7.11.13

Descarrilhar

"A minha única diferença em relação a um homem louco é que eu não sou louco!" terá dito Salvador Dali. Invoco a loucura a propósito do extemporâneo caso Bárbara vs Carrilho que, com uns contornos bem mais leves que julguei que acabaria por assumir quando das primeiras “notícias de última hora”, poderia ter sido o caso e a “novela” da silly season 2013. Ficou para o Outono. E quer-me parecer que à semelhança do que não é feito na altura própria, chamemos-lhe assim apesar de a exploração pública da vida íntima, consentida entenda-se, ser um tema de gosto duvidoso que normalmente me deixa indiferente, parece ter vindo agora, em modo serôdio, dar os seus frutos de uma forma ainda mais espetacular, e que, essa sim, não me deixou, nem deixa, indiferente.
Não me deixa indiferente por se tratar de mais um caso de violência doméstica que envolve crianças e cuja mediatização afetará seguramente ainda mais a vida presente e futura dessas crianças. Não me deixa indiferente, não por se tratar de figuras mediáticas ou de elites sociais, já que a violência, sabemo-lo, não é monopólio de pobres, ignorantes ou grupos socialmente fragilizados. Não me deixa indiferente sobretudo porque surge associado a alguém cujo património intelectual e a formação académica não me deixaria prever, não o caso de violência (todos conhecemos casos tão inesperados e que muito nos chocam), mas a forma como é trazido na primeira pessoa a público. O despudor da conversa fez-me perder o respeito que tinha pelo académico, muito embora pudesse não o ter já pela pessoa de Carrilho. Como pessoa não o conheci para o poder julgar, mas agora já posso. E posso dar razão àqueles que pela postura que o ex-ministro teve na vida político-partidária já me tinham expressado as suas desconfianças e que eu sempre relevei pelo respeito ao seu exercício da pasta da Cultura e à sua produção académica.   
Poderia falar da vergonha. Poderia mesmo falar até do presumível crime, legitimamente, porque o caso é aí mesmo, nessa instância, que está. Mas prefiro falar de loucura, aquela que a voz do povo contrapõe à da sabedoria, transformando-as não em opostos mas em sobrepostos. E se a dose poderia ser equilibrada, tanto de louco como de sábio ou de génio, este disparate que o ex-ministro fez o favor de vir fazer a quem nunca lhe reconheceu valor pelo lado do seu capital intelectual, veio também agora fazer-me ter muito pouca vontade de continuar a reconhecê-lo enquanto sábio.
Muitas vezes a loucura de figuras públicas tem um lado histriónico que desaparece fora do raio dos holofotes, como aliás acontece com outras características que são sobrevalorizadas por quem só as conhece enquanto figuras públicas. Umas vezes pelo que delas dizem, outras pela postura que em público assumem. É sempre um receio que tenho, este de conhecer um pouco melhor alguém por quem nutro alguma admiração. Tal como não me deixa indiferente, nem nego, essa aproximação de alguém por quem, pelo contrário, não sinto grandes simpatias. Há boas e más surpresas.

Neste caso, estou convicta de que dificilmente qualquer outra conversa ou tentativa de mostrar esse outro lado de sábio, me fará esquecer a baixeza das declarações de Carrilho, e não o “diz que disse” ou o “terá feito”, que num período de vida que seguramente o abalou como abala tantos e tantas, teve esse momento em que a máscara caiu para irremediavelmente não conseguir ser recolocada e cumprir a função que até ali teria cumprido. É que se, como acontece à mulher de César, não basta sê-lo há que parece-lo, aqui Carrilho mostrou bem quem é.