25.3.14

Manifesto-me

Cansa-me por vezes ouvir as pessoas a falar, até ingenuamente, do que desconhecem com a profundidade proporcional às críticas que lhe infligem. Até porque isso dá jeito a quem discorde dos assuntos que estão em cima da mesa e faça toda a espécie de contorcionismos para falar do que lhe interessa e não do que lá está. O caso do Manifesto dos 70 parece-me exemplar, já que aparece como um “ponto de ordem” a ter de ser feito nesta espécie de vertigo em que o governo português nos precipita. A minha crónica de hoje, “cosida” com excertos deste Manifesto é uma tentativa de falar do que ele é e esclarecer os que foram arrastados por alguns que o transformaram naquilo que querem que seja. É que como disse o Sartre, «a desordem é o melhor servidor da ordem estabelecida.»
Apesar de disponível em vários meios, o que ficou e quiseram muitos que ficasse deste Manifesto, que considero histórico, foi o facto de ter sido subscrito por pessoas de quadrantes políticos distintos, com a ausência do PCP-PEV que ficam assim, como o outro, “orgulhosamente só”.
O Manifesto é uma tomada de «posições diversas sobre as estratégias que devem ser seguidas para responder à crise económica e social, mas que partilham a mesma preocupação quanto ao peso da dívida e à gravidade dos constrangimentos impostos à economia portuguesa». É que se à partida, em política, partamos do princípio que o interesse comum é o objetivo e as propostas para lá chegar é que podem variar, damo-nos conta que, demasiadas vezes, quando se tem o poder, mesmo o da oposição, esse objetivo parece perder-se pelo meio de outros interesses.
Os que o assinaram confirmam que foi a, jocosamente tratada por muitos, «crise internacional iniciada em 2008 [que] conduziu, entre outros fatores de desequilíbrio, ao crescimento sem precedentes da dívida pública» e estão conscientes de que esta «tornar-se-á insustentável na ausência de crescimento duradouro significativo».
Com a aproximação das eleições europeias, habitualmente pouco participadas pelos eleitores, é também comum apelar-se à demonização do euro. A moeda única é, de forma simplória, conotada com a desgraça em que caímos mas, como diz ainda o Manifesto, «se o euro, por um lado, cerceia a possibilidade de uma solução no âmbito nacional, por outro, convoca poderosamente a cooperação entre todos os Estados-membros aderentes. A razão é simples e incontornável: o eventual incumprimento por parte de um país do euro acarretaria, em última instância, custos difíceis de calcular, mas provavelmente elevados, incidindo sobre outros países e sobre o próprio euro.» E alerta ainda que quando da «entrada em funções da nova Comissão Europeia [a que sai das próximas e importantes eleições em maio], deverá estar na agenda europeia o início de negociações de um acordo de amortização da dívida pública excessiva, no âmbito do funcionamento das instituições europeias.»
Finalmente, a buzzword que me fica deste Manifesto, que inclui propostas concretas que vos aconselho a ler, poderá resumir-se assim: «No atual contexto, Portugal pode e deve, por interesse próprio, responsabilizar-se pela sua dívida, nos termos propostos, visando sempre assegurar o crescimento económico e a defesa do bem-estar vital da sua população, em condições que são também do interesse comum a todos os membros do euro.»
Termino. O Manifesto dos 70 é uma posição de oposição. Construtiva, responsável e moderada, muito diferente da oposição radical que “rasga vestes”, “arranca cabelos” e promete os “amanhãs que cantam” de que ainda estamos à espera nos sítios em que são poder. 

