Não podia deixar de falar sobre as indefensáveis
declarações do ainda Ministro das Finanças holandês e Presidente do Eurogrupo,
bem como das reacções, talvez agora já menos exaltadas, que geraram. A polémica
é, para quem ainda tivesse dúvidas, mais uma prova da importância das
metáforas, e do seu uso, na vida de todos nós. E também, está visto, uma
maneira de deleitar jornalistas e políticos ávidos de desviar atenções de
índole necrófaga destes mesmos profissionais.
Arrumemos já a questão estilística: a
metáfora usada não é bonita. Como não tinha sido aqui há uns tempos a que
aproximava a concertação social com uma feira de gado, por muito que quem o
tenha dito tivesse pedido as óbvias desculpas e respeitasse, efectivamente, uma
e outras. O discurso político, em várias épocas de que há registo, nunca se
pautou sempre e só pelo uso rebuscado e elegante das palavras. Aqui, também não
há novidade.
A crítica à imagem das “mulheres e vinho”
faço-a pela desigualdade de género, completamente desfasada dos tempos
contemporâneos. Se tivesse usado “prostituição”, que até está, e eu concordo, a
ser matéria de discussão, regulamentação e despenalização em Portugal, estaria a ser igualmente moralista mas não
sexista. Acrescento que a metáfora, assim corrigida e polida para “safe sex e bom vinho”, pode até ser um
bom slogan para atrair investimento
na região mediterrânica onde as safras são normalmente de excelência e as
relações humanas calorosas. Tudo qualidades, portanto, e que podemos devolver ao
senhor holandês. Ele sabe do que fala, também nesta área, porque tem lá na
terra dele um Red District que é
atracção turística, bem como umas coffee-shops
que lhe dão algum nacional reconhecimento identitário e económico.
Relativamente ao essencial da questão – o mau
uso de dinheiros públicos europeus por determinados países – o Ministro e
Presidente de um Eurogrupo, em vésperas de sair dos seus cargos, a bem ou a
mal, sabe do que fala, mas escolhe só falar do que lhe interessa. Qualquer
pessoa desentendida em políticas públicas perceberá muito bem a metáfora e, se calhar, até já a
usou caso tenha a felicidade de ter tido para emprestar e a infelicidade de ter
amigos mais avessos às economias domésticas.
A indignação dos políticos responsáveis de
cada nação ofendida é compreensível, e pode sê-lo realmente, se comprovarem que
os fundos europeus foram bem geridos e aplicados e, portanto, a metáfora não se
lhes aplica. Parece-me que é coisa que deve ser possível fazer, com tantos
formulários e relatórios a que estas medidas obrigam. Força! Estou convosco
nessa luta! Acho até que o senhor holandês, e para vermos o lado positivo da
coisa, pode contribuir para o incremento (ou talvez seja mesmo implementação)
da prática assídua e generalizada da prestação pública de contas, que tem em
inglês a bonita palavra accountability.
Não fazia mal nenhum a muita gente e instituições...
Ah, claro! Depois há a questão da solidariedade,
valor em que assenta a União Europeia e que, essa de facto, tem estado muito
maltratada, não só em discursos de palanque ou púlpito, mas em atitudes
expressas em documentos oficiais. Mas também devo dizer que, para quem já ouviu
um Presidente de Câmara comunista afirmar que não lhe parecia justo que Câmaras
bem geridas contribuíssem para um fundo financeiro de socorro a autarquias
endividadas, nada disto é novidade. E usando a expressão que alguns políticos
costumam utilizar para acabar com conversas: quanto a este assunto estamos
conversados!