24.11.15

Como é viver hoje?

Todo o ambiente político que temos estado a viver nestas últimas semanas - no resto do Mundo e no País e até na região - nos faz pensar, de forma “redonda”, em que pensar de tudo isto. E de como será de agir daqui para a frente na nossa vida quotidiana, pessoal e na comunidade, muitas vezes até apenas exercendo o que continuamos a querer cumprir como dever cívico, e participar na escolha dos que se predispõem a governar-nos em vários níveis. Não me ocuparei, para já, a ensaiar pensar esses que são escolhidos pelos outros. Seguramente não me faltarão oportunidades de tentar mapear e orientar-me no que são as condicionantes e opções, que os governantes tomam, e se nos colocam para avaliarmos e fazermos as nossas próprias opiniões e consequentes ações. E é que para isso precisamos mesmo de reaprender a pensar os factos que temos à frente.
O ambiente político atual passa pelo terror, em que uma forma de guerra nova nos transforma em potenciais e inesperadas vítimas fora de um campo de batalha; e passa por reinterpretações de várias e inquestionáveis lógicas dos atos eleitorais a que nos habituámos, enquanto Povo português, nos últimos 40 anos; mas também passa por assistirmos a quase incompreensíveis reviravoltas de discurso que me fazem pensar que o poder das palavras saiu do domínio da comunicação tout-court e se barricou no discurso onde todos os equívocos são aceitáveis, onde o da ficção tem lugar central.
Tudo isto só pode, logo à partida, baralhar as pessoas. Essas mesmo em nome de quem tudo o resto se diz fazer. Quando queremos responder às perguntas mais simples, porque ingénuas, mas das mais difíceis porque sem resposta direta, teremos sempre de fazer tão longos e demorados discursos, o que é uma forma quase anacrónica de vivermos porque os tempos são de tweets, soundbites e buzzwords. Ou então fazemos poesia, como aquele pai que ensina ao filho que nos protegemos dos “homens maus” (leia-se terroristas) com flores e velas.

Já na reta final da sua vida, Vergílio Ferreira escreveu nalguns dos seus pensamentos o que não poderemos considerar conselhos, pois a ironia sarcástica com que pensou os tempos – os dele que já visionariamente olhava bem por dentro e se prolongaram à flor da pele nos nossos – são mais desabafos do que outra coisa. Um deles diz isto: Não penses para amanhã na urgência de seres agora. Mesmo logo à tarde é muito tarde. Tudo o que és em ti para seres, vê se o és neste instante. Porque antes e depois tudo é morte e insensatez. Não esperes, sê agora. Lê os jornais. O futuro é o embrulho que fizeres com eles ou o papel urgente da retrete quando não houver outro. E este pessimismo é por instantes tão contagiante… Resistamos, porém!

17.11.15

A morte que nos separa

A chacina voltou ao lugar que lhe é estranho: a cidade contemporânea da civilização ocidental. E foi também isso, naturalmente, que consternou talvez mais de meio mundo. Não quero com isto dizer que haja outros lugares onde a chacina não seja condenável. Ou outros tempos em que, por serem Passado, se tentam (e como tentam) que se perdoe. Quero hoje apenas sublinhar um facto que facilmente comprovo na minha condição de cidadã portuguesa, a viver na Europa, ligada por interesses próprios e profissionais a outras culturas tão ocidentais como a minha. É daqui o meu posto de vigia. É daqui que consigo sentir melhor os que estão em condições semelhantes à minha. Em Paris podia ter sido eu. Em Beirute, nem por isso. E a mão que matou foi a mesma, o que acontece é que não está nos meus planos, de momento, ter Beirute como destino.
Os que nasceram em civilizações que parecem ter no seu ADN um gene beligerante também têm direito, um dia, um ano, um século destes, a fartar-se. Cansados da guerra que, como cidadãos comuns que ali nasceram, não conseguem interromper porque a guerra se institucionalizou. Porque ainda não houve força suficiente por parte de alguns que arrastam muitos para se mudar o rumo. Talvez porque os métodos são os mesmos e, naturalmente, se declarar guerra à guerra. Talvez. E partem para outros lugares, os mais próximos daquele que considero o meu lugar.
O sentido inverso também acontece. E há os que nasceram no mesmo cenário que eu e que partem para lá. Vão aprender a matar e a morrer em nome de algo que lhes é apresentado como maior do que o que tiveram à nascença. O que falha nisto tudo? O ser humano, bem entendido. E aqueles que tão seres humanos como os outros se disponibilizam e entregam a governar em nome dos outros. Solução difícil e não à vista.
Se a dor da morte dos que estão mais perto de nós se imagina igual à dor dos outros mais longe o que falta é que o acesso a esse valor da Vida também se globalize. Como no campo do dinheiro e dos negócios, a Coca-Cola ou a Pepsi, a Nike ou a Adidas, a Apple ou a Microsoft. Palpita-me que seja o Amor, a resposta. Mas o Ódio anda-lhe tão próximo…

