refinou. 

Nas diferentes e despropositadas actuações, Marcelo traz várias vezes para cima do palco os ensaios de peças burlescas que nos dispensávamos de assistir. Mesmo, e talvez por causa de vivermos, em democracia e o escrutínio ser uma prática que a fortalece, o direito ao “rascunho” do seu exercício até que o público, todos nós, possa usufruir da versão final, podia evitar-se. E melhor ainda quando, uma vez estreada qualquer acção política, venha acompanhada com “folha de sala” e crítica plural e informada. 

Que tudo isto sirva para a consciência do poder da linguagem que muita gente menospreza. Sobretudo quando há quem, em certas escaladas, no seu próprio interesse, se torna porta-voz de, por exemplo, tragédias ou estatísticas, não passando de vozes de um coro ensaiado por um misto de pitonisa com corifeu, ou de ecrã de calculadora científica, o que ofende reais vítimas de tragédias, ou quem se sinta reduzido a mais um número. Sejam cidadãos comuns ou vítimas de um drama que ainda se tenta corrigir para o futuro, percebe-se que, para certas vozes, elas e eles se transformam, nesses discursos, em personagens, por vezes instrumentais. E as crianças e os pobres são as que têm, desde sempre, mais sucesso nos castings. 

Há que dar atenção ao discurso, tal como há que perceber e distinguir a intenção e a irreflexão. E a ambas compreender e/ou aceitar, ou não. Tudo isto nos faz dar muito mais valor ao uso das palavras. E é como nos versos de Manuel António Pina: “São feitas de palavras as palavras (…) É o que falta que fala”. 

11.10.22

O sobressalto mediático

Foi no dia de aniversário do Tratado de Zamora, aquele em que se definiram os limites de Portugal que ainda são os de hoje, e no mesmo dia , 767 anos depois, em que se implementou a República; foi no dia 5 de Outubro que me dei conta de que o espaço público das crónicas de opinião da DianaFm tinha duplicado. Assinalo, com gosto, que os avanços democráticos, nisto de proporcionar igualdade de oportunidade de acesso, continuam a amadurecer nesta reputada cooperativa de comunicação. 

E se festejo a iniciativa, dou as boas-vindas, em particular e em nome da tão valorizada proximidade, a quem passou a, paredes-meias, partilhar comigo as terças-feiras. Presume-se que, consequentemente, de quando em vez, quem nos oiça ou leia, assistirá no uso das palavras e do discurso, no fundo o exercício da razão, perspectivas diferentes com argumentos próprios, mas também oriundos de ideologias de base com as quais os indivíduos tendem a identificar-se. Ideologias propostas para se aplicarem políticas públicas na gestão do País, ou da Cidade, e na administração do que serve a vida das pessoas e da sociedade. 

Se é o que presumo, e aproveitando o contexto de preparação do OE2023, o que eu sei é que, deste lado, tendo a olhar para as opções de gestão nacional, aceitando que a afectação de recursos de todos nós mantenha um sector público forte, que possa ajudar-me sempre que necessário, e um sector privado próspero que, em conjunto com o sector público sólido, contribua para que não sejam tantas vezes necessários os apoios públicos, e que se crie riqueza no nosso País. Já se percebeu que isto é tarefa difícil, tarefa monstruosa que se avizinha com o agigantar-se da inflação e das taxas de juro, os vilões da sociedade de consumo em que todos vivemos. Em cima deles, acresce que muitas das decisões de hoje, todas discutíveis, só se avaliarão mais tarde. Acontece muito e falta-nos a prática de “pós-monição”, muito mais acessível e disponível do que a da premonição. 

Ora isto não serve quem precisa de estar sempre a anunciar “notícias de última hora”, nem quem precisa de ocupar espaço público no presente para condicionar a governação, às vezes qualquer que ela seja, e vir, talvez, a ser governo depois. Resultado: criam-se casos que o não são (sim, falo dos de Pizarro, da frota automóvel da TAP, do de Pedro Nuno Santos), escolhem-se adjectivos, comparações e exclamações que escondem as alternativas que não se tem coragem de dizer sinceramente que se aplicavam; ou até só, das antigas fotografias de fachadas, retocadas para parecerem novíssimas, se recorta quem se preocupou com o miolo e a alma dos lugares, tudo para levar a água ao moinho, como se fosse, e só pudesse ser, o seu. E acaba-se por fazer pairar, numa prática de ou aparente inconsciência, ou sub-reptícia intenção, ou tudo misturado, um arzinho a perigosas tentativas de descredibilizar a Democracia e manter, falsa e convenientemente, o nível de sobressalto dos media. É que às vezes basta ler mais do que os títulos das notícias, que nos berram aos olhos, mas as próprias notícias, que os esvaziam. 

Ainda bem que na vastidão da planície alentejana os ecos tendem a não se propagar. Pena que vozes de explicações e argumentos, mais demorados, por lá também, demasiadas vezes se percam. 


4.10.22

O véu diáfano da hipocrisia

A situação conflituosa no Irão é um sinal doloroso do impacto da globalização cultural.  Doloroso e agridoce, embora mais “agri” que doce. Demorou a instalar-se, talvez o tempo de uma geração, entre a generalização crescente da comunicação e da informação a circular mais livremente entre cidadãos, a consciência de que há diferenças tradicionais identitárias que não correspondem ao que consideramos hoje humanismo. Não se trata já só sequer de feminismo, embora seja bom rever-se a enorme importância deste movimento, no fundamental, sobretudo quem considere que ser feminista é ver em qualquer homem um agressor. Não é.

Se há décadas foram surgindo, de forma algo inorgânica, denúncias da retrógrada condição feminina vivida em nações e comunidades que, para tal, evocam leis assentes pela religião constituída como instituição, a geração de jovens dos nossos dias, muito graças ao “bright side” da Internet, não me parece disposta a baixar os braços ou deixar de dar o peito às balas pelas hipócritas tresleituras de textos chancelados como divinos. Que a lute continue,  em nome de um progresso humanista e para que os que nela tombaram não o tenham  feito em vão. Um argumento, de resto, muito usado nas vidas dos santos mártires.

