2.11.10

Da Dilma e das mulheres

Pois é, uma mulher à frente do Brasil! Confesso que falar destes assuntos, mais ou menos feministas, causa-me sempre algum desconforto e apenas o faço como tributo ao passado. Passo a explicar: a normalidade atinge-se quando não é preciso falar nas coisas, porque é normal elas acontecerem e só o extraordinário é digno de referência; mas esta normalidade que encontro na eleição de Dilma para Presidente do Brasil não é assim tão normal, muito embora siga um percurso que deverá, tendencialmente, a sê-lo.
Lembro-me que uma mulher muito respeitada no meio universitário em que me movo dizia que uma mulher para ser considerada pelos outros tão boa como um homem no exercício de cargos profissionais, públicos e/ou políticos, mas não só, teria de ser pelo menos duas vezes melhor que qualquer bom homem para esse cargo. Rejeitei a ideia por achar que essa condição de ser mulher já de si implica uma série de características que fazem a diferença, e que essa diferença é um factor normal, distintivo mas não a distinguir constantemente. Talvez por reconhecer nas mulheres os defeitos que assumo como meus e que não divulgo para não me enfraquecer, mas que qualquer ser humano mais atento seguramente identificará. Para ouvir realçar qualidades há que correr o risco de ouvir também sobre os defeitos. Como tal, nada de grandes elogios por se ser mulher mas por se ser pessoa com determinadas características. É o que penso!
A Dilma será seguramente uma boa ou má presidenta (termo delicioso, neologismo que me parece de adoptar) independentemente da sua condição de ser mulher, mas pelas suas carcaterísticas de política e pela sua intervençaõ nos destinos do Brasil. O momento da quase surpresa, pois era expectável a sua eleição, tornou-se em apologia da nova valorização do feminino no mundo público da política, como já é normal noutros mundos que, desde há muito eram exclusividade dos homens: desporto, literatura e outras artes ou ciência.
No mundo da política, onde se instituiu as cotas femininas, as mulheres têm tido alguma relevância e, feitas as contas, com boas ou más prestações, como qualquer...homem. Evoco Margaret Thatcher ou Golda Meier como exemplos. E termino com o excerto de um artigo do UÉLine sobre o artista africano Malangatana, com quem privei em muito pequenina, lá para o hemisfério sul, em longas noites de tertúlias cheias de conversas veladas que mais tarde me foram reveladas. E foi a propósito de Graça Machel, outra figura do mundo da política, que naturalmente as comparação dilui a relevância efectiva do ser mulher:

«Olhando o tema da Mulher, quisemos saber o que pensa sobre o assunto um homem de raça negra, um grande artista, que vive entre o mundo ocidental e um outro mundo - não ocidental - e que constantemente reflecte a Mulher na sua arte. Que cogitará ele a este respeito? Embora nascido numa sociedade preponderantemente patriarcal, começou por nos dizer que vê a mulher como o pilar da sociedade moçambicana, onde assume o papel de mãe e de pai. Por isso, quando lhe pedimos para definir Mulher, respondeu-nos: "A mulher é pai"

E é por estas que eu prefiro não realçar o género. De qualquer modo...parabéns Dilma! Por ser Presidenta do Brasil, só!

28.10.10

Do MADE... tenho dito

Não será necessário repetir-me a mim mesma e ao meu paciente leitor que o que faço para a cidade faço-o de coração aberto, boa fé e muita, mas mesmo muita, vontade em colocar Évora no lugar cosmopolita e central que faça jus à sua imagem de Cidade da e para a Humanidade. É assim cada vez que reúno com um munícipe ou uma associação, cada vez que recebo ou faço uma proposta para dar a Évora, sabendo que Évora merece e tem direito ao melhor.
É sobre o Museu do Artesanato e Design de Évora que o que se pode ouvir neste link. Foi uma proposta que agarrei com profunda confiança no seu interesse e no empenho que aquele que gerirá o seu funcionamento pôs ao constituir a sua própria colecção e ao partilhá-la agora com os mestres da tradição num espaço comum. 
http://ww1.rtp.pt/multimedia/progAudio.php?prog=3503

