Diverte-me
sempre muito nascerem discussões pintadas de ideologia em torno de centros
comerciais. Ou de feiras, já agora que estamos no meio da anual feira eborense.
Diverte-me o amplo consenso a que um executivo municipal, com maioria absoluta que
usa no que lhe interessa usar sem dar cavaco a ninguém, faz apelo sobre a
construção de um centro comercial. É que não vá o diabo tecê-las, a coisa ser
um fiasco, e haver assim com quem repartir desculpas. Pois, como todos sabemos
(todos os que vendem e os que compram), os negócios são o que de mais arriscado
há numa sociedade onde o capital rege todos, até aqueles que tanto o acusam e
usam para manter acesa uma luta de classes de que precisam na contemporaneidade.
E depois há aquela oposição que prefere enredar a sua posição para não ter que
vir a assumir responsabilidade de coisa nenhuma, tão certos estão de
controlarem o futuro que, vão prometendo sempre, seria com eles um amanhã
cantante, com ligeiros nuances da oposição que conseguiu a posição de governo e
onde se fazem oitos com pernas de noves para dizer que se quer sempre dar tudo
a toda a gente. Menos ao patrão, claro. Esse que se desembrulhe que é rico.
Pelo menos até ao dia da falência e dos salários em atraso.
O que
interessa a um município em que investidores privados queiram nele fazer o seu
negócio? Que este reverta a favor dos seus munícipes, claro. Bons acessos,
melhor trânsito, até espaços mais bonitos à volta. Que essa reversão não
implique nem perda de uma identidade - se essa for realmente forte e agregadora
dos munícipes que aí permanecem e não desertaram ainda -, nem menor qualidade
de vida. Um centro comercial, se for uma coisa tão bem feita como todas as
coisas que estão em espaços públicos e de uso o mais comum possível devem ser,
encaixa-se em qualquer espaço que o torne sustentável e que beneficie com a sua
presença. Tenham ou não monumentos ao lado. Aliás, há edifícios modernos de
usos múltiplos e até muito comerciais que, mais cedo ou mais tarde, serão
certamente candidatos a tornarem-se património de interesse do local onde
estão. O património de hoje foi construído ontem, o de amanhã será o que
acrescentarmos àquele e que é de hoje. Não percebo o que há de obscuro nesta
fórmula, para além de uma vontade incontrolável de olhar para o futuro com a
nuca.
A
aparentemente renovada discussão e necessidade de amplo consenso em torno de um
segundo centro comercial em Évora, diverte-me quase tanto como o anunciado
cinema no canteiro, ali para os lados do terminal rodoviário, e de tão bom que
era nunca por ali estacionou. Agora já é tarde, claro, que para cinema pop-corn
já temos salas lá mais para a zona industrial, onde a cultura que se sustenta a
si própria, ou pelo menos tenta, não tem preconceitos em estar porta com porta
com o operariado. Tal como me diverte a também adiada discussão. sempre à
procura de um obviamente inexistente amplo consenso terrestre ou galáxico neste
tipo de assuntos, em torno de uma feira anual de comes e bebes, farras e rifas,
toiros e fados, cacos, trapos e carrosséis, do “vê e sê visto”. É sempre uma
boa maneira de se ir passando os restantes 355 dias de um ano. É sempre não
deixar de existir aquela enigmática e polémica pedra poética que tinha no
caminho escrito por Carlos Drummond de Andrade. E onde uma pedra ou é ou não é
só uma pedra. Enquanto pensam nisto, vão
à feira se forem de ir à feira e, se não forem, fiquem contentes com os que
gostam que ela resista, ano após ano. Mal não faz.