E debruçados sobre o hijad, o véu islâmico, poder-se-á continuar uma mais longa conversa a propósito da reavaliação do peso da religião, organizada em instituições, na vida de indivíduos e sociedades. Foi, de resto e assinalando o facto de estarmos próximos do 5 de Outubro, ao que assistimos no caso dos alunos de Famalicão na implicância dos seus pais com as aulas de Cidadania. 

Um assunto que sucede há séculos, de acordo com a organização Opus Dei, tão conservadora como os puritanos pioneiros que chegaram à América ou os reguladores das madraças islâmicas, ao dizer, na sua página web, que se observa “uma tendência nos poderes públicos, que se vem manifestando em muitos países, pelo menos desde o século XVIII, a assumir de modo cada vez mais exclusivo a função educativa, atingindo nalgumas ocasiões níveis de monopólio quase total da escola”.  

Uma forma de estar nos dias de hoje tão estranha como ineficaz, na minha opinião, que não previne a infelicidade nem das almas, nem dos “rebanhos”, nem leva a que mais sigam os caminhos saudáveis do humanismo: os do respeito pelo livre arbítrio consciente, também e sobretudo, da presença de outros na nossa vida em sociedade. 

É que fica claro que os véus não tapam o pecado de quem os usa, mas o de quem não tem sobre si o domínio de controlar uma bestialidade que pode reconhecer. E por isso evoca o nome forte de um Deus, ao abrigo da lei da hipocrisia que, por fraqueza, escreveu. 

27.9.22

Guerra: espírito, palavra, acção

Podemos até tentar fazer de conta que a guerra na Ucrânia está lá longe. Tão longe que dá jeito a muitos enfiá-la no mesmo saco de outros conflitos, cujos impactos são menos sentidos em consequências no dia-a-dia da Europa e nas relações que a Europa tem com o resto do mundo ocidental. É o jeito de também se poder fazer um discurso “à la Miss Universo” de antigamente (confesso que não tenho visto concursos de Misses). 


O jeito do “não à guerra” dá-se quando, mais morto menos morto, esses, os mortos servem é para comprovar o odioso de um inimigo.  Um inimigo que, bem vistas as coisas, é tão só o concorrente  vencedor na corrida ao mesmo lugar: o de dominar, também ideologicamente, o Mundo. Tribalismo em escala grande, enorme, o maior deles. E pode-se chegar a elogiar o folclore da outra tribo, quando tocam a  música que interessa dançar, até usando a táctica da “quinta coluna” ou do “agent provocateur”. 


O espírito da guerra está latente na alma aparentemente mais doce e envolta em engodo para os demais espíritos que se lhe possam associar, com proveito próprio certo e prometido proveito comum. A palavra que diz que apoia, mas em que, afinal, se apoia quem quer arregimentar tropas (e porque fica mal a quem a contestar) é tão perigosa como a que berra e insulta. Embora muito mais civilizada, claro. É, aliás, essa  palavra civilizada que vai ensaiando o coro, procurando vozes que se transformarão em falsos solistas na gritaria do “Não!” porque sim. Esta espécie de palavra mansa, que não procura nem pede a reflexão e o entendimento, provocará e incitará e levará um dia à revolução e (não “ou”) à morte. 


Regressemos à Ucrânia para falar dos cidadãos russos mobilizados por Putin. A palavra do invasor transformou-se em ordem para que haja acção. Os cidadãos russos que perceberam ser carne para canhão, não para defenderem os seus, mas por uma causa que não é a sua, apesar das iniciais falinhas mansas de Putin e da sua “entourage”, estão a deixar o país. Percebemos como é e está assim a agir, sem poder falar, a oposição na Rússia. Por outro lado, pouco sabemos, pela comunicação social portuguesa, da actual vida política interna da Ucrânia, mas não seria pior termos notícias do que dizem e fazem os opositores de Zelensky.


Estará suspensa, a oposição de um país democrático em guerra? Esperarão o fim da guerra contra o inimigo de fora para combater os tiques populistas de um adversário cuja popularidade passou fronteiras? Mesmo populista, encostado aos extremistas no parlamento europeu, as posições de Zelensky de antes parecem agora inofensivas. Parecem. O espírito da guerra não morre no ser humano, apenas se tornará talvez aceitável se subsistir na palavra como sinal de instinto de sobrevivência. E nesse caso, apenas se poderá assim julgar aceitável, no dia em que o espírito vertido na palavra for coerente com a acção. 


Será esse instinto que, poucos meses depois mas muitos euros em cima de bens e consumos, de entoarmos quase todos “Slava Ukraini!”, nos leva a começar a assistir a desertores da causa? Querem lá ver que o engodo vai mesmo cair no goto de alguns e aproximar egoístas de comunistas? Varre-se, quando interessa, para debaixo do tapete a solidariedade, o humanismo, a democracia, reduzidas a palavras - falinhas mansas - que se apregoam nos cartazes. Falinhas mansas soam tanto a necrofagia, senhores! Como quando um véu, em nome de Deus, vale mais que uma vida… Mas sobre isso falarei em breve.

20.9.22

O que aconteceu

Os tempos estão quase bíblicos, com peste e guerra e seca e dilúvios, e pouco teve de divino o filme de recordações destas férias de Verão… Uso o adjectivo “divino” no sentido pagão, o que damos, por exemplo, a uma refeição daquelas para que, nas férias ou quando há tempo e ambiente, muitos nos reservamos. Mas também estas, se para uns têm efeitos espirituais, para outros caem todas juntas em cima dos corpos, a ocupar espaço. Uma maçada… 


A boa notícia é estarmos - quem escreve e quem ouve ou lê -  de volta às crónicas, para mais uma série, para mim a 13º, como o número dos mais importantes comensais da tradição judaico-cristã. Mas vejamos, assim telegraficamente, uma  pálida amostra dos muitos assuntos deste Verão, que podiam ter dado quase duas crónicas por semana.