18.3.14

Mistérios e maldições

O Boeing 777 da Malaysia Airlines, que já se considera o caso mais misterioso deste tipo de ocorrência, levou-me a pensar no quanto ficamos incrédulos quando julgamos que temos tudo devidamente controlado num ou noutro aspeto das nossas vidas e, de repente, algo acontece que nos escapa. Espantamo-nos mesmo sabendo que há imprevistos, mesmo sabendo que nunca pessoas poderão controlar totalmente situações ou outras pessoas.
No limite, denúncias, aplicação de leis, revoltas, fugas, revoluções, intervenções diplomáticas ou bélicas, e até simplesmente eleições têm tratado de resolver esse tipo de situações em que pessoas tentam controlar outras pessoas. Já com as falhas em matérias como as tecnológicas, como esta história dos radares que não encontram o avião ou partes dele, ficamos tão desasados que, perante a assunção de um erro para o qual não temos justificação, empurramos a falha para o domínio do misterioso. E fazê-lo é, de facto, assumir a nossa falta de controlo, às vezes óbvia e sem que se tenha de justificar. Tentar corrigir o desconcerto perante a falha é algo que algumas vezes, esfarrapadamente, se faz à custa de coisas que também só no universo do mistério ganham existência. Isto acontece muitas vezes em domínios não tão tecnológicos assim, como o das relações de poder em diferentes níveis, por exemplo.
Ao multifacetado artista e poeta francês Jean Cocteau atribui-se uma frase, que não consegui contextualizar mas que me pareceu oportuna, e que diz o seguinte: «Uma vez que estes mistérios nos ultrapassam, finjamos ser os seus organizadores.» E é assim que muitas falhas são aproveitadas, quer por quem falha para as remeter abusivamente para a zona do mistério, quer por quem esteja mortinho por que alguma coisa falhe e venha recriar maldições póstumas, daquelas em que já não é preciso ser-se bruxo para as fazer.
Parece-me que há quem muitas vezes se aproveite para transformar uma falha, que porque é falha não devia ter acontecido ou estar a acontecer, no tornar-se realidade ou do seu ceticismo sem fundamento ou da sua discordância por uma razão que não aquela por que se dá a falha, mas fingindo que é. Normalmente fala assim quem não age, ou não tem oportunidade de agir, e se coloca na confortável posição de espetador, pois como é sabido “só não erra quem não faz”. Fala assim quem tem dificuldade em colocar-se, benevolamente “fingindo-se” (que é o mesmo que imaginar-se) na posição e nas circunstâncias do outro.
Mas regressemos ao voo 370 da Malásia. Quando eram uma pálida amostra do que são hoje os instrumentos que permitem a busca de um avião desaparecido, não era tanta a frustração perante a incapacidade de agora (não sei como será à hora de ouvirem ou lerem esta crónica) ainda nada se saber. E é nestas situações de falha que há alguns que se tornam precisamente mais injustos com os avanços que a humanidade fez e parecem esquecer o que de pior ficou para trás.

É uma injustiça semelhante que sinto quando oiço aquelas vozes que desancam nos últimos 40 anos da vida em Portugal e sonham com o antes. Mas isso é assunto para outra crónica.

13.3.14

Assuntos de Câmara III

Ata de 26 de fevereiro
«O Senhor Presidente referiu que este assunto o tem ocupado quase desde o primeiro dia do mandato, mencionou até que no dia da tomada de posse recebeu uma informação de que o Inalentejo se preparava para cortar o financiamento à obra da Escola André de Resende, dando como justificação que a Câmara não tinha apresentado a documentação exigida. Após verificação de toda a documentação concluíram que o documento em falta era do Ministério do Educação relativamente à inscrição orçamental da verba de contrapartida nacional para a obra em questão. Neste contexto, contactaram o Ministério da Educação, o que não foi fácil, e conseguiram apurar que estava pendente de uma informação do Senhor Secretário de Estado do Tesouro, no entanto em conversa com o Senhor Secretário de Estado concluíram que o mesmo não tinha conhecimento do documento, no entanto foi a partir desta conversa que desbloquearam o assunto e conseguiram que o documento fosse enviado, chegando ainda a tempo de reverterem a situação junto do Inalentejo e assim obtiveram o financiamento para a obra da Escola André de Resende. Informou também, que já foi feita a consignação da obra, mas aquela obra tem alguns problemas nomeadamente o facto de abranger apenas uma parte da Escola e deixa de lado dois pavilhões que têm a cobertura em amianto e seria o momento ideal para resolver este problema. Estão também excluídos desta obra os arranjos exteriores, bem como um conjunto de outras situações que ainda estão a fazer o apuramento global da situação. É evidente que irá existir uma intervenção grande na Escola, mas não resolverá todos os problemas sendo o mais substancial o do amianto. Vão tentar encontrar soluções para tentar resolver esta área que não é abrangida, constituindo uma equipa interna multidisciplinar para acompanhar a obra e ainda irão fazer uma apresentação na Escola, não apenas para a população escolar, mas também aos moradores envolventes, para articularem de uma forma mais próxima junto das pessoas envolvidas nesta situação.

