19.12.17

Sinos e alarmes

Pondo de parte a questão religiosa, que é afinal a origem das grandes festividades dos nossos calendários, o Natal este ano já me parece um Carnaval. Paira um clima que se adequa ao espírito carnavalesco, à antiga e provinciano, com enterros e testamentos de Judas, em que se expõem na praça pública as características, ou talvez só os defeitos, de figuras conhecidas.
O Natal é hoje, e acima de tudo, uma época de consumismo. Isto revela o quanto as tradições como a troca de prendas, os convívios gastronómicos, ou as deslocações para estar com os que nos são mais queridos, implicam lidar com o mercado. Tudo isso se compra e, por isso, tudo isso se vende. O marketing e a comunicação embrulham, melhor ou pior, esse apelo à transacção de verba com os outros valores, esses sim que apelam a sentimentos promovidos pelas religiões.
Nesses disfarces para vender melhor o seu produto, assistimos a verdadeiros curto-circuitos em que os meios se retorcem para alcançar os seus fins. E as pessoas, quando se lhes põe um microfone à frente no mesmo meio de comunicação em que se vendem os produtos da época, mascarados de bons sentimentos, não resistem à tentação e lá vão atrás, engrossando o corso carnavalesco. Por exemplo: nunca se assistiu a tanta promoção de livros como bons presentes de Natal e, quase sempre, quando interrogados os empenhados compradores sobre as prendas que escolheram, eles lá estão na sua lista. Estou, como tal, muito curiosa em perceber o quanto o número de leitores e livros lidos pelos portugueses vai aumentar em 2018. Oxalá! 
Ora, este ano, estamos também a ver misturados, por quem diz ter feito jornalismo de investigação, essa mistura de benevolência e maléfica tentação. Mas note-se: de investigação a reportagem sobre a Raríssimas, que é do que estou a falar, nada tem, sei eu que sou também investigadora, e isto porque a investigação tem um código deontológico por que se rege. Os factos apresentados e a metodologia usada por aquela senhora que é jornalista não o seguem. Aos jornalistas caberá apreciar se seguem ou não o código deontológico deles.
Se o objectivo era denunciar uma situação inaceitável, ainda assim não inédita, e cujo escrutínio deve estender-se a todas as instituições semelhantes, sem excepção, a denúncia foi feita nuns moldes a provocar, mais uma vez, o linchamento em praça pública e não o julgamento em sede própria. Mascararam-se alguns dos intervenientes de bandidos, mas outros deixaram-se de lado. Como nos enterros do Judas do Carnaval na aldeia...  Nada se disse de membros de centros distritais da Segurança Social, de conselhos locais de acção social, de plataformas territoriais supraconcelhias, de autarquias, por exemplo. Todas estruturas com palavra na área de actuação da Raríssima.
Quando soam campainhas é preciso saber exactamente o que se passa e não alvitrar umas coisas, normalmente sobre quem tem maior visibilidade. Isso é mascarar o assunto e os resultados. E neste caso em concreto, foram sobretudo muito malévolos para a própria instituição, que é muito mais do que aquela figura que por ela dava a cara, e que, não sendo de graça, acabaria um dia por cair em desgraça. Com ou sem a companhia da jornalista que se veio meter no meio.
Mas voltemos ao Natal. A canção que conhecemos por “Jingle Bells” (“Um trenó puxado por um cavalo” é o nome original em tradução minha), é curiosa pois fala de quem quer ir passear de trenó sossegado e tem de apanhar com uma intrusa metediça. Para além de mostrar a importância das campainhas ao assinalar a passagem silenciosa do trenó que desliza na neve. Numa das quadras (ainda tradução minha) conta assim: “Há um ou dois dias atrás/Achei que ia dar um passeio/Não tardou a que a Menina Fanny Brás/Se sentasse no lugar do meio./O cavalo era magro e pouco forte/A má sorte parecia o seu fado/Fomos ladeira abaixo sem norte/ E lá ficámos com o trenó capotado.” (o que é uma espécie de versão da expressão portuguesa “deitar fora o bebé com a água do banho”). Jingle bells, jingle bells, jingle all the way!... 

