30.5.16

Oposição em três tempos - Primeiro tempo

Passado meio ano de governação do Partido Socialista suportada no Parlamento pelos chamados Partidos da esquerda radical farei, em três partes e a começar hoje, algumas considerações sobre o que considero ser mais um aspecto da Democracia que merece algum investimento do cidadão contribuinte e votante, quanto mais não seja em atenção e atitude crítica. Note-se que uma atitude crítica não significa aqui forçosamente discordar, mas sim formar uma opinião com o maior número de dados e a melhor informação possível, o que pode ser logo um princípio de “conversa” difícil. Mas antes de começar importa que eu faça uma declaração de interesses: o tema é a oposição e eu pertenço agora a esse lado do sistema político, no caso local, eleita como independente numa lista do Partido Socialista, sendo oposição do Partido Comunista e não, seguramente, numa mesma oposição do Vereador eleito pela coligação PSD/CDS. Situação que se prefigura estranha quando apenas fazemos comparações, pouco ponderadas, entre Partidos como se de Clubes se tratassem mas que, como associações de ideologia e acção políticas com princípios escritos em declarações com que os que neles militam se reveem e com responsabilidades na gestão da vida de todos nós, serão certamente muito mais do que lugares comuns de paixões atávicas.
Importa mesmo, e ainda, que se saiba que estou consciente de duas coisas: a primeira é a de que um eleito deve aos que o elegeram fazer cumprir os princípios com que concorreu às eleições, sendo que na oposição muito dessa acção não conseguirá ir mais além do que tentar que quem está na governação não tenha uma acção que se considere nefasta, sempre em relação aos princípios que se assumiram e que foram a votos, para os interesses dos cidadãos em geral; a segunda certeza que também tenho é a de que, na posição que ocupava na lista concorrente à governação do Município de Évora, os votos obtidos não chegaram para que eu tivesse sido directamente eleita, só tendo assumido as funções de Vereadora da oposição por renúncia ao cargo de quem estava antes. Estas questões que parecem pormenores não devem, no entanto e na minha opinião, ser esquecidas por quem no sistema eleitoral em vigor na nossa Democracia se desloque às urnas quando é chamado a fazê-lo. Somos tentados, de forma quase natural (não o sendo já que tudo é normalmente muito bem encenado para tal), a pensar que apenas votamos nos primeiros de uma lista. De facto, só ao cargo de Presidente da República cabe esse peso e responsabilidade solitária. Tudo o resto é trabalho de equipa, em que as lideranças, para o bem e para o mal, são no entanto fundamentais.  
Para desenvolver este tema da oposição, e para cumprir o que no início desta série de crónicas que se vai aproximando dos tempos de vilegiatura, que é como quem diz em férias e ausente deste espaço da palavra em público, vou desde já, nesta crónica introdutória sobre o tema, citar não uma mas duas constatações de Vergílio Ferreira que me serviram de mote ao tríptico. Na primeira o filósofo e escritor diz que «A pátria, como tudo, és tu. Se for também a do teu adversário político, é já problemático haver pátria que chegue para os dois.». Na outra afirmação, não forçosamente aplicada à área da Política, Vergílio constata que «Não se tem simpatia se não houver seja o que for de admiração: tem-se apenas tolerância ou piedade.». Uma e outra serão, pois, o mote para as duas crónicas que se seguem.

Poderemos começar a adivinhar que isto da Política no século XXI afinal rima com toda a conversa dos afectos, das inteligências emocionais, uma espécie de descoberta e fúria de teorização e empirismo do que, há muito, as figuras que ficaram como proeminentes na História Universal do Homem, sabiam exactamente como ir gerindo consoante aqueles a quem se propunham servir. E como todos sabemos, na galeria dessas figuras há de tudo, do criminoso ao cidadão-modelo, e em matizes diferentes, e que se chegaram a sê-lo foi muito graças a acções e atitudes de quando, antes de governar, tiveram na oposição. Mas se não tivessem saído dela, provavelmente, não teriam tido a oportunidade de marcar a História. Para o bem e para o mal.

