17.12.19

Natal feat. Família



Como esta é a crónica das “Boas Festas!” pareceu-me que não ia mal falar também da política que tem dedo directo nas questões da família. Pensemos, então, para falar a propósito das discussões na AR sobre a guarda dos filhos partilhada com residência alternada como primeira solução dos pais divorciados e do quase já chumbo a uma proposta que dizia querer tornar inequívoca a vitimização da criança que assiste a situações de violência doméstica. O ponto que realço é o facto das posições parlamentares no que respeita à família, essa velha e importantíssima instituição da sociedade, não quererem parecer ser uma questão ideológica. Mas são. Os mais conservadores tendem a evitar falar no assunto, como se falar fosse provocar ou incentivar e, como tal preferem mandar esconder o lixo debaixo do tapete e ir enfiar a cabeça na areia. Os progressistas radicais digladiam-se entre si para encontrar a purpurina que mais abrilhante, o que não deixo de encarar até nas linhas do meu próprio curso de vida, um falhanço. Mesmo que dessa queda, nos levantemos e continuemos, pés na terra e sonhos nos lugares onde estes vivem, a puxar-nos para a frente.
A propósito do estatuto de vítima da criança que é espectadora inevitável do que se passa na sua vida familiar, houve quem quisesse vir pôr-lhe uma marca na testa, quando instituições públicas e particulares complementares se articulam para resolver situações concretas. Lembro que a APAV, por exemplo, na sua página web esclarece exactamente estas questões e podemos perceber que o trabalho, discreto como deve ser, é feito. O pior mesmo é lutar contra preconceitos que estigmatizam as vítimas. Pergunto-me o que de novo traria, às práticas já decretadas, esta proposta em vias de chumbo para melhorar a vida destas pequenas grandes vítimas?
Já a situação do privilégio da guarda partilhada com residência alternada é, na minha opinião progressista mas não radical, a consequência melhor numa situação não ideal, mas à partida algum dia idealizada. Um divórcio é sempre uma situação de falhanço de uma família que pensaria ficar unida durante o infinito e mais além, e em que a partilha de tarefas e responsabilidades se desejou uma realidade. Não sendo possível quando juntos, quando havia brilho e violinos, pode até melhorar, quando do divórcio ou separação, na relação entre cada um dos progenitores e a criança. A proposta não torna quem não é boa pessoa em melhor pessoa, com tudo o que de impreciso, imprevidente e piroso qb a expressão proferida em tom imperativo e irrefutável “boa pessoa” seja. Mas evita que, quem seja Pai ou Mãe, e cumpra as responsabilidades a que essa função ou papel que escolheu, não tenha exactamente os mesmos direitos. Para se avaliar esse desempenho será necessário muito mais do que análises à ocitocina, progesterona ou testosterona. Até me pergunto que detalhes sórdidos, e desconhecidos porque não presenciados sequer pelos miúdos, terão os episódios contados por Pai ou Mãe em litígio pela guarda dos filhos... Episódios certamente a acrescentar aos da história que também desconhecem, porque pré-natal, e onde, à partida, se contava (ou cantava) que “era amor para a vida toda”.
Um divórcio ou uma separação que altera nas rotinas as relações que, no conjunto mínimo de três pessoas - como no presépio (onde para alguns burro e vaca não são só figurantes!) - não precisa de implicar sentimentos entre laços que, naturalmente, são mesmo “para a vida”. Se, e só se, isso acontecer, o que será evidente e perceptível até pelos círculos mais chegados, o presépio poderá dispensar que os lugares previstos das suas figuras sejam mesmo eliminados e não deixados para poderem ser ocupados à vez. E que essa vez não seja só pelas festas. Votos de bom Natal, boas entradas e até para o ano!