Nos outros pavilhões, onde também há amianto, têm estado a fazer a programação da obra, para que o amianto seja retirado nos momentos em que não há atividades escolares, eventualmente nas férias da Páscoa e do Verão. Posteriormente, e à medida que esta situação seja resolvida irão dando informações à Câmara.»

Notícia de 6 de março:
«As obras de requalificação da Escola Básica 2,3 André de Resende, em Évora, que deverão arrancar nas próximas semanas, não incluem a remoção das coberturas de placas de fibrocimento de dois pavilhões.
A informação foi avançada pelo presidente da Câmara de Évora, Carlos Pinto de Sá, que se mostra surpreendido por o projeto de requalificação do estabelecimento de ensino, elaborado pela anterior gestão municipal socialista, “não contemplar toda a escola, mas apenas uma parte”.
“Os dois pavilhões que não vão ser intervencionados têm [placas de] fibrocimento e não vai ser possível ainda nesta obra resolver esse problema”, lamenta.
De acordo com o autarca, a remoção do fibrocimento, devido ao perigo do amianto, “já não é possível” durante esta obra, porque “está adjudicada e o financiamento está garantido”.
Carlos Pinto de Sá adianta que há mais três escolas no concelho que têm placas de fibocimento, pelo que propõe que se utilizem fundos comunitários para “resolver este problema que é de saúde pública”.»

Declaração na reunião de 12 de março:

Então, face ao exposto, e relativamente a essas declarações do Sr. Presidente da CME à comunicação social sobre a não remoção das placas de fibrocimento nas obras da Escola André de Resende, importa esclarecer:
1.      As obras nesta escola só se vão realizar porque o executivo municipal socialista, ao assinar o contrato de execução de transferência de competências em educação em 2008, acordou que apenas receberia a propriedade daquela escola após intervenção profunda na mesma, o que não aconteceu nunca nos mais de 30 anos de existência da escola André de Resende, dando início a todo o processo de definição de financiamento da obra; o atraso na reta final, prontos que estavam os projetos de arquitetura e engenharia, aconteceram por demora de apresentação junto do InAlentejo de documentação comprovando a contrapartida financeira nacional, da responsabilidade do Ministério da Educação;
2.      O projeto da escola foi feito dentro do orçamento disponível e contemplava, inicialmente, a construção de novos edifícios e a demolição de todos os edifícios que a compõem, à exceção do pavilhão gimnodesportivo que tinha recebido uma recente remodelação profunda; mais se informa que o orçamento já não poderia incluir um projeto de arquitetura paisagista dentro do recinto da escola, mas que quer a CME, quer a direção da escola, como também o corpo docente e os encarregados de educação, acordaram que esses arranjos dos espaços verdes seriam feitos no âmbito de um projeto educativo alargado de participação plural, no final da obra;
3.      A decisão de se manterem os dois pavilhões em causa nas afirmações veiculadas na comunicação social foi da direção da escola e da então direção regional de educação, justificando-se com o facto de terem sido feitas intervenções recentes, nomeadamente a nível de laboratórios, nestes dois pavilhões, estando pois certificados para que continuassem a ser utilizados; a decisão não foi, por isso e ao contrário do que terá afirmado o Sr. Presidente, unilateral da CME mas de quem detinha, e detém ainda até à conclusão da obra, a responsabilidade de gestão daquele estabelecimento escolar;
4.      Finalmente, estas afirmações, ambíguas, pouco esclarecedoras e aproveitando a mediatização do assunto do amianto em edifícios públicos, proferidas no início de uma obra que vai necessitar de um forte empenho de toda a comunidade escolar alargada (direção da escola, docentes, pessoal não-docente, encarregados de educação, DGest, Ministério da Educação e CME), só as entendemos, na forma como transparece na comunicação social como uma manobra oportuna de menorizar o legado que o executivo comunista recebeu do investimento feito em educação no concelho de Évora, pelo executivo socialista de 12 anos, mesmo que os resultados previsivelmente venham a ser percetíveis apenas agora, para alguns cidadãos.  


