28.6.12

Promessa é dívida - É mais fácil prometer que dar

Por várias vezes tenho ouvido conversas que questionam sobre o como é que a crise está a parar as coisas. Parece que há um sentimento generalizado de que tudo continua na mesma, sobretudo nos grandes eventos de massas. Eu cá no meu bolso e na minha vida de vereadora deparo-me com ela todos os dias e não é só desde de 2011. E convivo com as suas vítimas, resistentes e resilientes, desde há largos meses. Havendo alguns que parecem já estar mais para lá do que para cá e aparentemente conformados, outros há que a recebem com choque ao primeiro embate. É como se fosse a diferença entre a dor crónica e a dor aguda, sendo que a dor crónica se agudizou. E o embate teve a ver com a legislação, que é aquilo que os técnicos em leis fazem sob orientação dos políticos, e com a chamada “lei dos compromissos”. Sobre compromissos não encontrei nenhum provérbio, mas sobre promessas há uma chuva deles e cheiinhos de razão. É que a lei dos compromissos veio mesmo impedir uma enorme quantidade de promessas que se podiam fazer, e em muitos casos, com muito ou pouco atraso, cumprir. E não é que mesmo quem diz que os políticos só prometem, quando eu agora venho dizer que não prometo, não porque não queira mas porque não posso, há quem leve a mal! Também é verdade que os recém impedimentos trouxeram ao conhecimento práticas e procedimentos que muitos, se não a esmagadora maioria das pessoas, desconheciam. Opções de políticas de incentivo, que se deram como direitos naturalmente adquiridos, sobre os quais não se faziam contas, e que agora já não podem ser opções, são mal interpretadas como uma não vontade de apoiar. É o caso particular do nosso teatro municipal.

Equipamento “tão” patrimonial como o é a nossa cidade de Évora, o “Garcia de Resende”, onde reside uma companhia que tem ao longo dos anos também prestado serviço externo aos espetáculos aí realizados, serviços pagos depois pelo município (sempre com dificuldades e, em meu tempo de vereação, com grandes atrasos), mesmo os que são realizados pela própria companhia, vê-se agora comprometido na sua utilização. Serão não só algumas condições de segurança, cujas melhorias se preveem em projetos para os quais não há dinheiro para tirar das plantas, mas também com o pagamento desses serviços técnicos que cada ensaio e espetáculo exigem. Não podendo, nem querendo aumentar a dívida para com esses prestadores de serviços, qualquer promessa que assuma um compromisso de pagamento não passará nunca de uma daquelas que enchem o inferno. E é por isso que quando houver pedidos para a utilização do teatro por parte de entidades que desde sempre se habituaram a que lhes fosse cedido sem “mas”, lá teremos que responder que, e cito-me «Face aos constrangimentos financeiros que atravessamos, e não querendo inviabilizar a cedência deste equipamento municipal, mantém-se a intenção de isentar do pagamento de taxas de ocupação a associações e outras entidades de reconhecido mérito. A Câmara Municipal de Évora passará, no entanto, a cobrar os valores acima indicados, de forma a pagar esta prestação de serviços». Tudo isto me faz lembrar um procedimento de há alguns anos e que eram aqueles dois preços nas embalagens dos medicamentos: o preço total e o da comparticipação pelo estado, vulgo com receita médica.

E é também assim que esta crise vai deixando mossas na vida pública, quando já nem «prometer é mais fácil do que dar», quando as «promessas são só as de Cristo», quando «prometer é uma maneira de enganar», quando «prometer não é dar, mas a tolos contentar». E quando os únicos conselhos que posso ouvir dizem que «de promessas quem vive é santo», que «mais vale não prometer do que prometer e faltar» ou o assisado «promete em dúvida, que ao dar ninguém te ajuda». Inegável.

19.6.12

Tristezas não pagam dívidas

E aí está mais uma feira de São João. Sempre achei que gostaria de saber mais sobre esta feira que acompanho há 22 anos, mas da voz dos vivos e não apenas de artigos de cariz historiográfico ou etnográfico onde, claro, também se aprende muito. E tenho vindo a sabê-lo, da memória de pelo menos duas gerações: a minha e a anterior à minha. Mas como em tudo, até no mero relato do que é a vida em época da feira, a memória é seletiva e, felizmente, sobretudo ligada ao que era bom, eventualmente, até muito melhor do que é agora. O que também não é de admirar, porque quem começa a ter mais passado que futuro terá, natural e humanamente, uma nostalgia a influenciar-lhe adjetivos e verbos que usa para descrever e narrar a vida e o mundo.