10.12.19

Miss Greta

Não consigo olhar para a Greta sem pensar na Pippi Langstrump dos livros de Astrid Lindgren, figura clássica da Suécia para o Mundo. Com a Pippi, que aqui chamamos das Meias Altas, Miss Greta partilha várias características para além da nacionalidade, inclusivé a de deslumbrar as crianças, no caso de Pippi os bem-comportados amigos, com arriscadas travessuras e uma imaginação prodigiosa. Estas travessuras e a imaginação permitem-lhe não só construir um passado de aventuras dificilmente verosímil mas muitíssimo eficaz para conseguir, também, o seu lugar central de heroína no grupo com que contracena e nos leitores que a seguem na distância do espaço e do tempo que a escrita permite.
É tudo verdade quando se diz que é preciso que os jovens se envolvam na Política, que tenham consciência cívica e que assumam comportamentos coerentes com aquilo que lhes ensinamos e que esperamos que aprendam e incorporem na sua hormonal actividade natural e quase indomável pelos próprios. Frequentemente, como a Pippi, os jovens em circuito paralelo ao mundo adulto quebram estas expectativas (sim, quebram, porque achamos que não serão capazes do que pedíamos) e, na corrente, soltam a sua rebeldia em colectivo e tendencialmente activista. Mas se gostamos da jovem rebeldia cheia de argumentos vivaços, toleramos pior as birras infantis. Mesmo se ambas têm origem, afinal, numa qualquer causa.Quando ouvimos a Greta dizer que se os adultos não gostam de ver os jovens zangados, então têm de fazer aquilo que os jovens querem para eles deixarem de estar zangados, a ingenuidade própria da criança que ainda há em Greta revela-se. Afinal, tudo começou mesmo com uma birra, mesmo que tenha sido uma embirração com algo que está de facto muito mal e deva ser mudado: se os adultos não querem saber do meu futuro porque é que eu hei-de ir à escola que é onde, espante-se, os adultos me preparam para esse futuro?
Quantas vezes nós próprios, adultos, não temos vontade de fazer birras perante a falta de lógica no Mundo (ou nos nossos mundos) e atirar-nos para o chão com o fatinho novo para reclamar o que queríamos! Às vezes até conseguimos arranjar quem faça coro connosco mas, pulsões à parte, percebemos que não será a birra a resolver o assunto. E é por isso que depois, em princípio e se valer a pena, que normalmente é mais dura que a birra, talvez optemos por escolher os métodos e as propostas para contribuir com algo de concreto que colmate a falha entre o que é desejável, o que é possível e o que, feito o balanço, não acarrete mais problemas a outros níveis do que benefícios naquele nível onde nos debatemos. E estes são os argumentos que me levam a discordar, entre outras coisas, com votos de louvor à greve climática estudantil pela AR. Teria preferido que o voto fosse de louvor pela crescente, e espere-se que persistente e consequente, preocupação de todos e cada jovem com a protecção do ambiente em prol da melhoria das condições de Vida na Terra.
A emergência climática não se resolve num só nível. Muito menos quando já nos habituámos aos confortos que vieram a reboque do vilipendiado Capitalismo a que, quando dá jeito, fechamos os olhos... Parece mesmo um nó górdio que, mitografias adaptadas, não será já à espadeirada que tem fim ou solução. (Votar e saber em que propostas é que se vota seria muito mais adulto, aliás.) E é por isso que ainda não está resolvida a emergência climática, mesmo quando há um número significativo de Políticos que definem metas e propõem medidas com que, nas mãos de cada cidadão, seja possível ir percorrendo (muito devagarinho é certo) o caminho que leve a melhor destino. Mas os Políticos são mal vistos. Já quem faz Política e não se diz Político parece que é um exemplo a seguir... Até se lhe perdoam as incongruências, como “se perdoa o mal que faz pelo bem que sabe” o que é argumento pouco pedagógico, de resto.

A Greta é uma miúda que leva outros miúdos atrás numa causa justa com métodos próprios de miúdos. Ver adultos irritados com a Greta parece-me ridículo, vê-los fartos de aturar o circo montado à sua volta parece-me compreensível, vê-los exultantes volta a parecer-me ridículo. Claro que devemos pensar que a culpa da zanga da Greta não é da Greta, como podemos inferir que o estado de emergência climática a que chegámos não é culpa da geração da Greta. A culpa é dos bisavós, avós, pais da Greta, ou seja, das gerações anteriores à geração da Greta. Eu cá acho que, enquanto os jovens se manifestavam e faziam greves que não salvam o Planeta, os Políticos podiam reunir com os pais da Greta e pedir-lhes que também dessem a cara pela causa. Que é o que se faz quando há desordens num lugar organizado. A História conta-nos outros exemplos de outros jovens empenhados na mesma causa e que, a avaliar pela pertinência do papel da Greta hoje, não resolveram tudo (talvez nem mesmo uma parte) o que era preciso resolver então. Resta, pois, saber não apenas o que os adultos de hoje podem fazer pelos seus jovens, mas sobretudo o que os adultos de amanhã continuarão a fazer pelos jovens de hoje. É esse o enorme compromisso que espero que já estejam a assumir, com ou sem Greta, mas que podiam ter ouvido do que já tantos adultos repetiram antes. Como os Pais dizem quando nos “espetamos” com a nossa vontade muito própria e “à rebeldia” de conselhos e alertas: Eu avisei!