11.3.14

Ciência, sociedade, artes e humanidades

Amanhã dia 12 de março é dia da escola de ciências sociais da universidade de Évora. Declaração de interesses: é a escola onde trabalho e de que me tinha em parte afastado quando, pouco menos de um ano antes, se tinha reorganizado em escolas em vez de áreas departamentais. Devo dizer que a palavra escola, e o seu conceito, me agradam bastante. E mais me agrada ainda o princípio de “fazer escola”. Por outro lado, e por ser de literatura, confesso-vos também que, quando da reorganização, ter tido pena de se afastar a literatura da área das artes. Mas como acredito que a teoria dos vasos comunicantes, originária da hidráulica (mas que também aparece como técnica da narrativa, em literatura portanto) funciona ou devia funcionar em muitas mais áreas, parece-me afinal que o sistema não obstaculiza a que docentes, alunos e matérias comuniquem entre si para que o necessário equilíbrio, leia-se qualidade de ensino, seja alcançada. É isso que tenho encontrado na atividade letiva, na investigação e no que chamamos, estatutariamente, “tarefas de extensão universitária, de divulgação científica e de valorização económica e social do conhecimento”, e me levam a prever que assim continue a ser.
Mas voltemos à noção de “fazer escola”, para que possa dizer-vos que me faz sempre muita impressão ver grandes mestres sem discípulos que lhes possam suceder. Pode-se ser o melhor numa determinada área e por avaliação unânime; pode-se até ter contribuído para num determinado momento ter virado o rumo à História; mas não ter deixado descendência nessa área, e de preferência que ultrapassasse a fama dos progenitores, revela que o papel que se desempenhou, por muito meritório, é muito mais um hino à individualidade, para não falar em egoísmo, do que à humanidade, para não falar em igualdade ou fraternidade.
Sendo o “fazer escola” transversal a muitos terrenos de atuação importa, no entanto, voltarmos à escola de ciências sociais da universidade de Évora. E realço a importância que me merece, pertença minha à parte, citando Jean Fourastié, o economista francês que classificou como de “trinta gloriosos” os anos, em França, que se seguiram à II Guerra Mundial: «O atraso das ciências económicas e sociais em relação às ciências da matéria é uma das causas das atuais infelicidades da Humanidade. A técnica arrasta o homem para horizontes imprevistos.»

Os dias comemorativos a que tenho assistido, e o programa que amanhã se promete e que em vários momentos, apesar de ser comemoração interna, será aberto a toda a comunidade eborense, têm sempre conseguido demonstrar a importância, para o “resto do mundo” que é afinal a Humanidade, das ciências sociais. Ciências da educação, ciências da informação e documentação, economia, educação básica, filosofia, gestão, história e arqueologia, línguas, literaturas e culturas, psicologia, relações internacionais, sociologia e turismo é o que se estuda, ensina e investiga. E, tantas vezes, quando vejo estas ciências misturarem-se com as outras – as da saúde, da tecnologia, da terra e da vida ou do exato – ou com as artes, bem como na abordagem de temas e problemas que afetam a vida das pessoas e das comunidades, me convenço do seu lugar tão próprio no progresso da Humanidade. É que se é a técnica que permite o progresso, não há técnica que sirva beneficamente a humanidade sem que seja questionada, seja perspetivada e se avalie o seu impacto. E é para isso que nós, os das ciências sociais que já tiveram ao longo dos séculos vários rótulos, vamos também contribuindo.

7.3.14

Assuntos da Câmara II

Reunião Pública de 15 de janeiro de 2014.

Sobre as tolerâncias de ponto em 2014 na CMÉvora:
Proposta:
«os Vereadores do PS tinham uma contra proposta para apresentar, no sentido de substituir o dia do aniversário pelo cinco de outubro e pelo primeiro de dezembro, uma vez que estes dois dias têm uma carga simbólica muito grande, em especial e para Évora o primeiro de dezembro.»
Declaração de voto:
«Tendo em conta que apresentámos uma proposta que, por não se saber se legalmente possível, não foi votada e foi mantida a proposta inicial em que se propõe a reposição do dia de aniversário do funcionário para tolerância de ponto e os 50% dos dias de S. João e Ascensão – retirados há dois anos atrás, num pacote mais geral de medidas de contenção internas e sem que tenha havido, pelo menos que seja do nosso conhecimento, qualquer relatório que reflita o impacto desta medida de dois anos, os vereadores do PS abstêm-se nesta votação.»