12.12.17

Paz à força e outros Golems

Jerusalém recebe em 2017 mais uma incursão de Cruzadas, desta feita não lideradas por um Godofredo mas por um Donald. As Cruzadas, relembro, foram os movimentos militares de inspiração cristã que partiram da Europa Ocidental em direcção à cidade de Jerusalém com  intenção de conquistá-la, ocupá-la e mantê-la no domínio cristão. Foram e são, já que o 45 da Casa Branca, na sua cada vez mais evidente incompetência para exercer o cargo que ocupa, não conseguindo (felizmente!) cumprir muitas das suas promessas eleitorais, voltou-se para solução sempre mais fácil de “olhar para  o Céu com muita Fé e pouca luta”, expressão de autor que uso recorrentemente. E a quem prometeu esta Cruzada toma agora uma medida, aparentemente saída “out of the blue” que satisfaz uma minoria, ainda assim importante, na sua eleição para o exercício efectivo das suas incompetências. Encontrou o seu nicho de mercado, linguagem que ele conhece de ginjeira, para mostrar ao resto do mundo que os Estados Unidos mudaram a capital de Israel para Jerusalém. E se o fez é porque o pôde fazer, coisas vistas quer na Política quer na politiquice, que se passam quer lá fora quer em qualquer município português onde a oposição é só de verbo. Agora o resto do mundo que se desenvencilhe a lidar com as ondas de choque que este gesto de Donald pode e vai causar.

Adivinha-se, neste advento que tantos dos crentes de Donald festejam meticulosamente, sangue. Não o mesmo que nunca deixou de correr naquela zona de tensão do planeta, mas mais sangue. E isto, está bom de ver, parece contrariar todas as mensagens messiânicas sejam elas de que confissão forem, históricas e fundamentadas em “termos de entendimento” pregados um pouco por todo o lado. A paz na Terra é o desejo para todos os Homens de boa vontade, independentemente de quem a pregou e prega em cada dia ou hora santa. Até do lado institucional político, onde a religião não é único factor condicionante, o conflito promotor de sangue é o recurso que assume a derrota da conquista civilizacional da Humanidade. E não sendo esta, ainda, uma Cruzada feita de movimentos militares, com armas em punho portanto, utiliza a instituição diplomática para uma ofensiva que, em meu entender, a ofende perigosamente. Espero que o mundo da diplomacia se revele suficientemente forte para se aperceber o quão de Tróia é este cavalo...


Entretanto, enquanto isto, lá para os lados das Coreias, zona onde as tensões não são também de ignorar ou menosprezar e as religiões de outros “ismos” também não perdem para fazer demonstrações de ideologias populistas de quem também por cá vamos tendo sucursais, lá se vai classificando como de muito, mas mesmo muito, interesse para a Humanidade a pizza e alguns bonecos de barro. Certamente os que têm, se calhar, acesso privilegiado aos centros de decisão ou também encontraram aqui, à falta de melhor novidade em promover o bem-estar dos Cidadãos, o nicho de mercado para se autopromoverem. Estou algo curiosa para assistir ao que implicará tal decisão lá para os lados das Caldas.     

5.12.17

Autoeuropa, Belmiro e Empregos

A semana que passou trouxe no mesmo dia duas notícias relacionadas com o mundo do trabalho, esse território que quando encarado do ponto de vista mais desinteressado mas também mais empenhado, representa um modelo de equilíbrio da sociedade e um lugar de bem-estar para o indivíduo. Os problemas podem começar a surgir, por entre outros motivos, quando o interesse de uma corporação se sobrepõe à busca desses equilíbrio e bem-estar e o empenho se disfarça em desígnios de persistência que, na máscara da luta que parece revestir-se com resquícios de tiques tribais, em nada contribuem para o alcançar desse modelo.
O chamado braço-de-ferro entre empresa e trabalhadores na Autoeuropa foi uma das notícias, a outra a morte do maior empresário português, figura sobejamente discutida quando se quer continuar a torna presentes os que acabam de se ausentar, e como é da Vida. Sobre as duas notícias lá voltaram então as discussões sobre a construção deste mundo, sempre em modo de ser refeito, sob a tutela do deus dinheiro e onde algumas das principais lutas de poder, se não a luta mesmo, já não seria pequena se fosse para diminuir a desigualdade de oportunidades e alcançar uma razoável sustentabilidade, quer da sociedade quer do indivíduo. Sobre a Autoeuropa, adivinha-se o fosso escavado, pelas mãos mais de uns do que de outros, entre empregados e desempregados e entre gerações: os que nunca souberam o que eram os direitos dos trabalhadores e os que receiam não vir sequer a ser trabalhadores com metade dos direitos que vêem agora ser reclamados.
Mas o que me trouxe à crónica, para além dos factos e do que eles me trazem a pensar convosco, foi ter-me posto a comparar o que é a relação trabalhadores-patronato num “império” com o seu líder identificado, visto como gente, e outro “império”, o da Volkswagen, de quem desconhecemos os detalhes humanos de um, ou mais que um, eventual líder, tão ausente em vida como o será na morte Belmiro de Azevedo, pelo menos enquanto a sua memória não desaparecer com os que ainda com ele conviveram. E nós, os funcionários públicos, que temos como patrões nós-próprios e todos os outros que não o são mas que também nos pagam os direitos e para quem temos deveres, bem sabemos, sobretudo os que ocupam cargos de chefias várias, o difícil que é liderar e gerir a distância.
Tal como nenhum patrão (ou chefe), por muito líder que seja, está isento de defeitos e utiliza todos os meios ao seu alcance para continuar a ser um empresário (ou chefe de um serviço) de muito sucesso, e aumentar assim o seu próprio bem-estar, também não são todos os trabalhadores – uma espécie de monopólio que alguns arrecadam para si e de quem parece mesmo é serem donos deles todos – que são as vítimas do sistema capitalista em que todos, sem excepção, vivemos hoje.   
Termino com duas das muitas frases lapidares que o Senhor Sonae deixou aos novos empresários, como uma escola que acabou por criar, e cito-o: “Sejam disruptivos, tenham a coragem de questionar o porquê de as coisas serem como são e, se identificarem formas de fazer melhor, trabalhem e façam acontecer”, “Vejam e ultrapassem a rejeição, que não é mais do que um passo no processo de fazer acontecer”.