A pedofilia na Igreja também católica a ultrapassar os soundbytes das regressadas romarias já turistificadas. A subida aos Céus em foguetão de quem quase entrou no “buraco de uma agulha” (se acreditássemos mesmo que o Paraíso existe e não está num punhado de contas milionárias de que uma só criatura pode gastar à tripa-forra). O Purgatório da ameaça de falta de gás, com impacto financeiro em tudo quanto dá luz e mexe, e os castigos em corte nos quilovolts que nos querem infligir, como se todos tivéssemos painéis publicitários acesos 24/24 horas nas janelas das nossas casas. E , por fim, a saída de Marta Temido, provavelmente farta dos rankings montanha-russa de popularidade de que a política vive (mais do que de políticas), deixando a Pizarro exactamente os mesmos problemas que a penúria do País, associada à cultura do desleixo no serviço público, que durarão até à tal vinda do Diabo, profecia sem novidade, nem pecado, e de sucesso mais ou menos adiado. Nessa altura, o Inferno será legitimado, o País ficará melhor e as pessoas pior. Tudo por culpa de outros: dos que gastaram o que não tinham para ir calando alguns e dos que vieram a seguir endireitar as coisas, sem medo dos gritos dos moribundos.


Do que à eternidade das almas diz mesmo respeito, deixando de lado o fim do conto de fadas da Rainha de Inglaterra que quase viveu “feliz para sempre”; fazendo por esquecer os macabros episódios políticos do coração monárquico feito em pickles e da urna republicana a servir para o voto angolano e para a exposição de desavenças familiares que não escolhem classes sociais, marcou-me que da poeta Ana Luísa Amaral já não tenhamos, demasiado cedo, mais versos novos de inquestionável literatura, embora continuemos a ter tantos poemas para usar como orações de aprender a sentir o Mundo e a Vida; já nos antípodas, tivemos uma promoção a autor de referência europeia um medíocre alinhador de palavras que consolam não-leitores, chagando a palavra “Literatura”.  O “meu” primeiro humorista também parou de envelhecer, e a eterização de Jô Soares trouxe-me à memória tantos dos momentos divertidos com os mesmo meus que já cá não estão; sou da tribo que crê que é só mesmo o humor que nos salva: o imprescindível amor está tristemente contrafeito e a contrafacção do humor é mal menor, só mau gosto. Um herói, ou pequeno deus da bola Chalana, que desaparece deixando à espreita, para quem tenha interesse em pensar sobre o assunto, o admirável esgoto do mundo da competição futebolística, negócio que tantos crentes assíduos de certas catedrais ajudam a alimentar. Sobretudo porque contaminam modos de estar tribais em sociedade, chegando até ao debate político, que está paupérrimo. E partiu Jean-Luc Godard e Javier Marías, e, e… Cronos implacável, a Arte a tentar fintá-lo. 


Dos incêndios talvez fale uma semana destas, já que não foram, nem serão, exclusivo da época estival 2022. E talvez, um dia, seja oportuno voltar ao tema da conciliação difícil das vidas pública e privada dos políticos, questão menor mas muito reveladora das mentalidades marcadas pelo fenómeno cultural mais relevante da Humanidade: lá está a religião… 


Perante tudo isto, o único remédio que encontro é procurar o tal “divino” à mesa das refeições e penitenciar-me do mal que me fazem, só a mim, pelo bem que me sabem, trazendo-me a felicidade ao céu do palato. Haja saúde e, claro, matéria da cor do deus com que se compram os melões… 


 

11.7.22

A cada estirpe, a sua vacina

 Com o fim do ano lectivo, termina também mais uma temporada das crónicas da DianaFM, que o acompanha, e em que consegui cumprir sem faltas o calendário com que me comprometi. Auto-avaliação feita, é hora de encerrar trabalhos em jeito de relatório, assim não tão sumário.


Foi um ano em que se regressou a uma certa normalidade, com intermitências, fruto da pandemia que ainda anda por aí. Com sequelas para alguns - não é fácil ver partir quem se ama ou perder a esperança -, mas também com aprendizagens a começarem a aplicar-se. Como aprendemos na escola e na vida, as melhores respostas para os engulhos encontram-se com uma boa e serena troca de opiniões, um trabalho conjunto em que os resultados vêm ao encontro do princípio que nos diz que “se servir para todos, servirá para mim também”. 


E se no período mais agudo da pandemia, por vezes, dizia que se fosse uma guerra ao menos podíamos render-nos, a realidade veio endireitar-me a ficção e fazer-me repensar não já na hipótese, mas sobre o facto: acontece muito quando em vez de nos perguntarmos “e se?”, afirmamos “se fosse comigo fazia assim ou assado”. Ninguém com o juízo sintonizado na democracia entenderia a rendição da invadida Ucrânia. E tivemos direito, em reacção, não ao ensaio, mas ao decreto sobre a cegueira de um Partido que se revelou como um casco de uma barquinha que deixa de estar submersa quando o lago seca.


Assisti, de resto, a várias reacções que estranhei, de pessoas que julgava conhecer melhor, e de outras que, não conhecendo bem, esperava comportamentos consonantes que não aconteceram. E também eu não terei escapado a reacções em que me estranharam e, felizmente, em que eu própria me estranhei. Até julguei, e ainda não estou totalmente convencida do contrário, que estava por fim a envelhecer. 


Destaco o arrazoar de conversas em estilo rascunho, mas em situações que pediam cuidados para uma versão final; houve também um crescimento da constante propagação de assuntos pessoais em redes sociais que, das três, alguma - ou são a nova esquina de tagarelas incorrigíveis, ou o lugar de driblar a solidão ou , ainda, a tentativa de imitar “influencers”, esses grandes modelos do saber-estar actual; também cresceu a exigência de que todos nos punhamos no lugar de todos, não para experimentar a empatia ou encontrar respostas para acabar com o mal de que se reclama, mas exclusivamente para que se dê razão a quem reclama e está pouco disposto a aceitar que os outros não têm de ceder a estados de alma; e, finalmente, estranhei até a própria expressão de reacções a opinião diferente, que passou a ser um espectáculo dramático.