Sobre as propostas da CDU de revogação dos regulamentos de apoio aos agentes culturais, juvenis e sociais, assunto retirado pelo Presidente da Câmara:
«A Senhora Vereadora Cláudia Pereira considerou que não tinha nenhum problema relativamente à calendarização. No entanto, estranhou o pedido de revogação, pois quando existir outro Regulamento o que está em vigor será automaticamente revogado. Aludiu, ainda, que o facto de não haver apoios financeiros está também contemplado no regulamento em vigor. Não tem sido possível atribuí-los e pelos vistos vão continuar assim.»

5.3.14

Carnavais e entrudos

"Que ideia a de que no Carnaval as pessoas se mascaram. No Carnaval desmascaram-se", dizia o Vergílio Ferreira que, se fosse vivo, teria feito no sábado 98 anos.
Os carnavais mais famosos do mundo são os de Veneza e do Brasil. O antepassado do carnaval brasileiro é português e chamava-se, como nós ainda cá chamamos às vezes, entrudo. Na colónia brasileira o entrudo era festejado pelos escravos que saíam pelas ruas com os rostos pintados, atirando farinha e bolinhas de água com cheiro às pessoas. Era considerada uma prática violenta e ofensiva, mas era bastante popular e acabou por resistir às interdições.
Há algo nisto do entrudo que me faz pensar nas praxes. Parece-me que as praxes se poderiam integrar nesta categoria de manifestação pública. E, já agora, aprendermos todos, quem gosta e quem não gosta delas, alguma coisa com esta história do entrudo… Atente-se nestes factos sobre entrudos e carnavais, e veja-se se não se aplicam a tudo o que entra no domínio do caos cíclico e que serve precisamente para lembrar, ritualmente, que após o caos vem, ou devia vir, a ordem.
No carnaval brasileiro as famílias brasileiras mais abastadas não comemoravam na rua, inicialmente com os escravos e depois com os populares, ficando nas suas casas onde havia brincadeiras. E as jovens moças das famílias de reputação ficavam à janela, mas também a atirar água a quem passava
Em meados do século XIX, no Rio de Janeiro, a prática do entrudo passou a ser criminalizada, principalmente após uma campanha veiculada pela imprensa. Enquanto o entrudo era reprimido nas ruas, a elite do império criava os bailes de carnaval em clubes e teatros. A elite do Rio de Janeiro criaria ainda as sociedades, que passariam a desfilar nas ruas da cidade. Enquanto o entrudo era reprimido, a alta sociedade começava a tomar as ruas.
Nos finais do século XIX, tentando adaptar-se à disciplina policial, foram criados os cordões e ranchos. Os primeiros recorriam ao modelo das procissões religiosas com manifestações populares, como a capoeira e os zé-pereiras. Os ranchos eram cortejos praticados principalmente pelas pessoas de origem rural. As elites que frequentavam os bailes de fantasia usavam máscaras e disfarces inspirados nos bailes de máscaras parisienses com origem na commedia dell’arte.
Quanto ao Carnaval de Veneza,  surge a partir da tradição do século XVI, em que a nobreza se disfarçava para sair e misturar-se com o povo.  Ao contrário de outras comemorações desta natureza, que nascem principalmente da mobilização popular, esta celebração é originalmente um ritual promovido pela elite financeira e cultural. Caracterizada até hoje pelo uso de máscaras e figurinos que tentam, atualmente, reproduzir o estilo dos nobres dos séculos XVII e XVIII, ou os modelos apresentados também pelas tais personagens da commedia dell’arte, a Praça de São Marcos é invadida pelo povo e por turistas, enquanto as elites continuam a refugiar-se nas majestosas mansões e nos castelos do Gran Canale, onde há também requintadas festas.
Curioso é que, em finais do século XI, o carnaval de Veneza figurava nos registos como festas que se prolongavam ao longo de seis meses e o uso de máscaras tinha-se tornado tão habitual que foi preciso criar leis para regular a sua frequente utilização. Muitos ladrões e assassinos ocultavam-se por trás delas e várias pessoas cometiam adultério protegidas pelo anonimato.

Tudo isto nos faz pensar que com uma máscara, e abusando de um uso, costume ou tradição, se pode estragar o que devia ser um prazer e um divertimento.