28.11.17

Plaza pública

Os Eborenses andam num sino com o primeiro centro comercial digno desta classificação que abriu na Cidade. Andam num sino os que gostam destes lugares, que lá vão e lhes dão vida. Andam num sino os que gostam e encontram nesta obra, feita por outros, mais um motivo para poderem pôr a bombar a sua sempre saliente veia do escárnio e maldizer. Ainda bem que os Eborenses, e talvez outros Alentejanos dos arredores, estão contentes. Claro que aqueles para quem é fácil deslocarem-se aos hiper centros comerciais instalados nas grandes cidades, e para quem Évora devia continuar a ser a “aldeia gaulesa” de Portugal, esta é uma alegria alheia e farão tudo para fazer de conta que não existe ou gritar a sua indiferença ao lugar, ao lado de outros para quem este equipamento pode beliscar os negócios perpetuados numa tradição que apregoam estática, contra toda a ciência produzida em torno do que são e como funcionam as tradições.
Por falar de “aldeia gaulesa”, reparei que a Cidade está desde há cerca de um mês, em período pós-eleitoral portanto, com forte investimento em estruturas básicas, mas também ornamentais, adjudicadas a orçamentos de dinheiros públicos e locais. Falo dos pavimentos das estradas, mas também do crescimento dos enfeites da época, coisas que não são propriamente praticáveis com meia-dúzia de trocos. Tal como seria caro fazer obras de fundo em escolas, por exemplo, e não se faz, ora porque umas vezes se tem projecto mas não se tem financiamento, ora outras vezes porque até se tem um financiamento simpático mas o projecto é coisa para talvez não caber nos planos de um serviço municipal, quiçá escasso em arquitectos e engenheiros. (É nesta parte que quem conhece a situação de que falo pode sorrir e quem não conhece pode perceber que é uma piada.)
Os mais imediatistas, e os que contribuíram para que a equipa que gere esses orçamentos se mantivesse, pensarão sobre estes investimentos pós-eleitorais: “Ora aqui está, a seriedade de quem não fez obras antes das eleições para angariar votos!”. Respondem por isso ao isco lançado por quem procurava exactamente esse conforto. Eu cá tenho outra leitura, claro, já que andei oito anos a perceber como funcionam certas formas de pôr as tácticas ao serviço das estratégias de poder, e digo cá para mim: “Pois, como é que se podia andar a dizer que lhes tinham deixado tudo nas lonas, a zeros, impossível de aplicar um cêntimo em alguma coisa, e agora desatar a fazer coisas que custam dinheiro?!”. Quanto mais afastados estivermos das razões que se evocaram para a mudança, mais fácil lhes será retomar o ritmo da despesa, obviamente, esperando que não tenha que haver uma que tenha de ser uma despesa gigantesca mas enterrada e longe da vista e do coração dos que dela usufruem, como é a da água que corre nos canos. Não chego ao ponto de dizer que nos devamos marimbar para essas contas, não senhor, até porque fazer contas, ou não, foi o que permitiu à formiga passar o próximo inverno a tocar marimbas e poderá fazer com que a cigarra não passe deste inverno. Mas há investimentos que não têm como não ser regateados só até ao ponto de não se tornarem insustentáveis.       
Era só. E agora vamos ali ao Plaza passear, consumir, usar, dar a opinião onde nos pedem e pode ser acolhida, que é para não fazermos a vontade aos arautos da desgraça, os que anunciam sempre vários acidentes apocalípticos transitórios, caso o lugar descambe para o que nós, os outros que ficam contentes e partilham a alegria, não queremos.

21.11.17

Homeostasia precisa-se!