23.5.16

Humanidades

O ano lectivo na Universidade está a terminar. Começam os exames. Alguns terão três longos meses e meio de férias pela frente. São os que fizeram as frequências, seguindo a avaliação contínua, vendo-se recompensados por um esforço que distribuíram ao longo do semestre. Outros lá tropeçaram aqui ou ali e terão que tentar, mais uma vez, esta ou aquela matéria menos estudada, entendida, apreciada, pior transmitida. Porque já se sabe, dos dois lados da sala, frente a frente, estão sempre seres humanos. Falíveis, instáveis, por muito competentes e esforçados que se revelem ou os declarem. Há que melhorar, sempre, e a Universidade, como o Mundo, tem esse percurso como destino a alcançar.
Na área das Humanidades e das Ciências Sociais estamos à espera de encontrar quem se ocupe e preocupe mais com metafísicas do que com físicas, mais com comportamentos, formas e métodos de interagir entre indivíduos, entre si e em grupo mais ou menos alargado. É aqui que podemos tentar iludir e ultrapassar o que é físico, químico, comandado por reacções quase predestinadas, e usar o pensamento para além do técnico que, vamos lá ver, sempre é o que nos salva a vida e nos dá, em princípio e se tudo correr pelo melhor, o conforto material da evolução civilizacional. E até nessas áreas haverá momentos em que as certezas que se conquistaram contêm em si histórias que parecem do domínio da ficção e que, por isso mesmo talvez, contribuem para a evolução e para o progresso da Humanidade. O saber, o conhecimento, a técnica, tudo nas mãos de seres humanos a investigar, a ensinar, a aplicar.  
O que é também interessante na instituição Universidade, que é uma Escola onde cada um, e cada vez mais felizmente, deveriam poder encontrar a totalidade, a universalidade, reflectida nos percursos possíveis do conhecimento, e fazer nela o seu caminho aprendendo, onde já ninguém se não o próprio se encarregará da sua Educação, é precisamente a sua semelhança com o resto do Mundo. Mas é lá também onde se espera que estejam os que, pela primeira vez, modelam adultos, sem a intervenção protectora de pais ou tutores, servindo de exemplo numa outra fase de maturação aos que por lá passam e continuam depois o seu percurso pela vida, desejavelmente ganhando uma autonomia libertadora. É assim, pelo menos em teoria.
Tenho para mim que numa sociedade em que as dinâmicas políticas e sistémicas permitem uma muito maior mobilidade social, com o acesso a instituições que antes só serviam elites, o quão mais trabalhoso e responsabilizador é para quem nelas trabalha: colaborar ensinando, e portanto dando o exemplo, a serem bons usuários dessas instituições. Enriquecendo-as, até, com a sua participação que deve ser sempre bem vinda quando é esse o seu fim.      

O Vergílio Ferreira que há 70 anos estava a terminar o seu primeiro ano lectivo neste espaço que agora é Universidade e então foi Liceu, apesar da figura enigmática e do feitio a adivinhar-se mais para o taciturno, inspirou e motivou muitos dos seus alunos. Ele já tinha percebido que para além de ensinar com rigor esta ou aquela matéria, necessária, útil, trabalhosa, a que daremos muito valor num contributo determinado para a sociedade, outras capacidades aparentemente inatas ao ser humano tinham muito para ser trabalhadas por quem e para quem ensinar é mais do que isso. E onde o termo e o conceito de Cultura devem ultrapassar as paredes de uma sala de aulas numa Universidade e…entrar nela, aperfeiçoando-se e aperfeiçoando-a. Ele escreveu: «A cultura é o modo avançado de se estar no Mundo, ou seja a capacidade de se dialogar com ele.» E isto também se deve aprender lá dentro. E praticar.