Está difícil evitar que se continue a agir sem ser preciso estar sempre a apelar, em modo “recurso hierárquico”, a quem venha, lá de cima, resolver o assunto, nem que seja com a vã invocação do “Ó valha-me Deus!”… Felizmente, a distância de todos também nos aproximou de quem dificilmente poderíamos conviver mais de perto e parece agora mais acessível. Ou, pelo contrário e usando uma cruel e ambígua outra expressão, como só a popular sabe ser, darmos conta que há situações e alminhas que “se não fosse a falta que fazem, não faziam cá falta nenhuma”. 


Isto traz-nos, claro, muitas dificuldades em viver o dia-a-dia, sem sabermos com o que contar quando julgamos estar a fazer o certo e somos desarmados, não pela crítica construtiva que ajuda a ver o outro lado e em que continuo a treinar e apostar, mas pela palavra destrutiva. Como quando não nos pedem uma explicação ou um conselho, mas nos berram um insulto ou guincham uma reclamação. Ou ainda, como certas alminhas, que por uma pessoa dizer que pretendeu poder ter mudado qualquer coisinha é arrogante, depois acrescentar que não foi sozinha mas em equipa que terá conseguido mudar muito mais, e as alminhas continuarem a manter o rótulo da arrogância e a reprovação. Mais valia dizerem logo que, fizesse o que fizesse, sozinha ou acompanhada, o importante era não entrar na equipa deles (que certamente treinará no Olimpo). 


Parece que, nos Grandes Confinamentos, se alguns tentaram blindar-se e construíram armaduras, outros andaram a construir fisgas e a montar armadilhas para o que der e vier, quem quer que esse inimigo seja. Assim é difícil. Temos de nos entender, também no que pedimos dos outros, sem que o objectivo seja encurralá-los, mas para ter respostas ao nível : ou não sabemos exactamente o que estamos a perguntar, a pedir, a exigir? Tudo parece estar a ser possível… 


E foi assim que também eu descobri as minhas sequelas, não sei se da pandemia, se do tempo de vida que levou um

“boost”. Perante reacções em que o acesso ao razoável se fecha num sentido, tento manter-me em espírito de mínimos ou de INEM - reagir só em caso de emergência - e dar-me mesmo muito, muito bem comigo mesma, tentando conservar energias para o que sejam buscas de soluções sustentáveis. 


Se calhar acabei a ser influenciada por pensadores e filósofos de Facebook… E, lá está, se para cada estirpe haverá a sua vacina, para esta eu encontrei a minha. Como para os confinamentos me rendi sem dor ao trabalho mais intenso e disciplinado de leitura e escrita; como desde há uma década para cá que, para a interdição dos banhos de sol, só o prazer da esplanada à sombra, sempre com o marulhar como som ambiente, já me sabe quase a paraíso. Provavelmente precisarei de doses de reforço para lidar com os outros sem ser expulsa para um qualquer eremitério, mas para já vou ali de férias e aproveitar a imunidade desta dose, que foi pesada. 

5.7.22

Como cestos de fruta

 Parece ter acontecido recentemente um episódio, ou série deles, de homofobia e/ou de xenofobia numa conceituada Universidade portuguesa, que exigiu que o próprio Reitor viesse a público defender a honra da instituição que governa e representa. 


O caso terá passado despercebido à esmagadora maioria dos cidadãos, até de quem trabalha ou estuda noutras universidades, como me aconteceu a mim. Não fosse ter excelentes impressões e relações com quem lá trabalha, investiga e estuda, e visitar de quando em vez as suas páginas nas redes sociais, que também não tinha dado conta de que alguma coisa tinha ali apodrecido.  Como uma peça de fruta num cesto cheio e com variedade.


As organizações com muita gente, tal como as instituições que se compõem como micro-representações das sociedades em que estão implantadas,  estão sujeitas a acolher quem é incapaz de viver nesses contextos. O início do comunicado daquele Reitor anda precisamente à volta disso mesmo: o preconceito é filho da ignorância e as universidades são lugares de conhecimento. Quando se tem de ter “dois dedos de testa” deve reconhecer-se que se existe preconceito, algo vai mal. 


Se o que causa o preconceito é incompreendido, que se invista em perceber do que se trata, de forma a sabermos se estamos errados ou desajustados. O erro tem critérios e argumentos que o consideram como erro, não são um direito ao “é a minha opinião” para vivê-lo contra tudo e todos porque “estamos num país livre”. Já o desajuste pode solucionar-se com o favor de guardar para si o preconceito e proceder civilizadamente em sociedade. Quando se parte do princípio, claro, que é do lado do bem-estar e prosperidade colectivos que estamos. 


Vejamos outro assunto diferente, que ainda assim cai em parte neste campo da identidade, experiência pessoal em que o reajuste de argumentos abriu uma excepção ao caminho que defendo de ir acabando com extremismos para encontrar equilíbrios sustentáveis: a suspensão das consequências do americano Caso Roe vs. Wade. No que era a minha argumentação a favor da despenalização da interrupção da gravidez, vulgo aborto, que o caso de há décadas permitiu, nunca colhi o argumento do “my body, my choice”. Talvez porque sou da geração que ouvia Ary dos Santos dizer, na voz da Simone de Oliveira, que “quem faz um filho, fá-lo por gosto” e que o assunto dos filhos envolveria desde o início sempre duas partes e não apenas a pessoa que os carrega em si até que cheguem à luz dos dias. 


Todo o contexto que envolve o discurso, as práticas e iniciativas, ou falta delas, dos muitos grupos que se regozijam com a reversão desta despenalização, maioritariamente religiosos e que evocam a palavra “Deus” como propriedade privada sua, veio fazer-me ver que há um enorme preconceito societal que as mantém: o de que o estatuto feminino, na sua cláusula biológica, dá direito à invasão da privacidade legal de cada mulher. E isto é, muito para além da moral que rege a atitude individual, uma injustiça social. 