Sou bisneta, filha, sobrinha de professoras. Estudei com muitos colegas que, ao fim de quatro anos em comum, optaram pela via então ainda certa e segura das didácticas para serem professores do ensino secundário. Optei por seguir pelo mestrado e fui parar a 140 quilómetros de casa, quando respondi a um anúncio de jornal para ser funcionária pública. Mudei de terra e fiz dela a minha casa até hoje, sempre ouvindo de uns que não era de cá, e da família que era “a prima ou sobrinha de Évora”. Nada disso me afligiu, nem aflige.
Sempre soube que teria de progredir na carreira prestando provas públicas. Desde o princípio que desconfiei que nunca a terminaria no topo e agora tenho a certeza. Isso não me aflige. Irei até onde puder, cumprindo com aqueles a quem devo a razão de ser da minha profissão, os estudantes. Mas também, porque para além de eles beneficiarem com a investigação que faço, outra parte da minha profissão, tento retribuir em actividade de extensão e transferência de conhecimento à sociedade que, com os impostos que paga, me paga o ordenado de funcionária pública.
Sei que não me adianta fazer aos meus filhos o discurso que ouvi aos meus mais velhos sobre arranjar um emprego estável para toda a vida. São hoje raras as profissões assim, pelo que eles sabem que ao longo das suas vidas, para ganharem a sua autonomia financeira com uma (ou mais do que uma) profissão, têm de prestar provas para a conseguirem, para a manterem, para progredirem. Talvez até tenham que atravessar várias fronteiras e milhares de quilómetros para correrem atrás do que mais lhes agradar ou convier. Já não posso dizer que nada disso me aflige. Mas porque se trata do futuro. Incerto como é sempre, única certeza na Vida para além do seu final que se deseja sempre o mais longe possível. A ordem natural. Aquela a que não nos habituamos facilmente, porque muda como os humores da Natureza que origina o adjectivo. Adaptamo-nos. Tento ensinar-lhes, aos meus filhos e aos meus estudantes, isso. Não sei se lhes será fácil ou se irão afligir-se.
O que me aflige é ter de explicar como a justiça reclamada por uns, a quem alteraram direitos adquiridos, não só põe mais a nú a injustiça de outros, cujos direitos são adquiridos todos os dias num recomeçar quotidiano, como é uma justiça que ignora que gerir o todo implica olhar as partes por igual. E que, se a gestão do todo falhar, serão as partes também a pagar essa falha. Mas já devia estar à espera, já que este é o País em que há empresários, comerciantes e até agricultores que queriam mesmo era ser funcionários públicos. Sim, isso mesmo, profissionais que funcionam pagos por dinheiros públicos.
O tão agora citado António Damásio gosta de falar da homeostasia. A homeostasia psicológica, que talvez seja a que me interessa para o caso, consiste no equilíbrio entre as necessidades de um indivíduo e o suprimento dessas mesmas necessidades. Quando essas necessidades não são supridas, acontece uma instabilidade, que pode ser solucionada com alterações nos comportamentos, que resultem na satisfação dessas necessidades. E a homeostasia também é usada para descrever um sistema que permite manter a estabilidade de um ambiente, passando do nível individual para o do colectivo.
E acrescento eu que, para além destas compensações, há também tanto a ganhar, até pessoalmente, quando nos pomos nos “sapatos dos outros” e nos afastamos do nosso umbigo. Nem que seja para nos olharmos ao espelho e vermos a nossa figura.