16.5.16

In & Out, Público e Privado, les Uns et les Autres

Hoje apeteceu-me mesmo escrever uma crónica sobre as virtudes dos outsiders. Os outsiders são aqueles que vindos de fora entram num sistema remexendo-o com impacto. Os outsiders deixam de ser bem vistos por aqueles que se deslumbram com o que vem de fora mas que, depois, do que afinal gostam mesmo é que tudo fique na mesma. O que é impossível com essa espécie de ser humano mais cosmopolita, o outsider, que viu mundo e se dispôs a trazer o mundo para dentro de um quintalinho. Ele até cabia, mas era preciso que tudo se re-arrumasse em novos moldes e não ao jeitinho deste ou daquele, dos que já estão habituados a viver assim há upa, upa… O outsider pode, pois, ir e vir, de onde menos se espere, e leva ou traz consigo o que de melhor cá ou lá aprendeu.
Outsider que é outsider pensa fora da caixa, que é também como quem diz que pensa fora da panelinha, do circulozinho, da quintinha. E quando pensa assim, fora da caixa, e consegue transpor para a acção esse pensamento, outros beneficiarão da mudança ou, ainda melhor, aprenderão também a pensar fora da caixa. Pensar fora da caixa não é pensar mais ou maior, é pensar livre de palas e jugos, em função de valores que se adequem, até institucionalmente, às funções que se exercem, aos papéis que se desempenham, aos compromissos que se assumem.
E que feliz será o sistema que acolha um outsider assim e aprenda com ele. É que ele permite que quem se sinta fora desse sistema possa encontrar o seu lugar. O autor de Aparição, a que vou dedicando a série deste ano das crónicas, disse, e ficou escrito, que: «O prazer que nos dá uma ideia de outrem, com que concordamos, vem-nos da ilusão de que fomos nós que a inventámos. Até porque fomos. Mas só agora o soubemos.» É assim, digo eu, que criamos uma identificação, é assim que descobrimos que não estávamos errados e nos sentimos estimulados a lutar contra uma corrente, se a corrente não nos levar por caminhos rectos e de bom destino.
Hoje apetecia-me fazer uma crónica sobre um ministro que entrou a lutar em nome do bem público e do interesse geral, que é o que um ministro em democracia tem mesmo de fazer. Sobre uma equipa que, afinal, vai só fazer cumprir com o seu trabalho, nada fácil, o que diz a lei e a Constituição, zelando pelos bens que cada cidadão lhe confia para gerir. Que, sem preconceitos, conta com todos os que de boa-fé sigam também esses princípios que às vezes parecem ter morrido e é necessário ressuscitar. Queria fazer uma crónica sobre a nova gestão anunciada dos contratos de associação entre o Estado e as escolas privadas que prestam serviço público, e não as escolas que não prestam a não ser para que alguns tratem das suas vidinhas à custa de todos. E fiz. Depois lembrei-me do outsider. E dei-lhe as boas-vindas ao texto da minha crónica.

10.5.16

Glifosato sem surpresas

Confesso que a conversa contestatária sobre as ervas que crescem nos passeios em espaço urbano é, para mim, um dos mais recônditos mistérios sobre a prática popular de cidadania activa. Entendo-a perfeitamente quando a oiço a quem vive do que a terra dá e as ervas daninhas representam, por isso, uma ameaça à boa, ou melhor, colheita. Também reconheço que o lixo mais facilmente aterra num espaço em que fica preso nas ervas do que num terreiro livre delas, mas o problema aí é o lixo e quem o faz, e não as ervas que naturalmente procuram entre as pedras da calçada ou dos passeios um espaço para crescerem. E é ver o Rossio em Évora - terreiro de mercado livre de ervas, mensalmente invadido pelo lixo que quem ali negoceia, vendendo e comprando, deixa como recibo à cidade - para perceber-se no espaço urbano a diferença entre ervas e lixo.
Se o meio urbano vive muito do comércio, pelos vistos o país vive também muito do comércio do glifosato que mata depressa e barato as ervas no campo e na cidade. Só que a cidade não é o campo e o que pode servir a um pode não servir a outra. Parece-me que a questão do glifosato aplicado na agricultura ou nos passeios urbanos ou suburbanos é, por isso, diferente. E a argumentação que justificaria medidas diferenciadas deveria servir mesmo era para explicar opções, e contrariar o disparate motivado pela ignorância, e não para servir ora de megafone, ora de rolha. As pressões são mesmo assim e reagir-lhes requer aos políticos, não só o tino comum aos seres pensantes, mas uma enorme resistência ao desejo de alguns quererem agradar a todos e a qualquer preço.  
As pressões em torno das ervas espontâneas nos passeios são, então, um assunto de enorme importância para os Eborenses. Sabiam-no os actuais governantes quando estavam na oposição e cavalgando a contestação se juntavam ao coro, ideologicamente polifónico, das vozes que punham o assunto no rol do que está muito mal na cidade. Sabem-no agora quando, confrontados com a falta de mão-de-obra que já antes impedia que fossem mais eficientes e eficazes os trabalhadores a arrancar as ervas, vá de usarem o glifosato em doses que coloca Évora bem posicionada no topo da lista das autarquias que, dentro de uma legalidade que me confirmaram, mais usam este tipo de herbicida muito pouco saudável para o cidadão e para os animais domésticos que circulam em espaço urbano. Afinal de contas, a solução para as ervas não revela ignorância mas uma escolha muito consciente para tratar um assunto que, em meu entender, se preocupa muito mais com a opinião pública do que com a saúde pública.