O último texto com referências históricas que li sobre a feira reportava-se ao regimento da mesma, publicado em 1700. Uma espécie de edital da altura. E pasme, quem como eu não sabia, que ainda que tendo sido criada como uma feira franca, provavelmente em 1575, isto é uma feira onde nem os vendedores nem os compradores teriam de pagar portagem e impostos, a propósito do tal regimento do início do século XVIII se diz que «quanto às taxas a pagar pelo terrádego, estas variavam não só quanto às dimensões das tendas, mas também quanto aos objetos que estavam à venda». O que se passou naqueles 125 anos deve seguramente explicar esta alteração. Outro dado interessante foi o de que as feiras francas tiveram o seu auge no reinado de D. Dinis (séc. XIII-XIV) e que, durante o período das feiras existia uma paz especial, a chamada "paz da feira", que proibia todos os atos de hostilidade, sob severas penas, não hostis ou eventualmente aplicadas depois deste período, em caso de transgressão.

Mas continuando, o que eu gostava mesmo era de ter tido ecos de como teriam sido as feiras de São João entre 1914-18, ou entre 1939-45, períodos das duas grandes guerras e respetivos pós-guerra. É que me sinto, de facto, por vezes a entrar em momento semelhante a esses…

Sendo feira sinónimo não apenas de comércio mas também de lazer e divertimento, sendo a dívida o nosso inimigo, nesta espécie de guerra que vamos levando todos os dias esta poderá ser a semana da tal “paz de feira”, até porque se «tristezas não pagam dívidas», pode ser que as alegrias as enganem.

Divirtam-se e sejam felizes na feira.

13.6.12

Todo o burro come palha, é preciso é saber dar-lha

Tenho assistido nos últimos tempos a várias "autoflagelações" de cidadãos que decorrem da indignação e da busca em tentar que não se lhes corte, pelo menos, o direito à opinião e a uma voz que se faça ouvir. São palavras que utilizam muitas vezes o burro, esse simpático animal, como termo de comparação de um povo composto de cidadãos que se deixam enganar ou preferem fechar os olhos a algumas coisas, sabe-se lá por que razões, mais ou menos pessoais, mais ou menos comodistas.

Coincidiu esta minha reflexão ainda com uma entrevista ao ex-selecionador da Equipa Nacional de Futebol a propósito do «e o burro sou eu?» que deu origem a uma rábula popular dos ainda famosos «Gato Fedorento» e quase passou a ser expressão idiomática nacional. Dos vários provérbios sobre o pachorrento e meigo animal, este - «Todo o burro come palha, é preciso é saber dar-lha» - foi o que mais me intrigou, não só se a tomarmos literalmente, mas também se substituirmos por analogia o animal pelo Homem.

Começando pelo animal em si, sempre julguei que a palha fosse um alimento das preferências do burro, o que não implicaria grande sabedoria no saber-lha dar. Nas minhas pesquisas fiquei a saber, então, que não era bem assim. Dizem os entendidos que o burro é um animal herbívoro que come erva fresca e grãos, mas, quando estes alimentos escasseiam, aceita comer a palha misturada com grãos ou mesmo a palha sozinha, apesar do seu menor valor alimentar. E foi aqui que eu percebi como com os humanos a coisa é mesmo ao contrário. Se não, vejamos.

Enquanto o burro aceita comer palha quando há escassez de alimento, os humanos vão aceitando “comer palha”, entre aspas claro, mesmo na abundância: nunca pedindo faturas; nunca conferindo contas de supermercado; nunca reclamando através dos meios legais, mas sim em conversas de corredor ou similar; nunca procurando as taxas mais baixas dos serviços das contas bancárias ou os juros mais altos dos depósitos a prazo; enfim, e uma data de “deixa andar” de que muitos de nós, que agora nos achamos conformados demais, nos devemos arrepender…

Para além do desespero que as pessoas começam a sentir na pele, sobretudo aquelas que viviam mais ou menos desafogadamente até agora, há uma espécie de sentimento que nos leva a culpar um passado, esquecendo que nem tudo o que se fez antes pode ser motivo, desculpa ou o que quer que seja para os erros que se cometem agora e que nos deprimem ainda mais. E quanto mais nos formos dando conta de que devíamos ter sido teimosos como burros e não mansos e pachorrentos, comendo a palha no meio da erva fresca, mais vamos aceitando como nossas, ou querendo achar que são só mesmo nossas, as culpas que, mesmo estando lá, não desculpam que alguém continue a saber como nos enganar com ela.

