20.12.22

“Habituem-se!” é tramado de ouvir e pode estragar um Natal

 As reacções da oposição à entrevista do Primeiro Ministro dada na semana passada à revista Visão foi de choque. Confesso que também eu fiquei surpreendida: julguei que o PM iria manter o tom morno com que tem reagido às frechadas de que são alvo costumeiro os governantes, sobretudo os que escolhem a moderação. Os que não chegam ao poder e vrouuuuum! desatam a dizer que vão fazer isto e mais aquilo, ou a fazer tudo numa sangria desatada.


A tendência nestas barracas de tiro, e não havendo propostas alternativas, é apanhar da esquerda e da direita. E não é à vez, é ao mesmo tempo, o que me leva logo a desconfiar de que a coisa é capaz de estar equilibrada. Falo de medidas políticas e não de deslizes que, obviamente, eram escusados, só deixam mossas, são maus exemplos, sujam o sistema democrático, mesmo não tendo grande impacto na governação que influencia a nossa vida do dia-a-dia.


Até agora, muitas vezes chegou a parecer-me que as reacções do PM à conversa da oposição, da mais oca à mais “encartilhada”, eram reacções de quem persiste em sofrer da chamada “síndrome do impostor”. Para que fique claro, este comportamento assim chamado designa o que sente quem não acredita no seu valor, mesmo quando confrontado com provas de que é capaz de executar as tarefas que lhe são atribuídas com sucesso.


Ora, a entrevista vem pela primeira vez chamar as coisas pelos nomes - falo do que quer dizer “maioria absoluta” - usando, para responder às críticas factos e para se referir à actuação das oposições nos exactos termos que elas ensinaram os seus públicos, ou eleitores, a compreender.


Baixar o tom a este nível não é bonito, mas a fasquia neste obstáculo não foi o PM que a pôs. Está espalhada por vários outdoors onde os insultos começaram, como no sentido da escrita ocidental, no lado esquerdo da folha pautada(o hábito de chamar ladrões é mais que vintage) e chegaram ao ponto mais à direita da linha.


Enfim, a azia provocada por estas “rabanadas” dificilmente será mitigada pelas notícias que, em tempos tão maus em todo o lado, parecem prendas no sapatinho de muitos, provavelmente os que deram a maioria absoluta ao PM. Ainda para mais quando nos votos para o ano que vem, em que as mudanças desejadas até aos píncaros da Lua ganham contornos de impossibilidades, só um imperativo ecoará em muitas cabeças: habituem-se!

Para quem me oiça ou leia, cá vão os meus votos, imperativos a gosto: que tenham umas boas festas, boas entradas e até para o ano.


13.12.22

O valor dos primores

 Que bom foi receber a notícia que vai ajudar a mudar Évora e o Alentejo até 2027! E logo em dia de chuvas abundantes, algo relativamente extraordinário, que é quase sempre lido por mim como ambiente perfeito para nascerem heróis, criação de ficção que ensaia a vida. Colheu-se o primeiro fruto, resultado de vários trabalhos e cultivadores antepassados. Árvore fértil, ou generosa que acolhe o fruto de outros, dará mais frutos que confirmarão que os milagres afinal podem acontecer todos os dias. Sem regateios, tomemos o primor nas mãos e avance quem por ele se sentir alimentado e com força para o repartir com os demais.


Dentro de mim, gosto de pensar que os meus melhores frutos vão poder dizer, mesmo longe daqui por escolha e possibilidade, que nasceram numa capital. Tem sido nisso que penso e me empenho em tudo o que faço em Évora. Até porque a camisola que visto, com todos os apertos, piores dias, arrelias e desgostos, é a de uma instituição que leva o nome da cidade e da região. Mesmo quando reparo que não é por mim, nem por ela, nem pelo agora, que os elogios começam, mas pela cidade e pela região, a responsabilidade cresce e recompensa-se com os elogios que, no fim, consigo conquistar. E se não chegam, depois da desilusão e tristeza, prossegue a luta, com a elevação que me sai natural mesmo que com dor e me permite ser feliz na vida que vou escolhendo.


E tão mais feliz me sentirei a partir deste dia 7, se também isso significar o fim da descriminação tão demasiadas vezes ouvida do “não ser de cá”. Tantas vezes peneirada pela rebuscada genealogia que parece ter de apresentar-se como passaporte obrigatório para se ter direito às partilhas: as que recebemos e as que damos. É também isto cultural e, por isso, sujeito às dinâmicas que expectavelmente abandonam o atávico em favor do humanismo progressista. Só assim, dizer que a Cultura, esse conceito tão poliédrico, está no centro, como os discursos proclamam, corresponderá ao que é fazer o caminho certo. Estamos aqui para isso.


6.12.22

Cantar ou sussurrar o Amanhã

 Hoje muitos de nós estamos a fazer figas para que Évora seja escolhida amanhã Capital Europeia da Cultura em 2027. Não sei se o processo da candidatura teve algum impacto na conquista de mais públicos para a cultura, ou se a comunidade directamente envolvida já estava contente com “o seu público”. Os confinamentos de 2020 e 2021 não terão ajudado, nem Évora, nem nenhuma das outras candidatas. Uma cláusula de regulamento extra que não servirá de desculpa às perdedoras e deixará à vencedora oportunidade para voltar em força ao espaço público. O que o desconfinamento de 2022 já poderia ter vindo a anunciar, talvez ainda a coberto do medo é certo. De qualquer modo, os dados, bem ou mal, estão lançados.


Um texto divulgado no final da última visita do júri à cidade dizia assim, em forma de balanço:

“Sentimos que tivemos a cidade, e o Alentejo, caminhando connosco. E acreditamos que o júri nos sentiu também.

Com a cultura ao centro, este é um projeto coletivo que se faz para as pessoas, e que não se faz sem as pessoas. Por isso, agradecemos a todas as pessoas, entidades e organismos, de Évora e de vários pontos do Alentejo, que ontem, e ao longo deste caminho que percorremos juntos, deram a sua voz à voz desta candidatura. Sozinhos sussurramos, juntos somos um coro: e ontem, fomos um coro.

Até lá, é preciso manter vivo este alento que o Alentejo contém, e continuar a acreditar, a inspirar, a partilhar, e a mobilizar, para trazer o título para Évora, e o Alentejo, como queremos.”


Este balanço em tom poético, jogando com palavras que se aproximam (como “alento” e “Alentejo”), ou que se entoam harmoniosamente (como “sozinhos sussurramos”), soou-me a que se reconhece a participação e se anuncia, surrateiramente, que se colocará aos ombros do “colectivo” o peso do resultado. A ver vamos se assim será…


Isto, bem entendido, são impressões de quem, por motivos vários, tem acompanhado o assunto com a mesma distância de uma pessoa que morando, trabalhando e pagando impostos em Évora, não é assídua frequentadora dos seus eventos culturais, ainda que atenta à agenda que divulgou os que promoveram a candidatura. Agenda que me pareceu consistente com a identidade que, sobretudo olhada de fora de Évora e do Alentejo, se tomou como consolidada: o retrato do vagar. Vinda de dentro, a apresentação parece desvalorizar o anedótico e cavalgar as queixas de uma certa contemporaneidade que se deixa enredar no vórtice da velocidade. Veremos se funcionará, sendo Évora, como espero, Capital Europeia da Cultura em 2027. Que tenhamos saúde para lá chegarmos!


Até para a semana, esperando poder voltar por bons motivos a este assunto.