«Que importa que já o saibas? Só se sabe o que já nos não surpreende.» pensava o Vergílio Ferreira em contexto de pensar o Homem e a Vida.  E eu, que já vou sabendo algumas coisitas, fico é mesmo à espera de ser surpreendida no próximo dia 18, quando a Comissão Europeia votar a reautorização da licença de uso deste herbicida na Europa. Até agora houve uma proposta para a revalidação por 15 anos, mas a Itália, a França, a Holanda e a Suécia parece que se opuseram, o que fez com que não se realizasse a votação por não estar garantida a maioria qualificada. Entretanto, parece também que o Parlamento Europeu terá feito uma recomendação, ainda que não vinculativa: que a revalidação da licença se faça apenas por sete anos e se decrete a proibição do seu uso em espaço urbano. Depois? Depois é cumprir. O que nem sempre é óbvio, e vai deixar alguma gente continuar muito incomodada com as ervas no passeio. Tenham dó! 

3.5.16

Marcha Lenta Com Muitas Perguntas

A contestação da classe profissional dos taxistas às condições de funcionamento de uma actividade muito similar que lhes faz concorrência foi sentida nas grandes cidades do nosso país na última sexta-feira. Em defesa dos seus interesses corporativos, tenta esta classe sensibilizar o legislador para que essa concorrência passe a ter as mesmas obrigações que ela.
Confesso que muita da argumentação contestatária utilizada me ultrapassa (em alta velocidade, como alguns destes profissionais, no seu exercício, cruzam as cidades ao serviço dos seus estimados clientes, a chocalhá-los bem e a buzinar a quem se lhes atravesse naquele rumo tão certo) e me faz parar (como quando, lá está, mais uma vez estes profissionais, no seu exercício, tantas vezes obrigam os outros automobilistas a parar atrás de si e a “aguentarem” porque estão a trabalhar, e os outros não?, e especam onde tem que ser…para eles). Mas dizia eu que, certa argumentação, me faz parar para pensar, pois parecia-me que será pela diferença que, em qualquer ramo de actividade, se faz a concorrência, oferecendo a quem a escolhe poder fazer isso mesmo: escolher. Pausa para dizer que sempre achei e acho muito hollywoodesco e divertido gritar na cidade “Táxi!”, mas que também me tenho adaptado muito bem aos gadgets electrónicos da comunicação sem fios que nos cabem no bolso e, não sem algum esforço, vamos tentando que caibam na bolsa.
Em frente ao microfone fomos ouvindo, ao longo do dia, diversas declarações de profissionais ao volante de táxis com conteúdo e tom diferentes umas das outras, a dar-nos mais um exemplo de como o ser humano se revela, enquanto indivíduo, diferente do outro seu semelhante em circunstâncias semelhantes e, mais curioso e fascinante ainda, se revela diferente de si próprio noutras circunstâncias. O que confirma que, de facto e como dizia pouco mais ou menos assim o Ortega y Gasset, o homem é ele próprio e a sua circunstância. A que eu acrescento, com outro nível mais coloquial pois, que a coerência é uma coisa tramada. E estou cada vez mais em crer que é, até, a coerência a nova virtude que a sociedade e cultura contemporâneas vão exigindo, ou pelo menos vão ponderando, já que são estas sociedade e cultura contemporâneas o onde e o quando todos vamos, felizmente, podendo ir dizendo quase tudo a quase toda a gente, submetendo-nos, consequentemente, a um muito maior escrutínio. 
Mas voltando, para terminar, às contestações por uma legislação exigida por quem se sente ameaçado, presumo que mais pelos direitos que obtém do que pelos deveres a que é obrigado, ou não é assim? Eu cá quando me sinto ameaçada é porque acho que vou ser prejudicada nos meus benefícios e não nos meus malefícios, certo? Parece-me até que se há quem consiga ultrapassar situações incómodas sem ilegalidades, ou imoralidades (que é, ou devia ser, uma espécie de caminho coincidente do comportamento de cada um face ao legislado para todos), então é porque são um bom exemplo para melhorarmos as nossas próprias condições. Ou também não?

Bom, mas o Vergílio Ferreira também tem uma tirada muito interessante a propósito disto das leis e de quem elas servem. Diz então que: «As leis criam-se, como sabemos, segundo aquilo que nos interessa. Mas aquilo que nos interessa, como sabemos também, adianta-se sobre as leis. E então é preciso criar outras.» É só interesses, pelos vistos. De todos? Talvez. De alguns? Seguramente.