Discurso de final de mandatos

Sr. Presidente, Srs. Vereadores,
Quero começar por, publicamente, reafirmar o que muito e bem se diz sobre a importância do Poder Local. Embora sejam muitos ainda assim são poucos, e nem sempre pelas melhores razões, os que se disponibilizam para o exercer, no governo ou na oposição. Em certa medida isso não nos deve admirar: desde a jocosidade que generaliza comportamentos de sobranceria de quem detém o poder, até à efetiva sujeição a questões complicadas, mesmo com a Justiça, pouco parece atrair quem, no fundo, só esteja à espera de a eles chegar para “tratar da sua vidinha”. Felizmente, nem no anterior nem neste mandato, os membros desta Câmara, no governo ou na oposição padeceram desta tendência, que atinge todos os Partidos, movimentos e associações, legal e democraticamente constituídas, sem exceções nem veleidades de superioridade moral ou de outra espécie.
Das muitas e diferentes vicissitudes desagradáveis, e mesmo transtornadoras de vidas pessoais, a que se sujeita quem  exerce o Poder Local, talvez o caso mais exótico que me tenha acontecido foi, enquanto exercia o segundo mandato e na oposição, ter sido constituída arguida; uma aparente banalidade nos dias de hoje que, mesmo tendo o final feliz do arquivamento, não deixa de incomodar a quem não deve. O outro caso que ainda hoje me teriam de explicar muito bem foi a rejeição com votos contra e abstenções, em Assembleia Municipal, de toda a oposição de então, a uma proposta de congratulação por Évora ter sido galardoada com o Prémio de Melhor Programação Autárquica Cultural atribuído pela Sociedade Portuguesa de Autores, referente a 2011 e entregue em 2012. Um prémio destes é um motivo de orgulho em qualquer outro concelho e foi de muita satisfação para mim e, julgo, para os Eborenses que gostam de ver Évora bem falada. 
Neste momento em que, para já, me despeço da vida política autárquica, cumpre-me ainda endereçar várias palavras de reconhecimento e mais algumas considerações pessoais.
A minha primeira palavra de reconhecimento vai para os funcionários desta instituição. Entre 2009 e 2013 foram muitos aqueles com quem lidei pessoalmente. Entre 2013 e hoje mantive muitos, se não todos, desses conhecidos pela força das circunstâncias, e que passaram a ser pessoas de quem sei que poderei continuar a receber a mesma simpatia e disponibilidade de antes. Para já não falar dos muitos mais cidadãos de Évora que acrescentei aos meus conhecidos, e de que guardo com carinho os bons, porque os maus, dentro ou fora da Câmara Municipal, não mo merecem. Foram sem dúvida as pessoas um dos maiores ganhos que tive nestes oito anos. Outro, foi o conhecimento que adquiri para a minha vida, um património inalienável mas partilhável noutras dimensões que assumo, como qualquer cidadã interessada em sê-lo. 
Não posso deixar também de dar uma palavra a todos os membros deste Executivo que agora termina funções e a quem desejo os maiores sucessos pessoais. Aos que ficam em funções governativas resta-me ainda desejar que correspondam ao que foi a confiança que alguns Eborenses em vós depositaram, livre e democraticamente, através do voto. Ainda assim, os valores da abstenção são uma realidade preocupante que deve fazer pensar todos os políticos.
Neste Executivo, que hoje reúne pela última vez, estiveram sete políticos com experiências várias e que se assumiram enquanto tal. O ambiente foi também disso resultado, apesar das divergências e até mesmo das razões que se travaram sobretudo entre mim e o vereador Eduardo Luciano, muito fruto da alteração de posições no exercício da oposição e da governação nos dois mandatos. Com esta situação também posso dizer que aprendi: aprendi que há maneiras diferentes de se fazer oposição com resultados diferentes na governação e com impactos sérios no ambiente político de uma sociedade. E com o reconhecimento, também por parte dos Eborenses, do trabalho do vereador Eduardo Luciano nestes últimos quatro anos, e que ficou patente nas eleições e nas propostas que aprovámos, aprendi o como a sua atuação dos outros quatro anos me permitiu não o tomar como exemplo e ser diferente no exercício da oposição, para melhor. Estou certa de que, independentemente da confortável maioria absoluta em que nunca eu soube como era governar, a todos terá parecido recompensador do seu trabalho ver propostas trabalhadas no sentido de serem aprovadas, tantas vezes por unanimidade. Propostas que representavam não o que era o ideal mas o que era possível.