3.12.19

Eu sou livre, tu és livre, viva a livraria!


Este jogo de palavras é dos que aparece de vez em quando na rede social com que me dou. Uma piada a valorizar o livro e a leitura como ferramentas e práticas que podem promover o espírito crítico e abrir horizontes aos seus mais assíduos utilizadores. Mas a gracinha, no contexto destes dias que correm, leva-nos, claro, para outro caminho: o mediático impacto dos novos partidos no comportamento dos seus deputados e no próprio desempenho da AR. Potenciado sobretudo pela deputada eleita pelo Livre, mas não só, de quem aliás quase todos já temíamos, pelas mais diferentes e opostas razões, o desmascarar de várias pulsões latentes no comportamento de cidadãos a quem se devolve ciclicamente o direito e o dever de escolher quem nos governa, e que se distraem a desdenhar os Partidos e a deslumbrarem-se com heróis. É verdade, também, que todos os Partidos se foram moldando a este gosto e se enchem de candidatos a heróis que julgam que para não parecer o político odiável não é preciso perceber de Política.
Se do Livre vamos tendo, graças à vistosa deputada, notícias em catadupa do que corre menos bem, do Chega! vamos conhecendo detalhes sórdidos da sua pop-star e o incómodo de alguns que, coitados, parece que foram ao desengano quando integraram o Partido e bateram agora com a porta. Mas também o Iniciativa Liberal parece não estar, enquanto Partido, a viver tão mais tranquilos dias quanto os “velhos Partidos” de quem cativaram muitos eleitores, a braços igualmente com questões de liderança. Fá-lo-ão provavelmente em circuito mais discreto, se não ensinados pelo habitual funcionamento muito intestino dos tais “velhos Partidos” de onde saíram, talvez pela prática do segredo como alma do negócio que é o ar que respiram há mais tempo.
O aparecimento dos novos Partidos parecia reflectir um avanço na maturidade democrática do País. Afinal, apenas reflectiu o aviso do papel de todos os que, em diferentes níveis, tresleram o impacto de uma cultura do “salve-se quem puder”, do “eles e nós”, do “subir na vida e ser alguém”, pelo preço de um prato de lentilhas. E estes “radicais livres”, reagindo a um equilíbrio que acusavam de caduco, viciado, falo dos chamados Partidos do sistema, ganharam espaço qual moléculas libertadas pelo metabolismo do corpo que, se na realidade provocam doenças degenerativas de envelhecimento e morte celular, metaforicamente não significam nenhum rejuvenescimento da nossa Democracia.
Como as piadas desde sempre ensinam, esta que escolhi sobre liberdade e livros também nos ensina onde os podemos encontrar: nas privadas e aliciantes livrarias (físicas ou on-line) e, as minhas preferidas, nas acessíveis bibliotecas públicas. Ambas colectivos organizados, com regras, e quando bem geridas, sempre dispostas a evoluir com o tempo rejuvenescendo-se. E já agora que estou em maré de frases que são best-sellers, na senda da importância do colectivo, lembro o velho e sábio provérbio africano que nos ensina a ir mais longe, e não é sozinho.