14.11.17

Complexo da Geringonça

Por todo o País parece-me que já estarão terminadas as negociações e consequente instalação dos órgãos eleitos para assumirem as funções no poder local. Fui acompanhando, divertida, as justificações multilaterais e multicolores que se desfizeram em discursos de “fazer oitos com pernas de noves” para provarem as soluções encontradas. 
O meu divertimento, diga-se, é irónico já que, lá no fundo, é uma certa tristeza que acaba por prevalecer quando se dá atenção aos assuntos e se se depara com a verborreia saída das cabeças que alguma vez julgaram ser capazes de tomar nas suas mãos os destinos e as responsabilidades que o poder local exige e merece. Também senti, nalguns casos, que foi a surpresa dos resultados que deixou confusos os eleitos, provavelmente precisando de mais do que um par de meses para se acomodarem a uma nova situação, legitimada pelo funcionamento sério da democracia a que chegámos há pouco mais de 40 anos. 
Se a minha tristeza vem sobretudo de ouvir o discurso por parte de quem conheço minimamente, de quem conheço o trabalho, o empenho e as capacidades, e julgava capaz de reacções menos primárias, o meu divertimento vem da queda da máscara de outros. Os que  apregoando em campanha eleitoral serem capazes de governar com, para e por todos juntos, dando a entender que estariam ultrapassadas as questões do foro partidário em nome do que se pretenderia fazer em prol do crédulo e humilde munícipe, se comportam exactamente dentro dessa lógica partidária na altura de constituir o órgão executivo que depende, aí sim, de todos os que para ele foram eleitos, para se poder implementar uma qualquer opção política que afecte a vida dos eleitores, tenham ou não estes usufruído e cumprido da responsabilidade de lá ter ido, em dia de eleições, votar em quem queriam, ou quem não queriam, ver nesses lugares. 
Atenção que não me parece de espantar, é-me até muito compreensível, que quem milita a sério e empenhadamente num determinado Partido político, possa pôr, nestas guerras de cargos de poder, primeiro o interesse do Partido e só depois os outros, com argumentos verdadeiramente ideológicos e com impacto nas acções. Parece-me compreensível, entenda-se, se esse primeiro interesse não tiver já tido, num nível anterior, uma espécie de pecado original, que é o único e exclusivo interesse pessoal. E também não estou à espera que, nos que assim resistem a esse pecado, se encontrem uma espécie de mártires que não retirem das opções de militar num determinado Partido benefícios vários, no que gosto de chamar uma “win-win situation”. Até aqui a reciprocidade é um valor que muito respeito. E que não me engana quando não o é efectivamente e se disfarça, lá está, no aviar com uma homenagenzita, com palmadinhas nas costas ou apertados “abraços de urso”, aqueles que são, na realidade, tácticas de luta e não demonstrações de afecto.
De facto, este XXI Governo Constitucional português teria tanto para ensinar... Sobretudo a quem se tem deixado enganar por quem enche a boca com a palavra “consenso” e de quem diz que só “procura soluções”. É que até quem dizia que gostava muito da série dinamarquesa Borgen parece que já se esqueceu do que lá se podia aprender, e distinguir, sobre o mundo da Política e da politiquice.  Nunca me vou esquecer, e espero que as boas razões para isso se mantenham, deste governo que “casou” o seu “número” com o século em que os meus filhos, esses também “futuro de mim”, deverão viver mais do que eu, mas onde me sinto muito bem.         

7.11.17

Sexo e Cidade e Idade

Ora então vamos lá falar de sexo e do politicamente correcto ou não. Tudo a propósito da onda de denúncias, mais ou menos retroactivas, sobre o assédio sexual no mundo do cinema, mais especificamente naquele mundo cujo epicentro é Hollywood. Visitar o lugar em plena luz do dia é já perceber metade da história do que marca o compasso do “luzes, câmara, acção!”, já que o “glamour” que se vende na tela e no ecrã se esconde, naquela avenida central de Hollywood, numas estrelas douradas no chão ritmadamente incrustadas num cenário bastante decadente e onde o sexo é o motivo mais recorrente.
Falo do sexo desempoeirado do século XXI, o que não esconde as orientações nem finge que, no domínio do íntimo, a fantasia e a imaginação podem não ter limites. O que é do privado pode ou não ficar no privado e torná-lo público, não sendo obrigatório, acarreta riscos reveladores de desconfortos vários, para usar apenas um eufemismo, e gerar reacções legítimas em quem se sinta ofendido.  A idade da Humanidade trouxe-nos a esta realidade em que, no lugar frequentado por todos convivem e até vivem uma da outra, a assunção em expor os seus instintos e gostos sexuais com a pregação da moral que se dedica à preservação de bons costumes, mais ou menos anacrónicos.
O que também começou a mudar foi perceberem os que pactuavam, mais ou menos contrariados, com a falocracia, num sentido muito mais próximo do étimo dessa palavra que se alarga para designar sociedades machistas, que os limites da normalidade são questionáveis. De repente, parece que todos acordaram poetas revolucionários e olharam o mundo onde se moviam rotineiramente com um olhar inaugural. Nada contra, obviamente. Todos temos o direito de precisar de um tempo em que apuramos que o que fazemos contrariados não acontece porque também o permitimos. Descobrir isto mesmo pode ser doloroso e até dificultar a denúncia. A sociedade progressista também nos permite isto, uma espécie de arrependimento do pecado no leito da morte...
O progresso social permitiu-nos, aliás, considerar correcto politicamente, porque afecta as regras de funcionamento do que é a vida em sociedade, quer a assumir o que seriam diferenças da vida íntima obrigadas a serem caladas no espaço público por gerarem vítimas de intolerância, quer a denunciar o que querendo esconder-se no lugar do íntimo o faz de forma não consentida. Ignorar esta realidade é até impedir quem queira de facto aproveitar-se dessa, adaptada por mim, falocracia de forma assumida e com as consequências várias que daí podem advir. O que podemos tolerar como modo de viver a vida parará, em meu entender, nos limites do politicamente correcto quando se atinge um grau mínimo de violência. Esta pode ser física, psicológica ou social e é um acto absolutamente condenável e em que numa sociedade onde a justiça funciona para além do animalesco “olho por olho, dente por dente”, não pode passar incólume. Denuncie-se e proteja-se a vítima. Que não se fique por uma auto-censura que nem todos têm estrutura, nem o dever submisso, de usar.
E, a propósito, informo que estou à espera do desfecho do caso do estranho acórdão que envolve dois homens e uma mulher numa agressão com pau e pregos, à espera do funcionamento das instituições, para fechar a minha opinião que, até agora, permanece na indignação semi-privada, mas também na confiança dos que na sociedade civil tomaram logo, e bem, entre mãos o assunto. 

