Do latim cor (coração) "de cor e salteado": conhecer algo perfeitamente. Do latim color (cor) sensação produzida nos olhos por ondas eletromagnéticas de uma certa frequência.
31.1.23
O País é Marcelo?
24.1.23
Isto & aquilo, etc & tal
17.1.23
Os rola-bosta
“O besouro rola-bosta tem um cérebro mais ou menos do tamanho de um grão de arroz, e, ainda assim, pode fazer coisas que não poderíamos nem imaginar. Basicamente, ele é todo desenvolvido para lidar com a sua fonte de comida, que é o estrume.” A explicação, encontrada à distância de um polegar, dada por alguém apresentado como especialista neste escaravelho (Marcus Byrne), em que se acrescentou o detalhe do tamanhinho do seu cérebro como para desvalorizar o outro bicharoco que tem e usa a “massa cinzenta”, é mais uma leitura extensiva da vida da criatura. Este acumular diligente natural torna-a personagem predisposta a metáforas satíricas.
A imagem lembrará o papel mais fácil, básico e pouco esclarecedor de qualquer oposição que apenas quer substituir quem está num lugar almejado: aproveitar a porcaria feita pelo adversário e dela se alimentar para protesto. Mas, sinceramente, o deslumbramento que a habilidade do escaravelho rola-bosta causa nos espectadores é que me parece uma imagem interessante para ser lida. Até triste, se descartarmos o factor curiosidade sobre a zoologia, sempre de louvar. É que tal reacção entusiasta para com esta estranha forma de vida em que assistimos a criaturas sem neurónios fazerem habilidades para sobreviverem, parece-me ir mais atrás da capacidade da “chico-espertice” do que da reflexão e dignidade do comportamento humano.
O rola-bosta é o que é, mesmo que o imaginemos protagonista de uma curta de desenhos animados: um insecto que age furtivo e rasteiro, como se aos mamíferos a bosta ainda lhes fizesse muita falta, e quando no fundo só está a evitar que outros rola-bosta lhe fiquem com o fardo que demorou a acumular. Podem agir como os mais espertos do pedaço, mas são e serão sempre rastejantes.
Encontramo-nos algumas vezes na vida com gente, mamíferos, que se julga mais esperta e diligente expondo, simultaneamente, algum orgulho em actuar furtiva e rasteiramente. Também nos cruzamos com quem use esses rola-bosta, seja por táctica ou por preguiça. E que no fim não apenas os aplauda, como ache incrível que não haja mais a aplaudi-los por esse lidar com o excremento e espere que se desça até ao mesmo nível. Pessoas assim, por mim, podem esperar sentadas… .
10.1.23
Censura & Escrutínio Ldo.
Na semana que passou, sem surpresas, um voto de censura transformou-se num voto de confiança. E simultaneamente, com surpresa, o Presidente da República com a sua incorrigível pressa de fazer as coisas a despachar, e toda a oposição também de comentadores em frémito, entregou à comunicação social a tarefa de escrutínio dos governantes. De agora em diante, estejamos disso conscientes, o mérito absoluto para chegar a cargos de governação terá parâmetros não de competência técnica ou política, mas ao nível da multa de excesso de velocidade ou da ocasional bebedeira viralmente divulgada nas redes do jovem rebelde da família. Os maus exemplos, como sabemos, espalham-se mais depressa e facilmente do que os bons.
Ser político é, desde há muito, das funções mais mal afamadas que se podem desempenhar, daí acontecerem afirmações, que assumo já ter também proferido, de que não se “é” um qualquer cargo político, mas se “está” nesse cargo. Claro que isso é também um acepipe para a maledicência fácil (a que tem graça à primeira e se esgota em repetições patetas), quando colegas de profissão, por exemplo professores, dizem que fulano era bom Secretário de Estado, e colegas de Governo, ou Partido, que era bom professor.
Esta situação, pelos vistos agora em em processo de mutação, tem levado a que candidatos a cargos políticos acenem os seus diplomas profissionais como as melhores credenciais para certas funções políticas. E que os que estão de facto ancorados aos Partidos e à Política aproveitem esses créditos sem um único ponto válido na actividade política para “vender” como o menos mal-afamado candidato e, lógica mas incompreensivelmente, o melhor candidato para o mal-afamado e triturador lugar político. Percebemos, então, que o cargo político está em boa posição para alcançar o pódio dos mártires.
Que longe estamos dos tempos em que se ouvia com confiança alguém dizer que um Político se assume… E que pena não deixarmos à geração dos mais novos um caminho em que, ao invés de quem se predispõe a gerir “a coisa pública” esteja de olhos no chão à procura de minas e armadilhas, preste muita atenção ao crescimento dos monstros do populismo que se estão a multiplicar. Alimenta-os o canto que embala com o mantra do “eles são todos iguais e andam todos ao mesmo”.