Claro está que nem todas as mulheres só porque são mulheres são seres ungidos, tal como, por ter acontecido ser homem a uma pessoa seja colado o rótulo de agressor. Não se trata de não misturar vários frutos numa mesma cesta, mas de os manter com a saúde que permite ser um belo cesto de fruta variada. Dela sairá a semente que dará os frutos que vêm a seguir e isso é tarefa do cesto todo, liderado também por quem o representa. Ninguém diz que é fácil, ninguém pode dizer que os cestos, e quem os mantém, são todos iguais. Mas servem de exemplo, a seguir ou a evitar. 

28.6.22

Carrosséis

Bem-vindas e bem-vindos à Feira de São João! Hoje é a noite de São Pedro, vá, mais uma voltinha no carrossel, a subir e a descer, a rodar e a chocalhar.

É aproveitar, que já todos percebemos que “tristezas não pagam dívidas”, embora “quem não chore, também não coma”. É aproveitar e usar o que já se inventou para tentar escapar o melhor possível às maleitas porque, já se sabe, “se correr o bicho pega, mas se ficar o bicho come”. É aproveitar porque “está tudo caríssimo” mas as filas quilométricas cruzam-se e há que escolher se vamos ficar na dos frangos, na das farturas, na das bifanas ou na do pão com chouriço.

Finalmente, é aproveitar que aqui a terra é ZLAN. ZLAN quer dizer Zona Livre de Armas Nucleares, o que não é de estranhar porque isto não é o Texas, mas o Alentejo. Pena que esse movimento ZLAN de iniciativa municipal, nascido em Beja em 1988, não tenha evoluído para ZLA, Zona Livre de Armas, ponto. Pena também que o movimento alentejano não tivesse chegado a doutrinar, ao longo do tempo, o pátria mãe da ex-União Soviética e a Rússia esteja agora a tentar construir uma nova Federação à força das armas, deixem ver se não nucleares.

É aproveitar, portanto, que na nossa Feira a barraca do tiro ao alvo é só de pressão de ar e o Povo tende a ser sereno. Talvez seja só pela promessa que São Pedro lhe abrirá as portas do Céu, mas já não é pior.

21.6.22

Os ansiosos tóxicos

 Está a começar a ser penoso assistir às diversas ansiedades instaladas no palanque da política portuguesa. As oposições em ânsias por transformarem no “último grito” problemas caquéticos; certos governantes a ensaiar afanosamente “sprints” como se quisessem inventar milagres para os resolver. E, às tantas, até só para darem, ou partilharem, sacos de papel às oposições para elas soprarem e controlarem a hiperventilação. Um sufoco.


Quem tem noção (e memória!) de que nada do que é bom ou mau é novo, sabe que não é de milagres mas de juízo generalizado que precisamos. O que não quer, por isso, dizer que seja mais fácil do que um milagre. Estou até convencida que o cidadão comum está mais preocupado em não voltar a ter covid e que os impactos da guerra na Ucrânia não lhe cheguem muito mais ao bolso, do que em assistir à histeria com fins contagiantes em que alguns se têm posto. Resumindo: espero (e julgo que não estarei sozinha), com alguma ansiedade também para não destoar, que chegue uma silly season à antiga. 


Uma silly season em que a ansiedade seja a de que esteja bom tempo, que as viagens, curtas ou longas, decorram sem incidentes, que as obras dos vizinhos não interrompam as sestas, que não faltem os pequenos prazeres que tornam os dias maiores e as boas memórias mais prolongadas. 


Como escrevo esta crónica enquanto uma situação pouco normal de um vôo, em Lisboa, causou duas ou três horas dignas da transmissão radiofónica da Guerra dos Mundos de 30 de Outubro de 1938, em que a leitura de Orson Wells do texto de H.G. Wells causou muito pânico em muita gente que acreditou numa invasão de extraterrestres, também me parece que a comunicação social está a precisar de algum tempo para relaxar. 


Se os níveis de ansiedade continuam assim, não há urgências, nem terapêuticas de espécie alguma, que aguentem ou cheguem para tudo e todos. Inspirar, expirar e guardar as energias para continuarmos atentos e agirmos quando for realmente útil fazê-lo.

14.6.22

O 10 de Junho

 Parece-me que, por esse mundo democrático fora, a maior parte dos feriados oficiais, não religiosos e que simbolizam perfis identitários nacionais, serão datas que correspondem ao final de conflitos que marcaram transições de regime ou independências conquistadas. O 10 de Junho parece-me, então e seguindo a mesma lógica, uma bizarria. 


Uma data medida a olho ao homenagear o Poeta genial, no que teria sido o dia em que morreu. E o Estado Novo aproveitou para assinalar no calendário a parola expressão do ditador que definia Portugal “pequeno na Europa, grande e dilatado nos outros continentes”. Dia de Portugal, Dia da Raça, Dia das Comunidades Portuguesas, Dia da Lusofonia, parece até que do Anjo Custódio e de algumas Forças Armadas. Tudo, de cada vez ou ao molho, à pala do Camões. 


As medalhas (que na realidade são Comendas) guardavam-se para ser atribuídas a personalidades notáveis, neste dia, e são agora distribuídas quando calha bem ao Presidente da República. E os Comissários das Comemorações são escolhidos sem outro rigor que não seja o mesmo que dita o apoio ao “filho da terra” (vá lá, que este ano Braga teve sorte com o prestígio do convidado).  As comunidades exaltaram-se porque houve as que, como já se tornou normal, se sentiram excluídas e protestaram, demonstrando bem a incompreensão do valor simbólico da coisa. Para já não falar de ser um feriado que excita nacionalismos xenófobos, os que, entre a continência e a persignação, recordam tempos em que, depois dos avanços no Conhecimento e na Ciência que a Expansão significou, se cometeu a primeira maior vergonha da Humanidade: o esclavagismo. 


