14.7.15

The End

Tenho pregada a íman na porta do meu frigorífico uma frase com que me cruzei há cerca de cinco anos, e que diz, em inglês, qualquer coisa que traduzido daria nisto: «No fim tudo ficará bem, se não estiver bem é porque não é o fim.»
Ao terminar a série de crónicas na DianaFm, a nostálgica expressão The End parecia apropriada e o optimismo da frase do íman deu um certo alento a este final de ciclo de 45 semanas ininterruptas, para mim, destes textos de opinião que acompanham nas ondas hertzianas as de outros opinadores. Acabar algo é toda uma arte que quem concentra narrativas – ou a sua própria vida contada a si e aos outros – talvez seja o que mais marca e impressiona, mais do que todas as restantes etapas.
Se um bom princípio nos prende ao que se segue; se o desenrolar da maturação, o desenvolvimento. do que fazemos, dizemos, encontramos e perdemos, cria momentos muito bons, bons, menos bons, maus ou péssimos – julgarão os que atentos, à sua própria vida e à vida que os outros deixam que se mostre deles, podem ser juízes – o final parece marcar muito mais os que assistem natural e distraidamente, ou “com não muito bons olhos” como se costuma dizer quando se julga à partida algo que estará para ou a acontecer e de que não estamos a gostar. Se o princípio nos pode cativar, ajudando a criar os laços e o interesse do que vem a seguir, o fim pode deixar-nos alívio, tristeza, curiosidade, esperança. E os laços, desfeitos, deixarão nas fitas boas ou más marcas, num caso ou noutro não forçosamente justas, não obrigatoriamente deslumbradas.     
The End é finalmente, e também, a expressão que fecha os filmes, versão quase ainda moderna nas artes cénicas do antepassado “cair do pano”. A alguns soará, porque não, ao título de uma canção de 67, popular e carismática, dos não menos carismáticos Doors. Era o tempo, esse em que foi o meu início, o tempo sangrento da guerra no Vietnam, que durou na prática 20 anos em conflitos, o tempo da Guerra Colonial em português, o tempo estudantil e agitado do Maio em Paris, o tempo dos hippies, o tempo da juventude dos pais de quem tem agora à volta de meio-século de vida.
Afinal, the end é apenas um separador dos muitos princípios e fins que uma vida, uma peça de teatro, um livro, um filme, uma canção podem ter. E é só o momento de se poder ou recomeçar, vezes e vezes sem conta, com outros olhos que mudam o que se vê, ou novas sequelas que nos fazem continuar a viver este filme que é a nossa Vida e que ajudamos, e muito, a realizar. Afinal, um finalíssimo The End pode ser um inesperado To be continued… Nunca se sabe.
Um bom Verão, a todas e a todos. 

7.7.15

Divan

No dia e à hora em que gravo esta crónica já sabemos que o “ Não” ganhou no referendo do lugar onde nasceu o conceito de Democracia. Mas continuaremos, como nos últimos dias antes de sabermos os resultados, a tentar analisar comportamentos, adivinhar reacções, compor possíveis cenários para o que será a Europa e os países que nela se querem ancorar em espírito de união. Uma união com contrato, e não “só” de facto. Uma união com problemas de passado que não queremos para o futuro e que leva ao terapeuta, ou multidão deles, apenas um dos seus elementos. Pusemos, para já, a Grécia no divã.
O divan (ou em grafia portuguesa “divã”) é, como sabemos, uma espécie de sofá, uma peça de mobiliário. Ficou famoso por ser o lugar onde os psicanalistas desenvolvem as suas actividades terapêuticas ouvindo os seus pacientes, mas a palavra original vem-nos da Turquia onde tinha o significado de Sala do Conselho do Sultão. É que essa sala estava cheia de almofadões, espécie de sofás sem braços nem encosto, e lá se aconselhava quem manda a decidir o que fazer por um colectivo. Se habitualmente e de facto a relação entre o paciente e o terapeuta é assim, de tête-à-tête, por detrás de cada um deles está uma multidão e as diferentes circunstâncias que os levam ali naquele momento. 
Independentemente de gostarmos ou não do resultado imediato do gesto que pode significar uma mudança para o resto das vidas de quem tem problemas, esperamos sempre que essa mudança ocorra. Aliás, as revoluções e os mortos que elas fizeram – e é por isso que não gosto das armas, sejam em que nome forem usadas, e são para mim o último dos últimos recursos fabricados por e ao alcance da humanidade – as revoluções e as guerras já se escudavam nessa vontade de mudança. O civilizado modo de organizar entre os gregos a forma de expressão da sua proposta para solucionar a situação insustentável, a vários níveis, em que se encontram, deveria levar-nos a corresponder com o mesmo grau de civilização e civismo na prossecução do caminho de saída de um estado em que não queremos que nenhum par chegue, nem nós próprios. 
Como no divã, o problema do que ali está deitado a ser analisado e “curado” é também o problema de todos os que convivem para além daquele momento e com quem, forçosamente, interagem. Mas todos irão precisar muito mais do que aquele que parece ser o mais paciente dos pacientes ficar no divã a dizer o que de mal está, à procura de solução. Há-de ser preciso sair dali e em conjunto com os que o rodeiam mudar alguma coisa para que…não, para que muito fique diferente. Deste gesto de quem a custo vai tentando sair do divã espera-se de todos os outros um correspondente gesto de ajuda, ou não vale a pena andarmos a disfarçar que o que se faz não é um caótico “salve-se quem puder”. A menos que esse seja o plano e assim não vale a pena discutirmos com mais ninguém, porque já perdemos, mais cedo ou mais tarde.