Por aqui, mantém-me outro farol que sigo para o que realmente importa e de que a Política é parte, mesmo no gesto mínimo: a voz que ainda me vai sussurrando “só é vencido quem desiste de lutar”.
3.1.23
O espumante dos dias
Que final de ano este, estratosférico e em dominó! Foi a bolha mediática a borbulhar em noite de Consoada, oferecendo-se a si própria uma prenda com asas, de maneira a chocar com a bolha política nacional, na qual a bolha marcelista efervesceu, reactiva como de costume, logo a seguir à Missa do Galo, originando, nos dias seguintes, o procedimento habitual que, na sua própria bolha, distrai o governo da governação e o ensimesma na sua vidinha, mas cuja distracção é uma festança para a bolha da oposição. E ainda não tínhamos chegado ao foguetório e às bolhinhas de espumante do Réveillon! O Réveillon é aquele momento sincrónico que mistura numa grande bolha-multidão, chamada Povo, as alegrias públicas e os desejos privados para recomeços. Falo, naturalmente, do caso TAP que em novo vôo levou consigo Ministro e Secretários de Estado. Enfim, o 2022 da bolha político-mediática terminou como um grande caldeirão-jacuzzi, nem sei bem se de água fria ou em ponto de cozer criaturas. E que promete continuar disponível em 2023.
Em 2015, ano do nascimento da Geringonça, escrevi sobre como os poderes da AR ao saltarem para as luzes da ribalta da nossa Democracia nos obrigaria a estarmos mais atentos ao que lá se passa e ao que de lá sai para influenciar o que governa ou impede o governo da vida dos cidadãos. E fomos assistindo ao nascimento de uma nova classe de comunicadores, em full ou part-time: os “political junkies” - que são, no meu entender, aquelas pessoas a quem o que mais interessa e ocupa os dias é a vidinha da política e a vida dos politicozinhos (o diminutivo refere-se à intimidade com que estes interessados normalmente encaram as figuras proeminentes do palco político, diminutivo que não apouca mas afaga com estima); são gente atenta que, como toma naturalmente partido porque tem opinião, nem sempre é isenta na sua agenda.
Em 2023, parece-me que se pode passar a uma outra atitude, complementar à atenção ao que acontece na AR. Uma vez que quem nos permite o escrutínio é o poder da comunicação social - e esta anda, competentemente na escavação de factos, de microscópio em punho, caso a caso - proponho que aos comentadores - (a maior parte dos tais “political junkies”), parte importante embora um pouco repetitiva (ou seja, os mesmos sempre em palco ou vários palcos) da comunicação social - proponho que coubesse o papel de olhar o conjunto e o horizonte. Falo de perceber antecedentes e consequências do que se comenta, com a consciência de que querer fazer opinião e conseguí-lo é um trabalho muito duro. E que pode inclusivamente ter impacto nas funções que opinadores venham a ser chamados a desempenhar, em particular em cargos executivos.
Curiosamente, esse palco mediático-político (tv’s e imprensa escrita) está a receber por estes tempos protagonistas mais reconhecidos no mundo da stand-up comedy (será um efeito Zelensky?). Aliás, estes profissionais passaram a estar em vários palcos (vi até um deles a comentar em telejornal o Mundial de futebol), numa interdisciplinaridade que, não sendo nova, certamente se poderá aperfeiçoar com tanta competência na disciplina de origem - a comédia - como na nova - a política, até da bola. Temos um caso brilhante, que todos devem conhecer, figura culta, informada e, claro, com aquele dom de nos fazer rir mesmo quando nos apetecia chorar ou, vá lá, praguejar. Mas outros começam já a aparecer, ainda titubiantes e infelizmente recorrendo à popular incoerência e desmemória típica de “conversa de debaixo dos arcos”.
Para estas conversas, bem catitas diga-se, há já toda a tal multidão que brindou com espumante no Réveillon, e cuja qualidade, a do líquido porque a outra, a da conversa, é transversal, vai oscilando com a disponibilidade do poder de compra. É a multidão que se concentra nas bolhinhas que trazem bem-estar ou azia, sejam elas trazidas pelos bem ou mal amados produtos que inebriam os “political junkies”. A esta multidão - que, afinal, é quem mais ordena e de que todos acabamos por fazer parte ciclicamente - faço um brinde de votos de um bom 2023. Bom porque os tempos não estão para querer o óptimo, não vá o destino pôr-se em jogadas e tornar-se inimigo e cruel…