31.10.17

As maritacas deste Mundo

Escrevo esta crónica a sobrevoar o Atlântico, vinda do Brasil. Foi uma viagem de trabalho. Alguns aproveitam-nas para esticar as estadias e fazer turismo. Não o fiz, pelo que a minha primeira visita ao atraente Brasil dos folhetos turísticos se ficou por uma pequena (mas encantadora) cidade de Minas Gerais, e pelos percursos entre o aeroporto mais próximo. Mas o que é certo é que trouxe de lá muito mais do que os habituais “recuerdos” ou mais um record de milhas voadas.
Das curiosidades com que também todos os viajantes se costumam enriquecer, trouxe o estreito contacto com as maritacas, uma espécie da família do papagaio e do periquito, pequenas aves coloridas de piar incessante e estridente que dão origem à expressão que diz de alguém que fala “como uma maritaca”. Em Portugal associamos à gralha ou usamos a corruptela da expressão brasileira dizendo que fala “como uma matraca”, o que só acentua o efeito doloroso de quem tem de as ouvir.
Também trouxe alguma informação, mais completa pela proximidade, que os meios de comunicação se encarregam de passar para as massas e que me revelaram um Brasil em perigo. Talvez um pouco mais em perigo que o resto do Mundo democrático por lhes faltar, aos cidadãos comuns, ainda tanto do que quem vive em democracia, e em sociedades progressistas, merece e a quem se exige, ou devia exigir, que assim se preserve, democrática e progressista. Se ainda a sua maior parte ainda não provou dela, parece o seu todo mais atreito a abrir mão do pouco a que tiveram acesso, vítimas de engodos e equívocos vários.
Quando as notícias quase diárias de confrontos nas favelas do Rio de Janeiro, em que habitantes e polícias militares são feridos e mortos, o que parece o agravar de uma situação anormalmente considerada normal, eis se não quando acontece que uma das vítimas foi uma turista espanhola que resolveu comprar o “tour” à Rocinha e não saiu de lá para contar a experiência, termo tão caro à área do Turismo, em diversas ópticas do especialista académico ao viajante comum. O turismo da pobreza tem tudo, e mais alguma coisa, para ser uma actividade de gosto duvidoso. Ele não é o oposto de fechar os olhos e ignorar a pobreza com que nos cruzamos sem querer. É, no meu entender, um desrespeito para com os nossos semelhantes, uma atitude sinónima de oportunismo e sobranceria.
Durante a minha estadia também a já quase lisboeta Madonna esteve no Rio e resolveu visitar uma associação com um relevante papel social na mesma favela em que a turista foi apanhada no meio de um tiroteio. Uma visita que se quis tudo menos discreta, ao bom jeito que nós percebemos que muitas celebridades gostam de viver e de que se alimentam muitos meios de comunicação. E valeu os reparos de vários comentadores de vários canais e suportes de comunicação social. Uma incessante e estridente Madonna, transformada em pequena maritaca. Não se julgue, no entanto, que este modelo metaforizado ao jeito da maritaca é só de estrelas de nível mundial. Ele há maritacas de género vário e em terras pequenas para o resto do mundo mas enormes no coração, e no discurso, dos seus filhos. São do tipo que uma vez poisadas num dos ramos mais altos do “pedaço”, julgam que a única forma de justificar a sua existência é palrar de forma incessante e estridente. Uma tentação. Perceber isso pode ser já um passo para evitá-lo. O outro é ter mais alguma coisa para dar do que só ser incessante e estridente.