Com este estado de alma do contra, que uso ao abrigo do estatuto que tem uma crónica de opinião, estou capaz de sugerir que o 10 de Junho se transforme no Dia de Camões e das Artes Portuguesas pelo Mundo. Que as Artes sejam plurais, como a Arte, enquanto conceito, sabe ser. Que sejam as eruditas e as populares, que sejam as clássicas e as vanguardistas, que sejam as elitistas e as das massas. Para novos e velhos, para a menina, para o menino e para quem não quer, nem tem de dizer a que género pertence, para quem tem saudades de Portugal ou para quem quer ir morrer longe. 


Porque a Arte até pode falar português, mas é a forma de comunicação que ultrapassa a barreira da nacionalidade entre quem cria e quem frui. Haverá lá melhor cuidar do repositório de memórias e mais rentável fundo de investimento em imaginação e criatividade do que celebrar, partilhando em festa, a importância das Artes? As Artes que vivem da Estética, sem esquecer a Ética e a Política, que não procuram unanimismos, mas preferem provocar reacções, levantar dúvidas, suscitar críticas. Fica a ideia.

6.6.22

À la Borda d’Água

Entrou Junho e os jacarandás continuam a encantar, tão bonitos quanto sujões. Regressarão Santos: Antónios, Pedros e Joões. 


Junho é o meu mês preferido, sem nele ter nenhum interesse privado: sem datas significativas ou nostálgicas que me façam celebrar por dentro ou à mesa. Nada, a não ser ter lá dentro o dia mais longo e a noite mais curta do calendário natural. Se gosto da noite, não percebo porque não prefiro Dezembro, esse mês que me ajouja de memórias… Deve ser o frio.


Em Junho e Dezembro, nos respectivos dias 24, ainda oiço a minha Avó paterna suspirar: não tarda nada estamos no Natal… não tarda nada estamos no São João. Media assim, partidos ao meio como melancias, os anos, uns atrás dos outros. Calendário de ritmo religioso, está bom de ver. Até porque não há na família, em nenhuma das que se cruzam em mim, sangue que se preocupe com sementeiras. Só com Deus e o Diabo. Ou nem um nem outro, como nos aconteceu a alguns. Ficou-nos o tempo gentio a passar com os dias, os meses e os anos, a relacionar memórias com porquês do presente e esperanças de respostas menos dolorosas no futuro. Sem gosto por premonições, dedicarmo-nos às “pós-monições” ajuda a perceber porque é que sempre foi assim mas às vezes é diferente. E nesses “às vezes” encontrar a variável que combata a estupidez, a ignorância ou a inteligência ao serviço da sacanice: têm todas resultados muito parecidos. Anda-se entretida, às vezes dá-se umas respostas, umas sugestões. Aceita quem pede, confia quem escuta, e a vida segue.


Entrou Junho. Uma imprevista pandemia não se deixa apanhar, e entrou no seu terceiro Junho, persistindo nas mucosas de tantos de nós ou dos nossos. Entrou Junho, consequente em vagas onde, lá no país das armas de circulação livre por um punhado de dólares, há quem lhes dê uso como se não quisesse morrer sozinho. E é o primeiro Junho da Guerra que já é a terceira de tão mundial que será nos impactos, e que já fez 100 dias e milhares de vítimas. Entrou Junho e seria tão bom que só olhássemos para os jacarandás e festejássemos sem preces, nem pressões, os Santos. Vale a pena tentarmos fazê-lo, a dobrar até, por quem não o pode. É cumprir calendário, ao menos. E talvez um dia dar a esse simples cumprimento o alto valor da celebração. O hábito não pode só banalizar.

30.5.22

M & M

Depois de uma discreta campanha interna, talvez apenas visível para militantes, o PSD lá encontrou um timoneiro para a sua barca. Presumo que a sua principal tarefa seja ir tentando colocar icebergues para que a barca do adversário se espete em alguns deles. Ou, melhor ainda por requerer arte e frieza, sair da frente dos icebergues na rota dos quais a barca do adversário pode seguir. Governar implica sempre essa gincana através de vários obstáculos. Até governar Partidos. Mas cada manobra dessas, de um Partido, pode prejudicar não apenas o adversário mas, se o adversário for o Partido do Governo ou a Democracia, prejudicar o País. 


Ora, o primeiro problema do PSD pode ser encontrar o adversário, porque, ao que parece, também essa agenda está a ser controlada por outros. Falo dos que citam fundador comum: Francisco Sá Carneiro. Como não citar, nem que seja só para chatear “os manos”, os ensinamentos dos Pais? É uma táctica miúda, mas suponho que eficaz. 


De qualquer modo, parece-me que o PSD apostou no que quis, que é o que acontece em Democracia, mesmo não “indo lá”, ao voto, e deixando que outros decidam. E o que quis compete melhor com o mano adversário das exclamações do que com a alternativa ao lugar de governo. Tipo (como dizem os miúdos): “primeiro ganhamos e depois logo vemos”. Ou se calhar porque não saberiam fazer melhor… 


Mas também porque têm outro mano, ou primo, mais espevitadote, cheio de iniciativa em cartaz e com um discurso que não aposta em capitalizar o protesto de massas que marinam na insatisfação, mas em capitalizar a promessa de um unicórnio para cada jovem, o que nasceu do disparatado discurso de que basta sonhar para conseguir vencer na vida. Nem que o sonho passe por deixar para trás quem já acordou caindo da cama. 


Enfim, eu gostava mesmo era que só os icebergues covid, guerra e consequente inflação e galopante degradação ambiental, que ambas provocarão, derretessem. E saíssem da frente do progresso, esse barco nem sempre muito amigo mas que, como um quebra gelo, permite à Humanidade avançar. E não, não estou a impingir unicórnios, nem a berrar que “são todos iguais”. Aliás, gosto mesmo é de diversidade. Da que tenta conviver com a diferença, hierarquizando o que é realmente importante. 

