12.7.16

Balanços

Ainda na ressaca do maior espectáculo desportivo de uma Europa politicamente com os níveis de fairplay tão rasteiros, chegamos ao fim de mais uma série de crónicas. É, pois, altura de alguns balanços. Foi uma série de crónicas marcada por um dos acontecimentos mais significativos do panorama cultural português, ou não tivesse, por exemplo, a honra de ter tido como seu principal comissário Eduardo Lourenço, e que foram as comemorações do centenário de nascimento de Vergílio Ferreira. Évora é indelével da sua vida e importava Évora não o esquecer. Uma vida que ficou também, e para todos os que sejam ensinados a chegar-lhe, na sua enorme obra filosófica e literária. E os que lhe reconhecem isto mesmo festejaram-no, que foi o que também fez a Rádio Diana com esta série de crónicas que utilizou, impreterível e semanalmente como inspiração, citações suas.
Foi o ano em que a nível nacional, as Esquerdas se uniram a um Partido que não é, de certeza, de Direita para permitir um Governo a que, à falta de nome para surpresa tal, ganhou o de Geringonça, num baptismo que acabou por se tornar carinhoso quando, no início, parecia querer fadar à nascença para o insucesso. E ela está na mão de alguns, dos verdadeiros “engenhocas” que sabem da coisa, mas também dos que fazem que sabem mas não atrapalham, e dos perigosos, os que poderão arrumá-la a um canto qual Bela Adormecida, e que são os que achando que é mais do mesmo não largam os velhos paradigmas de fazer política à medida de interesses próprios e não num prêt-à-porter que a Democracia, com todos os seus defeitos, nos oferece. Uma situação que, esses mesmos profetas demagogos da desgraça que querem meter no mesmo saco três forças políticas com identidades diferentes, até como as duas a que geralmente pertencem tais profetas; uma situação que localmente não faz nem uns ficarem mais rubros para ganharem votos, nem outros empalidecerem só para os manterem, mas sim porque isto de estar no governo fia mais fino e afina por outro diapasão.
A avaliação, que é o que normalmente acontece em dia de eleições, terá de ser não entre promessas vagas do que será feito mas na atenção às atitudes da responsabilidade que são exercer o poder ou estar na oposição. E os Portugueses, como os Eborenses aliás, talvez devessem ficar mais atentos efectivamente aos comportamentos não só dos que governaram e agora se opõem, como dos que antes se opuseram e agora governam. E que dessa atenção pudessem concluir o que quem é governado, e não os que militam nuns e noutros de forma particular, e mesmo natural no que toca a ter uma agenda para o sucesso de uns ou outros, entendam como melhores para ser governo ou oposição.    

Enfim, a crónica já vai longa e ficaríamos aqui o resto do dia a falar disto e daquilo, como num serão quente e quieto desses que acontecem no interior do nosso país, de Norte a Sul. E não gostava de encerrar a série sem, pelos afectos, esses que também contaminaram a versão “para o Povo e para as Criancinhas” de fazer política e têm no novo PR um ícone, escolher uma citação de Vergílio que, dizendo respeito ao íntimo, põe a nú a falácia das palavras transformadas em metáforas mortas que nos tentam enformar os neurónios e manter-nos sossegadinhos dentro da caixa. Escreveu um dia uma pergunta de que gostei muito e me ensina a ir fazendo balanços de vida que, como todas as outras e as dos outros, quantos mais princípios e fins tiver mais aprendizagens nos proporciona.  E assim me despeço, citando: «Se não há amor como o primeiro, porque é que ele não é o último?».

5.7.16

Exames

Está na altura de lançar pautas e apeteceu-me falar de exames, até a pensar nas práticas de avaliação a que, actualmente, somos todos tão chamados a fazer para escrutinar medidas e condicionar, com escolhas ou até mesmo com outro tipo de pressões, aqueles que exercem cargos de gestão e direcção. O que, diga-se de passagem, testa muito mais a resistência do que outra qualquer competência, eventualmente até mais benéfica para aqueles e aquilo que se gere ou dirige.
Aprendi a pensar que os momentos de avaliação são uma espécie de competição individual para a qual treinamos, mais ou menos afincadamente, e cruzei-me várias vezes com alunos que eram muito melhores nos treinos do que nos resultados que obtinham nas competições. Daí que o treino seja, ao longo de um processo de construção e evolução, de facto o principal. Não com vista ao exame, mas como verdadeira intenção de formar essas pessoas. Talvez seja por isso que faço tudo o que está ao meu alcance para evitar que os alunos vão a exame, preferindo que estejam nas aulas e possamos puxar uns pelos outros.
Se também me parece óbvio agora, ao fim de umas décadas de vida, que os resultados acontecem muito mais devido ao trabalho do que à sorte, apesar de haver momentos de sorte, porque os há, que também deram muito trabalho, a satisfação pessoal não se pode (numa vida tão curta e tudo, que é o que quem se dá bem com ela nunca, nem centenário, nega) limitar-se a um único momento. Ainda que numa vida haja o que chamamos momentos únicos, porque também os há, mesmo não sendo realmente nem inéditos, nem exclusivos.
O Vergílio Ferreira escreveu que «Há o desejo, que não tem limite, e há o que se alcança, que o tem. A felicidade consiste em fazer coincidir os dois.», o que na era da busca da felicidade a que parece termos chegado, nesta tão rápida evolução da ciência e da técnica, e que nos deixa tempo para pensar na melhor maneira de elas usufruirmos, me pareceu conselho sábio. Muito até ao arrepio das igualmente actuais palavras de estímulo que profere quem acha que tem e pode ter vocação para treinar gente feliz, por cima de toda e qualquer circunstância. É que esse tipo de estímulo pode mesmo ser tão exagerado que passem, os que a eles são sujeitos, para o lado oposto, o da frustração. E nada disto, afinal, serve para melhorar o que é o optimismo e o mais recentemente baptizado conceito de auto-estima.

Numa era em que o que podemos ter é muito mais acessível, quando abençoados pelo deus-dinheiro, do que o que podemos ser – basta ver como nos impingem o supérfluo com tanta facilidade e tentam que se contorne o menos bom com a possibilidade de sermos mais felizes com esse supérfluo, tornando-o imprescindível – resistir e viver melhor só deve poder encontrar-se em nós mesmos e na responsabilidade pessoal que cada um de nós, com a ajuda dos outros porque a solidariedade é que também nos permite vivermos em sociedade, treina quando vive. A ideia do Juízo Final que as religiões todas apregoam é esse exame final. Os métodos de treino é que não são os mesmos, mesmo com códigos gémeos. E muitos desses métodos, como sabemos pelas notícias que nos chegam todos os dias, são inimigos do homem e da vida em sociedade.