24.10.17

Nações valentes e mortais

Temos assistido nas televisões, rádios e jornais, nas últimas semanas, ao desenrolar da situação política em Barcelona, a propósito da vontade independentista da Catalunha. Sendo um caso, ele é comum a outros países, até mesmo europeus e não só em zonas do globo em guerra e mais distantes, e não deixa de ser um exemplo de nacionalismo. Devo admitir que sou pouco nacionalista, não deixando de ser patriota q.b.. A Pátria é a terra Mãe, e mesmo não sendo como Natália Correia dizia que devia ser por isso a Mátria, há uma identificação que reside sobretudo na questão de origem e pertença, em várias dimensões que vão da língua aos costumes, dos saberes aos sabores. E, talvez por isso, me espante ver que muitos dos mesmos que se insurgem contra outros movimentos nacionalistas defendam aguerridamente este da Catalunha. Do que já pude constatar por lá, o espírito catalão está tão bem conservado como está o pitoresco em qualquer capital cosmopolita deste século: o que é global é global, o que é europeu é europeu, o que é espanhol é espanhol, o que é catalão é catalão. Também devo dizer que o referendo, prática inquestionavelmente democrática, é um acto que requer um período de esclarecimento profundo dos eleitores e perguntas acessíveis, claras e concisas.
Talvez convenha atentarmos na definição destes conceitos que giram em torno de territórios onde pessoas nascem e/ou vivem e para cuja organização contribuem de diversas formas que vão dos deveres às obrigações, dos impostos aos subsídios, entre outras muitas mais questões. Assim, vemos que o conceito de Nação é próximo do de País, mas sublinha os valores culturais comuns a uma população; que Pátria salienta um País ou território enquanto realidade afectiva a que grupos e indivíduos estão ligados; que País se refere, normalmente, a um território com organização política própria; e que o Estado é a entidade responsável pela organização de um território e da vida da população ou do conjunto de populações que aí habitam.
Assentando a visível contestação catalã de certas lideranças muito na base do argumento regime republicano versus regime monárquico, é de facto a única que se apresenta de forma clara, já que as outras razões gritadas por muitos são enevoadas ou desmontáveis pelo forte sentimento de quem visita a Catalunha e nela dá logo de caras com as suas autonomias. Assim, os catalães querem um Estado só seu, o que não é uma coisa leve de decidir de um dia para o outro, quando tanto já se deu e recebeu por se ser parte de outro. Aliás, a ânsia deste tipo de independentismos, e sabendo que a letra da canção “Imagine” do Lennon é toda ela um hino da utopia, esse não-lugar, tem tendência a exacerbar muito mais os ódios do que os consensos, o que pode, desde logo, contagiar muito mais o ambiente onde se instalam do que trazer benefícios ao cidadão comum.
Gostei de ler num sítio web de Educação o que se dizia sobre estes conceitos, embora se caia no argumento “ad Hitler”, demasiadas vezes usado e por isso mais gasto do que útil.  E lá dizia-se assim: “Muitos Estados, para garantirem o exercício de suas soberanias em seus territórios, tentam criar entre os seus habitantes um sentimento nacional, ou seja, a ideia de que aquele país equivale a uma nação geral, o que costuma ser chamado de nacionalismoO estímulo ao nacionalismo é visto com bons olhos por muitas pessoas no sentido de essas valorizarem os seus territórios e suas populações, mas é preciso ter cuidado, pois os fatos históricos já demonstraram que um nacionalismo extremo pode provocar uma onda de fascismo. Nesse caso, o governo e até as pessoas passam a considerar que a sua nação (ou “raça”) é naturalmente superior às demais, justificando ações bélicas e formas de preconceito diversas, tal qual foi o caso do Nazismo na Alemanha em meados do século XX.” Vale a pena pensarmos nisto.

17.10.17

Quem ou porquê?

Voltou o terror do fogo. E a minha vontade de respeitar os mortos e os que os amam com o silêncio choca com o espectáculo da histeria de desconhecidos que dizem ser assim que se lhes pode tomar as dores. A tristeza de todos nós, Portugueses, é tão inegável como a dor real dos que a sentem, e até essa se mostra aos outros em doses tão desiguais quanto inquestionáveis. Mas a exibição excessiva da lágrima que se verte pela dor do outro arrisca a parecer, e talvez a ser, tão mesquinha como a falta de compaixão, aquela que desperta a vontade de ajudar quem sofre. E por isso, desta vez, neste luto, falarei. Pouco, mas falarei.
Tivemos de novo as forças desiguais da Natureza que desasam os humanos. Todos os humanos. Da costa Oeste da América do Norte à costa mais Oeste da Europa. Não me venham por isso falar de conspirações... De novo os mais vulneráveis, os que com ela, a Natureza, convivem, até que se revolte, em cumplicidades invejadas ou incompreensíveis para os que vivem dela mais afastados, são as suas primeiras vítimas. Como se os santos da casa não fizessem milagres, ou só fizessem a alguns: àqueles que ouvimos, incrédulos. Eles incrédulos pelo milagre de terem escapado, incrédulos nós por não nos conseguirmos imaginar na sua pele. Os medos na Cidade, uns mesmo à espreita outros atávicos, levam-nos a sentir na vida no campo, junto dela, a Natureza, uma espécie de nostalgia do paraíso terrestre. E quando o paraíso se transforma em inferno, ficamos à procura da mesma lógica que explica os “porquês”. A lógica que se aplica a nós, os da Cidade, grande ou pequena, onde os quatro elementos – fogo, ar, terra, água – estão relativamente domesticados, onde  a dureza da pedra e da cal ou do tijolo e do cimento não atrai o fogo como a seiva dela, a Natureza.
Transformamo-nos todos, os que assistimos ao que parece, e desejávamos que fosse, só uma história de terror, naquela personagem que investiga o crime. E nessa ânsia humana de remediar com a justiça o que tantas vezes é já só uma pálida amostra de um remédio que cura a dor, esquecemos que na procura do culpado um longo percurso requer que à pergunta “quem?” venha antes a pergunta “porquê?”. Na recolha das provas, o móbil do crime é a meada de fios da qual talvez apenas só um seja o condutor que liga a vítima ao carrasco. É desse trabalho de investigação, pesquisa, minúcia, cuidado, que se pode chegar ao fim e descobrir o “quem”. Mas mais: é  com esse trabalho que se evita que, quando as vítimas parecem ser em série, se tomem as devidas providências para que não chegue a haver a próxima vítima. Não garantimos que não se repita, mas tentamos. É desse trabalho que podemos, quando ela, a Natureza, mostra a sua fúria ter connosco o conhecimento, a técnica, o instrumento que torne esse medir de forças menos desigual. É trabalho, é empenho, é concentração de esforços de equipa e não de uns a quererem livrar-se dele e outros a querer despachá-lo para recolher dele os louros. A culpa? A culpa há-de ter que se apurar, claro. Até com o risco de podermos vir a não gostar de ter encontrado “aquele” culpado. É tempo de ter esse trabalho. Já era, há muito. Silêncio! E fale quem sabe que nós estamos cá para ouvir e aprender. Também a sobreviver.