24.5.22

Quando Marcelo queria saber quem lhe fizera “aquilo” na cabeça

 Eis senão quando, a propósito da visita de Costa à Ucrânia, se dá a oportunidade de vingança pelo trabalho de conjecturas bem feito na comunicação social sobre vários assuntos de que Marcelo se julgava detentor do monopólio da notícia fresca. Perante a inoportuna birra de vingança (que também se juntará provavelmente à birra pelo facto de Marcelo ainda não ter sido convidado, como já foram Costa e Santos Silva, para ir posar no cenário de guerra), ficou evidente que não há segredos entre São Bento e Belém. Escusa o Presidente de vir dizer, daqui para a frente, que o Governo “faz caixinha” com o que quer que seja. Não nos esqueçamos disto, de ora em diante.


Esta vingançazinha teve o dom de me fazer ir buscar um clássico ocidental (e talvez não só) da literatura infantil. Trata-se de um livro-álbum alemão, que quem lida com crianças há 20 anos certamente conhecerá: o título em português, traduzido na editora Kalandraka, é “A Toupeira que queria saber quem lhe fizera aquilo na cabeça”. Trata-se de um enredo quase policial, ao estilo “whodunit” (palavra que condensa a pergunta “who done it”), vivido por bicharada, como é apanágio das obras que se dedicam às crianças e de longa tradição para todos os leitores, pelo menos desde Esopo.
Neste divertido álbum de 1989, autor e ilustrador (Werner Holzwarth e Wolf Erlbruch), a toupeira sai do seu buraco e um dejecto achouriçado aterra-lhe em cima da cabeça. O percurso da investigação, vertido quer no texto verbal, quer no icónico das ilustrações, é todo ele muito cómico. No final, descoberto o culpado, vemos a vítima a “fazer a vingança”: umas bolinhas de caca de toupeira aterram orgulhosamente em cima da cabeçorra de um tranquilo mastim.

Ao revelar a data, ainda que aproximada, da visita de Costa a Kiev, Marcelo poderá ter incomodado pouco o próprio Costa, tornando até ridícula a revelação. Ridículo tornar-se-á também o revelador, se pensarmos que o segredo não é aqui um salamaleque de salão, mas uma regra dos sistemas de segurança do mundo inteiro. Se bem se lembram, quando por alturas do Natal, por tradição, algum membro do Governo se desloca a cenários de guerra onde estão tropas portuguesas para desejar as Boas Festas, que o serão de espírito muito condicionado, só sabemos do ocorrido e não se anuncia previamente a ocorrência.

Este deslize intencional do Presidente da República, porque não creio que não o tivesse sido ou estaríamos perante outro tipo de caso agudo e grave, não foi só ridículo. Foi preocupante, mesmo tendo sido cómico. O que também é clássico.

17.5.22

Os rascunhos que são “gordas”

 Há notícias que, de tão bizarras, merecem mais do que ser só isso: notícias. Deixando de ser só notícias, podiam mesmo é não ser nada, dando não apenas valor ao silêncio, como fazendo um favor à educação para a cidadania, evitando-se o exemplo nefasto. É que o exemplo, por mais voltas dadas às teorias para a educação, é o seu coração. Já os humoristas, que sabem que em palco não são exemplo para ninguém, dão o devido valor a estas notícias, dando-lhes exímio uso. Alguns até conseguem ser eleitos presidentes de países, e tudo.


Mas agora a sério, tão a sério como questões de vida e de morte: são notícias que merecem detalhe, explicações cabais, contraditório. Tudo com o mesmo nível de estridência que “as gordas” dos jornais têm; as que, toda a gente sabe, fazem babar uns e espumar outros. Sendo que uns e outros são, não apenas os que não têm possibilidades de saber mais, como os que sabem tanto que os mantêm nessas impossibilidades. E é o que vende, claro, no sempre negativo saldo para a informação e, por isso, com perdas na democracia; com lucro fácil só mesmo no tribalismo e na grunhice.

Uma das que saiu ultimamente foi a relação da eventual avaliação de desempenho dos médicos de planeamento familiar pelo número de abortos que conseguem, ou não, evitar. Para além de escabroso, por se ter focado numa questão que para além de médica tem questões morais que lhe estão associadas e são tema ainda fracturante na conversa de café, o caso tem todos os ingredientes para ser polémico - se for mesmo assim - ou para ser ridículo - se for só um rascunho.

Polémico, porque é potencialmente discriminatório se não se perceber o contexto e o “caso-floresta” em vez de nos concentrar no “caso-árvore”; no fundo, também por envolver três palavras suculentas que assanham discussões em várias mesas de café: avaliação, médicos e aborto. Ridículo, porque, nas diferentes negociações de qualquer assunto complicado e específico, é preferível que, em fases de discussão, de ensaio, o chamado “brainstorming”, as propostas não sejam logo publicitadas. A menos que a proposta vencedora logo em fase preliminar tenha razões para ser arrasada por quem se bateu, convictamente, contra ela. Nestes casos, servem bem como argumento de oposição. Assim cheguem a ser “gordas”.

E o que acabou por acontecer foi precisamente uma correcção do caminho levantado como hipótese e o assunto terá morrido, pelo menos nos termos em que foi criado. E com ele, com o caso particular do aborto e do planeamento familiar, os assuntos “médicos” e “avaliação” continuam no laboratório dos técnicos e especialistas. Talvez abortados. Ou à espera que se esqueçam deles. Ou, para o pior ou melhor, até que chegue uma “voz de dono”, de um político claro, que assuma esse odioso e arrisque a sua reputação, nas mesas de café e, outra vez claro, na urna dos votos que é onde também se enterram políticos.

Notícias podem, e devem, alertar os cidadãos. Melhores notícias permitem melhores alertas. Esta notícia que circulou foi mesmo sobre quê? Avaliação de médicos ou aborto? Talvez valha a pena perceber para que serve publicar “às massas” um rascunho.