26.11.19

Cancel culture or mankind?!*


De entre os inúmeros acontecimentos que dariam motivos para fazer uma crónica, o que não é exclusivo desta (crónica ou cronista), houve um que chegou do fora mais longe e sobre o qual me apetece falar. Em Londres, a propósito de uma exposição do Gauguin que está a ter um enorme êxito, levantou-se um movimento de gente que quer censurar o artista. Está a ser o que se chama um movimento de “cancel culture”.
Gauguin, que viveu entre 1848 e 1903, parece ter tido uma vida pouco ou nada recomendável nos parâmetros de comportamento que são agora os das regras da boa convivência social. Entre relacionamentos com menores e referências aos habitantes da Polinésia, onde viveu e que retratou, como “selvagens”, nada abona a seu favor se quisesse nascer de novo hoje. Aconteceu a Gauguin, como a outros que partilham o facto de já cá não estarem para responderem enquanto cidadãos, mas de quem nos lembramos pela obra.
Este semestre estou a celebrar os 300 anos de As Aventuras de Robinson Crusoé que Daniel Defoe escreveu e John Lang divulgou entre jovens leitores durante quase outras tantas centenas de anos. Como podem imaginar, reler este texto, o que faço todas as semanas em voz alta, capítulo a capítulo, à luz dos comportamentos que promovemos hoje é todo um exercício de contextualização e de alertas para um outro exercício constante do que se chama pensar o progresso e evolução civilizacional. Nada tem a ver só com Arte, tendo tudo a ver só com Arte.
Vivemos tempos em que a busca da felicidade do indivíduo, demanda sem novidade, se reveste de um problema de distopia. Entenda-se aqui este conceito como o vivermos num mundo que queremos construir fora de uma realidade, criando universos que colocam em lugares e tempos diferentes os mesmos objectos e acontecimentos destes daqui e de agora. É sabido que com a internet, que nos mantém ligados à volta do mundo, se criou um caldo propício a estas leituras, já que faz circular Informação fora do contexto real e, nessa linha, possa tornar-se mesmo num apelo, ou já um espelho, do delírio. Mas recuso-me a pôr-me do lado dos que vão pelo caminho fácil de a diabolizar, à Internet, um produto da inteligência humana herdeiro do fogo, da roda, da tipografia e da televisão, e que até nos ajuda a conhecer melhor os que nela, Internet, actuam.
Nem todos podemos mudar o Mundo, como certas personalidades que se tornam por isso figuras públicas, artistas incluídos, contribuem para o fazer. Essas mudanças, mesmo quando promovem coisas boas, são feitas por seres humanos que são, não apenas “o Homem e a sua circunstância”, mas misturas de células e emoções que se revelam diferentemente, e felizmente, consoante estejam em público ou em privado. E é por isso que nós, os mais comuns destes mortais que compõem a Humanidade, talvez também ganhássemos em pensar melhor o que fazemos quando usamos espaços públicos de opinião a que cada vez mais temos acesso.
Não temos que mudar, assim de repente, o Mundo que percebemos estar tão mal, nem tão-pouco deixar que este nos expulse dele e nos prive de bens só pelo seu mau uso de alguns, mesmo que sejam muitos. Não podemos mudar o Mundo assim de repente para tão pior, que é o que parece estar a acontecer, mas podemos começar a usar as celulazinhas cinzentas para o melhorar. E aprender é o verbo. Cancelar a cultura é tão grave como perpetuar liminarmente a tradição. É como querer cancelar a Humanidade. E desistir.


*Usei “mankind”, que é a tradução de Humanidade, não apenas à boleia do idioma do conceito de “cancel culture”, mas também porque na azáfama das causas igualitárias a história das palavras também apanhou por tabela. Talvez devesse haver (ou se calhar já há) um qualquer neologismo que dessexualizasse o termo...

19.11.19

Uma vez são vezes a mais

“Uma vez são vezes a mais” é o slogan que corre por aí, e que desconstrói a expressão idiomática bem conhecida, para convencer os cidadãos a reciclar o lixo. É um bom slogan para nos alertar sobre os riscos dos precedentes. E a situação ficou clara no recente embrulho em que o incumprimento das regras na AR colocou quem, só uma vez, as quebrou. Falo naturalmente da possibilidade de deputados únicos que, por definição, não constituem um grupo parlamentar, terem intervenção em debates quinzenais.

Convém lembrar que estes debates foram uma criação do socialista António José Seguro, em 2007 (em plena maioria absoluta do PS, portanto) que desagradou a muitos , nomeadamente a António Costa. Afirmava então que os debates quinzenais no Parlamento condicionavam, e cito, “a possibilidade da eficácia da consensualização política". Já o seu ideólogo, Seguro, argumentava que os debates quinzenais permitiriam uma "maior centralidade do Parlamento no debate político".