10.10.17

Correcções e insurreições políticas

É bom estar de volta às crónicas da DianaFm e continuar a pensar convosco as andanças desta terra, seja ela cidade, região, país, continente ou habitat da espécie humana.
O Verão foi longo, quente e fatal, tudo ingredientes para que não tivesse senão um pinguinho de aroma a silly season, e, e... Parece que já nem num mundo mergulhado em redes sociais a tradição das convenções supérfluas de agir à jetset é o que era. E conseguir impor tréguas carnavalescas à seriedade do que realmente importa torna-se difícil. Talvez até pior ainda: o que foi silly foi o que, por força de outros calendários, e falo do eleitoral em particular, se deveria ter mantido a sério e não conseguiu. Mas adiante, que esse assunto está encerrado, com o povo que pôde escolher quem lhe resolva, ou tente resolver, o problema de ao pé da porta, tão importante como o problema que afecta a Humanidade lá mais ao longe. Daqui para a frente se construirá o julgamento em 2021. 
Nesta série de crónicas decidi alinhar não por alguma constante que tenha estado fora das anteriores, que se fizeram à volta de estrangeirismos, expressões populares, verbos, citações ou metáforas, mas onde os acontecimentos suscitaram, e continuarão a suscitar, a opinião. Com a certeza, porém, de que manterei o que sinto desde o princípio: que por ser opinião que expresso publicamente tenho o dever de explicar os seus porquês com argumentos que não diminuam quem os oiça com atenção; que pessoas inteligentes perante a mesma informação podem ter opiniões diferentes e, que uma vez explicadas nesta mesma base, não são opiniões nem intelectualmente limitadas, nem desonestas. O que me leva também a distinguir, como é evidente, entre opinião e carácter. Nem todos os opinativos têm bom carácter e nem todos os que têm bom carácter têm de ser opinativos. O carácter é também o que permite, para além da opinião, atitudes correctas ou não. E não estou a pensar fazer nenhuma espécie de tratado de ética ou moral em fascículos, mas apenas e só a pensar convosco o que vamos ouvindo dizer sobre o que acontece.

E para começar esta etapa em que as palavras continuam, afinal, a estar omnipresentes (como nos estrangeirismos, nas expressões populares, nas metáforas ou nas citações) importará perceber que, como tudo, as palavras crescem e modificam-se sem nunca precisarem de ser desvalorizadas, nem mesmo até, por serem de uso perigoso, ser deixadas à solta. E é por isso que importa percebermos, e vos deixo a pensar, sobre o tanto que agora se diz sobre o “politicamente correcto”. Lembro que na origem é uma classificação de algo ou alguém que segue as normas estabelecidas por uma instituição oficial. E, normalmente, quando se fala em “politicamente correcto”, qualifica-se o uso de palavras ou o discurso que evita estereótipos ou referências a diversas formas de discriminação existentes ainda numa sociedade em progresso, como o racismo, o sexismo ou a homofobia. Deste conceito cria-se, através de uma lógica discutível, a ideia do “politicamente incorrecto” em que todo o cuidado em evitar o uso de expressões ofensivas para determinadas pessoas ou comunidades, é desconsiderado. O discurso “politicamente incorrecto” é o comum do discurso humorístico, legitimamente silly, portanto. E quando se opina em público é fácil sentirmo-nos atraídos por ele. Resta saber onde acaba o humor e começa a intolerância.