10.5.22

Virada do avesso

 Foram sobretudo dois os temas que, ao longo da última semana, excitaram as hostes de oposição ao Governo (as que ocupam espaço público, ou pelo menos alguns cantinhos, vá): os russos que eram nossos amigos e já não são e a variação dos preços dos combustíveis. Se ouvi e vi muitos moderadores-jornalistas a tentar adentrar por caminhos argumentativos mais sólidos e menos frequentados por quem insiste em entoar uma música ambiente monótona e ensaiada; também assisti a “cheerleaders” espicaçando o coro para apenas tentar que se subissem decibéis ao mesmo coro batido. 


Num quadro circunstancial em que não se destacam lideranças nem novas e fortes, nem resistentes e carismáticas, os Partidos da oposição, quando  folgam da discussão do orçamento e acorrem ao que a comunicação social vai lançando como isco para que haja sempre assunto, são uma verdadeira “seca”. Vão buscar argumentos ao baú, saltando por cima dos caixotes em que os próprios guardam muito do seu legado; fulanizam e perdem a perspectiva absolutamente necessária do conjunto. 


Tem-se destacado o PSD a preencher esse espaço, naturalmente, já que é um dos três Partidos que vai tendo quadros a fazer política em vários níveis, lugares e ocasiões. O outro, para além do que é da cor do Governo e que andará em modo de defesa, está tão amarfanhado a ser mais soviético que os russos, que, para seu bem, quanto menos aparecer, melhor. Mesmo que ainda ocupe o espaço da contestação organizada em sindicatos, num trabalho sempre muito persistente que lhe é próprio. O que é certo é que, no que respeita ao discurso da oposição (e se não é, parece muito), vale tudo para que “quanto pior, melhor”. 


Sobre os cidadãos russos de quem se desconfia que um possa ser espião ao serviço de Putin, não percebo qual o espanto que isto alguma vez, no contexto de guerra, não viesse a acontecer. Daí a generalizar-se uma situação… Então não foram benéficas as associações que acompanharam as comunidades do leste europeu na integração em Portugal nos últimos 20 anos? E quantas associações luso-brasileiras há por esse mundo fora a fazer o mesmo aos “nossos” que se afastam de cá? Sabermos da existência, por denúncias e consequentes processos, de averiguações de situações destas, eventuais, é sinal que, mesmo não sendo com a ideal antecedência que as evitaria, as instituições estão a cumprir e a fazer o caminho que tem de ser feito. Comecemos por nos ficar pelo repúdio ao alegado espião enquanto representante de Putin lá no bairro, esperando que eventualmente venha a ser considerado persona non grata. E se houver quem intencionalmente impeça, depois das averiguações feitas e concluído que é um espião, que as consequências se apliquem e que esse alguém tenha o tratamento previsto. 


Já sobre os preços dos combustíveis, não se percebe como é que os que, ao mesmo tempo que exigem menos Estado, se espantam que as gasolineiras não estejam mesmo a aproveitar-se da guerra para fazer negócio e manter os preços altos, enquanto o Estado não tem os instrumentos legais para actuar. Acusam esta iniciativa, uma espécie de “dinheiro de helicóptero” chamado Autovoucher, sem a coerência com que concluem que a subida dos combustíveis afecta mais do que só automobilistas. Por favor, entendam-se e não persistam na instalação do espírito “sol na eira e chuva no nabal”. Parecem os outros a quererem ser democratas e imperialistas ao mesmo tempo, mas em latitudes e longitudes diferentes. Não é deste falso equilíbrio que a difícil coerência, que a Política exige, se consegue. Fazê-lo só serve mesmo para distrair o cidadão das incoerências de quem o faz.

26.4.22

Revolução, não sejas francesa!

 No fim-de-semana em que celebrámos a Revolução dos Cravos, ficou democraticamente decidido quem ficará à frente dos destinos do país que inaugurou as revoluções modernas no Ocidente. Não sendo a primeira vez em que os eleitores, os que dão a vitória, chegam a uma segunda volta a escolher o menos mau, as circunstâncias actuais da sede imperialista do governo russo, pronto a mancomunar-se com Le Pen, transformou essa possibilidade numa situação de “alerta de perigo iminente”. 


A Revolução Francesa de 1789 estabeleceu três dos que são, ao mesmo tempo, conceitos de princípio e de fim a alcançar. Liberdade, Igualdade e Fraternidade são valores que nunca poderemos dar como definitivamente conquistados, no sentido de se construírem constantemente. E de não poderem deixar de o ser, precisando que todos os democratas, da esquerda para a direita, inscrevam nos seus princípios de acção os que considerem os melhores percursos para os conquistar. Ou irem conquistando. 


A percentagem de votos para Le Pen vem mostrar que a França, que é dos países que tem mais cidadãos politizados, apesar disso, foi capaz de votar massivamente numa praticante de ideologias de um Partido extremista que, do que lhe sobra da Democracia, só precisou dos votos a legitimá-lo. A Democracia não sobrevive com saúde em governos que, mesmo eleitos democraticamente, confundem o “amor à sua terra” com nacionalismo e tenderão a resvalar para a xenofobia. O histórico ensina-nos isso mesmo, ainda que também nos ensine que as coisas se podem recompor. Mas não sem guerras ou revoluções, as soluções em que morre gente. Honrar essas mortes é também evitar que, por razões análogas, se repitam, que as lições se aprendam. 


Os resultados das eleições francesas são também o resultado de um ambiente político que não é estranho aos restantes países europeus. Sobretudo os que têm um passado mais partilhado e ficam situados numa faixa que vai de Paris ao Mediterrâneo.  É que cada vez que oiço um certo deputado nacionalista dizer que, e cito, “os portugueses precisam de saber” (ou variantes), seguindo-se um chorrilho de frases de ódio e simplismos ocos, temo que os órfãos de outros extremos, que se revelam agora dando tiros nos pés desamparando a Democracia para amparar o imperialismo, venham encher esses ocos com tudo menos com os valores da Democracia e do Progresso. Temos que estar muito atentos, nós os democratas que se preocupam em despolarizar, os que temos voz em público e a oportunidade de contribuir para dar opinião e ajudar outros a formar a sua opinião, não deixando que se confunda liberdade de opinião com revelação de traços de mau carácter.