E é também por tudo isto que devemos aproveitar esta nossa atenção forçada (será esta a oportunidade aberta pela crise?!) para também não nos deixarmos levar por “outras palhas” que vivem do nosso descontentamento, não nos chegando a contestação, mas exigindo a proposta alternativa que não nos leve à escassez da erva fresca e dos grãos. E, sim, continuo a gostar dos burros, mesmo da sua teimosia, até porque um teimoso nunca teima sozinho!

5.6.12

Mais vale ir, do que mandar

Vai começar mais uma saison de patriotismo com duração limitada mas incerta. Refiro-me à febre do futebol que assalta todos os meios de comunicação, divulgação e publicidade quando a Seleção Portuguesa de Futebol faz as malas para jogar fora em campeonato maior. São momentos em que as massas, sobretudo as mais adeptas mas não só, esquecem os seus pequenos problemas enquanto dura a esperança de alcançarmos reconhecimento através de uma seleção de desportistas que se transforma na parte pelo todo que é Portugal. Mesmo não sendo adepto do desporto ou da euforia à volta dele, é incontornável que não nos identifiquem os outros, os estrangeiros, com esta febre futebolística.

Ora os criativos da publicidade sabem isso muito bem, e qualquer produto que se queira bem vendido sê-lo-á sempre melhor se se colar à ocasião. Foi precisamente ao ouvir o anúncio de uma marca de gasolina que utiliza até a máxima dos Três Mosqueteiros do Dumas, que até eram quatro, arriscando-se a confundir-se com outra marca desta feita de uma cadeia de hipermercados, mas isto era se o público conhecesse de ginjeira o Dumas e as suas personagens… Foi ao ouvir uma leitura em voz alta (atividade de que gosto imenso) de uma carta aos jogadores da Seleção Nacional de Futebol por um jovem adolescente que parei para pensar melhor nesta coisa de mandarmos os outros fazerem boa figura por nós.

É certo que, também tomada como muitos pelo desalento da derrota da nossa equipa, às vezes dou comigo a dizer-me que tão bons jogadores em equipas “privadas”, assim que são chamados a funcionários públicos da seleção nacional parecem tomados de uma falta de empenho inconcebível. Mas pronto, é um desabafo pontual, que rapidamente esqueço, porque sei que jogo é jogo, mesmo com muito empenho e trabalho. E também é por isso que aquele discurso de que está nos pés daqueles homens (ainda para mais só essa parte da humanidade…) o futuro da Nação me parece de uma injustiça enorme para a rapaziada.

O apelo do jovem para ficar no país a realizar o seu sonho, quando muitos dos 22 convocados a quem se dirige andarem a fazer pelas vidas deles lá fora; a ideia de que é derrotando outros que vamos ser um exemplo, o que me parece tão mais próximo de um espírito guerreiro do que de um espírito construtivo e empreendedor, em que o facto de jogarem bem e lá estarem entre os primeiros é já façanha a destacar; e, acima de tudo, pôr no futebol a saída de uma crise que é muito mais de “outros futebóis” parece-me, para além de muito populista, injusto para os jogadores e treinador. Até parece que foram eleitos e estão sujeitos a algum escrutínio constante por parte de quem os elegeu… Aquilo é só futebol e desporto! Se ganharmos será muito bom, mas saber perder também se aprende na escola, nos clubes, nas associações. Palavras de incentivo sim, tanta responsabilização parece-me que é querer passar a bola e já não ter nada a ver com ela…

Se assim fosse, como o textinho, semelhante a carta ao Pai Natal, faz acreditar, a Grécia, equipa vencedora do 2004 ou a Espanha, campeã em 2008, não teriam sido as salvadoras proféticas daqueles países que estão como estão? Crise é política, campeonato é futebol. Por muito que todos nos devamos sentir, porque estamos mesmo quando dela nos demitimos, incluídos na política, no Europeu de Futebol somos meros espetadores de uma equipa de futebol.

De qualquer modo, só posso desejar que a equipa nacional jogue bem e que tenha, como em qualquer jogo, boa sorte.