Consequentemente,  devo uma palavra ao excelente ambiente com as pessoas das duas equipas de que fiz parte, no governo e na oposição, destacando o enorme respeito que fui confirmando por aqueles que exercem, à frente das Juntas de Freguesia, com rigor, transparência e empenho, as suas funções. E, nas duas situações, governo ou oposição, sempre pautei o exercício para que fui escolhida simultaneamente pelo dever de prestação do meu serviço ao concelho e aos munícipes de Évora, e seguindo os princípios políticos que estão no ADN do PS, Partido pelo qual fui eleita pelos Eborenses. 
Os quatro anos de governo defendi-os sempre que foi necessário nestes quatro anos de oposição. Fi-lo com muito gosto, em articulação com o vereador Silvino Costa, e consciente do que teria sido estar no governo, caso tivesse sido eleito presidente Manuel Melgão, a quem devo estar reconhecida pela confiança  de me ter escolhido para o projeto de continuidade que o PS então propôs.
Mas tenho que deixar uma palavra maior de reconhecimento a quem confiou em mim para o ajudar nos últimos quatro anos da sua vida política dedicada a Évora, para a qual tinha,  acima de tudo (e falo de amor à terra e às amizades que tem entre os Eborenses), um projeto de desenvolvimento, de progresso, de modernização e de valorização de Évora. Falo de José Ernesto de Oliveira. 
E devo ainda fazer algumas considerações finais. Desse passado não houve heranças pesadas, houve opções, que correram umas melhor, outras pior. Falarão eternamente da dívida da água. A água é um bem público mas tem preço. Pois eu continuo firme na minha convicção de que, face ao estado já por muitos esquecido a que o abastecimento à cidade de Évora tinha chegado, aquele negócio foi o que melhor respondeu então, pela celeridade que a urgência impunha, e foi feito como têm de ser feitas as verdadeiras políticas públicas: como negócios sem preço. Outros negócios melhores poderão estar a ser feitos, porque este bem público não chega ainda a todos e mais isso se nota em períodos como o atual de seca, a ameaçar sobretudo os que ainda esperam por esses bons negócios, e que com algum alívio, mas não sem cautelas, podemos viver agora em Évora.
Outras foram também as opções que permitiram que este Executivo que hoje reúne pela última vez mantivesse muitas delas, mesmo num quadro diferente, político e financeiro, em que, a acreditar nas propostas pré-eleitorais, mais e melhor pudesse ter sido feito, como era de resto então e sistematicamente reclamado pela oposição que é hoje governo, e quando não havia dinheiro, nem havia maioria. Só mesmo vontade, o que como todos nós que já andámos em campanhas eleitorais, onde  somos impelidos a apregoar disfarçadas de promessas essas vontades, e depois fomos oposição e governo, confrontados com a realidade, sabemos como são, tantas vezes, vontades que continuamos a ter, sem as poder concretizar e, tirando o disfarce da época da “caça ao voto”, não as poder cumprir. É também isso que esperam de nós políticos e enquanto assim for haverá sempre os que se acham capazes de o ser, nunca o tendo sido. E Évora (como todo o Portugal,  e por que não a Humanidade a que cede o seu mais rico Património) merece pessoas conscientes e capazes.
Porque não conseguirei já deixar a pele que me liga à Literatura e que despi entre 2009 e 2013 e fui depois vestindo, muito devagarinho, de novo, termino lendo-vos um conhecido e muito citado poema de Sophia intitulado “A Forma Justa”:
Sei que seria possível construir o mundo justo 
As cidades poderiam ser claras e lavadas
Pelo canto dos espaços e das fontes 
O céu o mar e a terra estão prontos
A saciar a nossa fome do terrestre 
A terra onde estamos — se ninguém atraiçoasse — proporia
Cada dia a cada um a liberdade e o reino
— Na concha na flor no homem e no fruto 
Se nada adoecer a própria forma é justa
E no todo se integra como palavra em verso 
Sei que seria possível construir a forma justa
De uma cidade humana que fosse
Fiel à perfeição do universo 
Por isso recomeço sem cessar a partir da página em branco
E este é meu ofício de poeta para a reconstrução do mundo.


Sophia de Mello Breyner Andresen, in "O Nome das Coisas" 


Ao serviço do Poder Local em Évora entre 2009 e 2017