Chegados a 2015, não só a AR se tornou o epicentro de uma nova perspectiva de lidar com a constituição democrática de Governos, como se deu a quase novidade (tínhamos tido já e pelo menos a UDP e Mário Tomé) de haver um DURP, isto é um deputado único representante do partido. Por ser um Partido que, como os chinelos de borrego alentejanos, não tinha pés esquerdo ou direito pré-definidos, todos os outros foram “fofinhos” e acharam que “uma vez não são vezes” e deixaram André ser o PAN.

Agora, em 2019, e mantendo a linguagem figurativa na mesma zona que permite que se tenham os pés bem assentes na terra, parece que ficaram com uma bota difícil de descalçar. É que se a divisão de um tempo razoável para que dure um debate ordinário entre a AR e o Governo é feito por ponderação de número de deputados por grupos parlamentares, estas excepções tornam estes deputados, os “minuto-e-meio”, nuns privilegiados, afinal.

Se se dividir o que é o tempo de cada grupo pelo número de deputados que o compõe (a representatividade é isto também), nenhum deles tem os 90 segundos que os três DURPs têm. São assim, os precedentes que, como o próprio nome indica, não são só uma vez. Como vemos, e aqui chegados, mais do que manter os holofotes todos sobre o Governo, estes debates vão permitir que os parlamentares dividam as atenções de quem se dá ao trabalho de assistir ao funcionamento das instituições que nos dirigem o destino público. Pena que sejamos tão poucos e que mesmo alguns de nós os vejam como um circo a pegar fogo, ou como quem assiste a corridas de automóveis para ver acidentes. Quando se assiste a sessões também ordinárias das diferentes Comissões, o calibre dos parlamentares - e já agora dos membros do Governo - é ainda mais legível e escrutinável. Mas quer-me parecer que a ARTv tenha “shares” miseráveis.

Até para a semana.

12.11.19

Não há webfesta como esta!


Terminou mais uma web summit e, também mais uma vez, houve quem procurasse desmerecer o evento. Confesso que não percebo este espírito de implicar com o que é, ou até mesmo que ainda só possa vir a ser, bom para o país. Consigo entender por parte de indivíduos, em conversa de café, embirrações geracionais com certas “modernices”. Até as que, elevando o tom ao apocalíptico anúncio do Armagedeão, nas entrelinhas podem servir para arrefecer exaltações precoces que, no lado oposto, endeusam certas figuras e veneram outras tantas práticas, inquestionavelmente.

A web summit começou por ameaçar a paz dos lisboetas, ao alvitrar-se que iria lançar a confusão na cidade. Estive por lá, na cidade, desta vez, e só a notei com cuidados redobrados em informação pública, o que até me beneficiou, a mim que não fui à festa. Quando da edição em que se lançou o programa de voluntariado, conheci jovens que o aproveitaram (sim, isso mesmo, aproveitaram) e estou em crer que lhes abriu horizontes vários. Um dos quais precisamente a tal relativização sobre este mundo ser “do outro mundo” e se reger pelas mesmas regras que todos temos vindo a construir, há umas décadas, para irmos vivendo mais confortavelmente.

O voluntariado não é uma solução óptima para a realização profissional de jovens, não senhor. Nem me parece que o queira ser. Também não me parece que seja a solução desejável para uma empresa que queira ter sucesso. A menos que a empresa, instituição ou associação de índoles várias, dependa de pessoas que não se empenhem por forma a obter dividendos directos do seu funcionamento, mas que só indirectamente se sintam beneficiados e se predisponham a colaborar pontualmente. Sem vínculos ou comprometimento mais sério, como um contrato de trabalho deve ser. Um risco calculado, imagino. Confundir o voluntariado com isto, em qualquer das perspectivas, e reclamar com a sua existência resistindo ao seu sucesso é de quem ou não aprendeu nada com as novas gerações, ou de quem acha que certas festas partidárias não são simultaneamente ócio e negócio, para uns e/ou para outros. Era bom que tratassem estas questões sem tentarem enfiar-nos olhos dentro falsos moralismos sociais.