19.9.10

Do (meu) cosmopolitismo

Quando era adolescente achava que era cosmopolita e por isso seria incapaz de viver numa capital mais pequena do que Lisboa. Também fui afirmando outras regras de vida que estabelecia e que, previsivelmente, vieram a cair enquanto fui crescendo... Confundia esses preconceitos a que chamava regras de vida, e que aprendi com alguns "ídolos radicais" e com princípios éticos ou morais, esses incutidos por quem me educou. Afinal cá estou em Évora a viver enquanto tal se justificar, o que é sempre um prazo de validade ilimitado e que só acaba... no fim!
Esse meu sonho juvenil de ser cosmopolita afinal, nestas minhas novas funções, veio a concretizar-se...eu cá pelo menos acho. Agarrar algumas das rédeas do governo da cidade permitiu-me exercitar essa abertura de espírito de quem se deseje cosmopolita e encarar com relatividade (e não com inerte e excluidor relativismo) o universo de populações com histórias, culturas e hábitos próprios e diferentes entre si. Exercer esse cosmopolitismo não é coisa para se fazer "de caras", pois reconhecer essas interculturalidades implica diálogos difíceis, questionamentos, desconstruções, comparações tensas entre valores e instituições... Mas é um caminho que quero percorrer. Como diz um dos meus sociólogos da cultura preferido, e também político, e também defensor dos valores da esquerda democrática, Augusto Santos Silva parafraseando Ulrich Beck:
Ser cosmopolita é, desde logo, ter uma atitude de abertura face ao outro. É cultivar e actualizar a clássica regra da hospitalidade, que já para os Gregos constituía um dever cimeiro de gente civilizada. Acolher o estrangeiro quer dizer, também, acolher bem, dispor-se a conhecer e a avaliar o estranho e o novo: hospitalidade face às ideias e seres diferentes, porque vêm de outros espaços do nosso tempo, ou vêm de outros tempos (do futuro, sim, mas também do passado: o cosmopolita tem uma atitude de abertura ao património herdado). É conjugar distinguir com incluir e não com excluir.
 É mesmo assim que eu tento ser!

6.9.10

Das reformas

Porque é difícil libertarmo-nos de velhos hábitos, o que por um lado nos ajuda a persistir em boas práticas, ando a criar uma série de referências que constituem a minha bibliografia actual. Algumas leio-as e remeto-as para uma pasta a não seguir, outras confesso que me inspiram. Gosto de as ter por perto, acho que "fazem escola", quero que outros as conheçam e, por isso, as cito evocando excertos como se sublinhasse a feltro fosforescente nas páginas do livro que é a fonte. Como esta de Correia de Campos no princípio de Reformas de Saúde (2009):

«Este livro é sobre política. Política de saúde. Sobre as reformas necessárias para que as políticas correspondam às aspirações da maioria dos portugueses, a única forma de definir o interesse público. A política é a escolha entre diferentes e por vezes opostas vias de acção, uma escolha que deve ser ditada pelo interesse público.
Algumas escolhas nem sequer são possíveis, são impostas pela dignidade, pelo progresso, pelos direitos dos cidadãos. Outras foram já decididas desde há muito tempo, como a do modelo do sistema de saúde. Outras que foram diferidas no tempo, devido à indecisão de decisores, incapazes ou impossibilitados de escolherem em tempo útil ou, tendo escolhido, não ousaram decidir e passar à acção. Procurámos enfrentá-las. Finalmente outras ainda, em parte foram agora decididas, em parte estão por fazer. Todas são por vezes dolorosas, mas necessárias. Sem elas o sistema ficaria entregue a si próprio, à sua dinâmica interna e à ingovernabilidade caótica, raramente coincidente com o interesse público. Implicam risco, sacrifício e impopularidade temporária e localizada; implicam coragem em seguir um rumo, em lançar o fio condutor que as una de forma coerente.»

E esta coragem, espero, também virá "de cor"...

3.9.10

Da origem

Iniciar um blog é sempre o cabo dos trabalhos. Eu cá acho. Desde logo as inúmeras dúvidas existenciais que se podem colocar ao blog-autor-enquanto-tal e que vão desde a mais prática «Haverá tempo para o atualizar?», à mais filosófica «Para que serve, me serve ou a quem serve o meu blog?». Já o fiz por duas vezes, sempre em torno daquilo que é a minha profissão e o meu lazer preferido (sortuda!): a leitura. E dessas duas vezes a "coisa" foi por motivos muito altruístas: a promoção do livro e da leitura.
O que aconteceu depois é que importa agora. Suspendi a minha profissão - e o meu lazer ficou um bocado afetado - e dediquei-me a outra função, tão igualmente missionária como todas aquelas que têm objectivos bem definidos e, normalmente (ou preferencialmente?!), visam o benefício de um coletivo. Foi assim durante 20 anos em frente a turmas de alunos e a interessados nas conferências, é assim enquanto vereadora executiva da Câmara Municipal de Évora, a cidade que adoptei e onde fiz nascer os meus filhos. Estas funções públicas que exerço há mais de 20 anos assumiram uma outra responsabilidade a partir do momento em que a palavra «eleita» passou a juntar-se aos Dr.ª, Professora, Mãe, Filha e outras mais ou menos formais e carinhosas ou insultuosas a que um ser humano se arrisca nesta vida. E não pode, esta responsabilidade, ser uma aventura...ou um desafio como muitos me dizem para me encorajar ou como antes de ser eleita eu própria achava. O "bem público" é demasiado importante para se encarar a função assim, com um espírito de viagem sem rumo certo, ou como etapa de um campeonato "a feijões". Tal como o ser professora. Ou mãe.
Posto isto, um blog é agora um espaço quase ficcional, em que virtualidade e realidade se encontram, mas onde, como na arte em geral e na ficção em particular, há lugar para a aventura, para o ensaio, para a emoção e os afetos. Com desafio à persistência possível.
É esta a origem do "meu blog" e por isso escolhi-lhe o nickname que representa uma expressão que me tem acompanhado em muito daquilo que faço e que, confesso, soa melhor "em estrangeiro": by heart ou par coeur.