"A minha única diferença em relação a um homem louco é que eu não sou
louco!" terá dito Salvador Dali. Invoco a loucura a
propósito do extemporâneo caso Bárbara vs Carrilho que, com uns contornos bem
mais leves que julguei que acabaria por assumir quando das primeiras “notícias
de última hora”, poderia ter sido o caso e a “novela” da silly season 2013.
Ficou para o Outono. E quer-me parecer que à semelhança do que não é feito na
altura própria, chamemos-lhe assim apesar de a exploração pública da vida
íntima, consentida entenda-se, ser um tema de gosto duvidoso que normalmente me
deixa indiferente, parece ter vindo agora, em modo serôdio, dar os seus frutos
de uma forma ainda mais espetacular, e que, essa sim, não me deixou, nem deixa,
indiferente.
Não me deixa indiferente por se tratar de mais
um caso de violência doméstica que envolve crianças e cuja mediatização afetará
seguramente ainda mais a vida presente e futura dessas crianças. Não me deixa
indiferente, não por se tratar de figuras mediáticas ou de elites sociais, já
que a violência, sabemo-lo, não é monopólio de pobres, ignorantes ou grupos
socialmente fragilizados. Não me deixa indiferente sobretudo porque surge
associado a alguém cujo património intelectual e a formação académica não me
deixaria prever, não o caso de violência (todos conhecemos casos tão
inesperados e que muito nos chocam), mas a forma como é trazido na primeira
pessoa a público. O despudor da conversa fez-me perder o respeito que tinha
pelo académico, muito embora pudesse não o ter já pela pessoa de Carrilho. Como
pessoa não o conheci para o poder julgar, mas agora já posso. E posso dar razão
àqueles que pela postura que o ex-ministro teve na vida político-partidária já
me tinham expressado as suas desconfianças e que eu sempre relevei pelo
respeito ao seu exercício da pasta da Cultura e à sua produção académica.
Poderia falar da vergonha. Poderia mesmo falar
até do presumível crime, legitimamente, porque o caso é aí mesmo, nessa
instância, que está. Mas prefiro falar de loucura, aquela que a voz do povo contrapõe
à da sabedoria, transformando-as não em opostos mas em sobrepostos. E se a dose
poderia ser equilibrada, tanto de louco como de sábio ou de génio, este
disparate que o ex-ministro fez o favor de vir fazer a quem nunca lhe
reconheceu valor pelo lado do seu capital intelectual, veio também agora
fazer-me ter muito pouca vontade de continuar a reconhecê-lo enquanto sábio.
Muitas vezes a loucura de figuras públicas tem
um lado histriónico que desaparece fora do raio dos holofotes, como aliás
acontece com outras características que são sobrevalorizadas por quem só as
conhece enquanto figuras públicas. Umas vezes pelo que delas dizem, outras pela
postura que em público assumem. É sempre um receio que tenho, este de conhecer
um pouco melhor alguém por quem nutro alguma admiração. Tal como não me deixa
indiferente, nem nego, essa aproximação de alguém por quem, pelo contrário, não
sinto grandes simpatias. Há boas e más surpresas.
Neste caso, estou convicta de que dificilmente
qualquer outra conversa ou tentativa de mostrar esse outro lado de sábio, me fará
esquecer a baixeza das declarações de Carrilho, e não o “diz que disse” ou o
“terá feito”, que num período de vida que seguramente o abalou como abala
tantos e tantas, teve esse momento em que a máscara caiu para irremediavelmente
não conseguir ser recolocada e cumprir a função que até ali teria cumprido. É
que se, como acontece à mulher de César, não basta sê-lo há que parece-lo, aqui
Carrilho mostrou bem quem é.