O Beatle John Lennon pediu-nos para imaginar, cantando a Esperança. O meu Autor, protagonista desta série de crónicas , escreveu-o assim com um pensamento que partilho (e que por vezes, tantas e demais, descamba para o pessimismo cínico): Imaginemos que toda a gente tinha a mesma política, religião, etc. Nem por isso se viveria mais em paz. Porque logo se descobririam diferenças naquilo que a todos unia. E paralelamente surgiriam as discordâncias, invejas e ódios subsequentes. Porque não é a ideologia que no fim de contas divide. A ideologia é apenas um bom pretexto. O que nos divide é a importância da nossa pessoa e o grupo extensivo a que nos recolhemos. O que nos divide é a individualidade que não tem misturas ou só as tem com quem prolongar a pessoa que somos. (Vergilio Ferreira)

10.11.15

Esquerda, Direita, Volver

O ambiente político anda no mínimo interessante em Portugal. Há uma espécie de comemoração de acontecimentos de há pouco mais de uma geração atrás, com alguns protagonistas que não sendo propriamente novos não poderão, à exceção talvez de Jerónimo de Sousa, argumentar, como há 40 anos, estarem ainda a sentir na pele o quase meio-século de um regime totalitário fascista. De facto, os principais atores políticos do momento queixar-se-ão ou dos últimos austeros 4, ou dos democráticos 40 em que não estiveram no governo. Aparentemente, o que resultou das eleições de 4 de outubro poderia dar oportunidade a partidos que nunca estiveram no poder central para exercer ministérios e assumir essa outra responsabilidade na Política que é governar. Parece que assim não será e, num remix inédito, muito se discutiu, acordou, concordou para se manter a alternância que tantos dos que a permitem agora vilipendiaram.
Parece também que este governo de um partido, que alguns considerariam há 4 anos atrás tão de direita como o que será derrubado no Parlamento, volveu à esquerda. Se não o fez já ou fará logo que empossado, terá então de inaugurar-se em Portugal todo um novo léxico para designar os lugares ideológicos. É que ficam, os mais distraídos destes assuntos e que é bom de ver serão a maioria dos Portugueses, um pouco baralhados e com falta de uma mediana como termo de referência. A alguém servirá, num futuro que me atrevo a palpitar não muito distante, esta mudança para parte incerta dos jeitosos conceitos da esquerda e da direita no mundo dos Partidos.
O “meu” autor que viveu com 60 anos o 25 de abril teve à época alguns dissabores por não se ter querido encaixar militando em partidos que, pasme-se, detinham efetivamente por aqueles anos o monopólio da edição de livros e da instituição cultural que é a crítica literária. Talvez por isso, num dos seus últimos livros que intitulou Pensar, ouvimos Vergílio Ferreira a refletir sobre estes lugares medidos a partir de um eixo que nos querem fazer imaginar, dizendo: Os políticos que se dizem de esquerda, por ser o bom sítio de se ser político, estão sempre a afirmar que são de esquerda, não vá a gente esquecer-se ou julgar que mudaram de poiso. Mas dito isso, não é preciso ter de explicar de que sítio são os actos que a necessidade política os vai obrigando a praticar. Como os de direita, aliás, que é um lugar mais espinhoso. O que importa é dizerem onde instalaram a sua reputação, na ideia de que o nome é que dá a realidade às coisas. E se antes disso nos explicassem o que é isso de ser de esquerda ou de direita? Nós trabalhamos com papéis que não sabemos se têm cobertura, como no faz-de-conta infantil. Mas o que é curioso é que o comércio político funciona à mesma com os cheques sem cobertura.
Ser-se de esquerda ou de direita não é o mesmo que se ser canhoto ou destro. Nem mesmo já numa época em que não se contraria esse jeito de segurar as coisas com as mãos. Mais do que nunca, e apesar da dificuldade que é definir outros nomes abstratos mas que nos tocam o dia-a-dia, é preciso saber-se como se atua não à direita, nem à esquerda, mas norteados pelo sentido de justiça, com coragem, sabedoria e moderação. Soa a virtudes cardinais a uma distância platónica? Pois soa, mas ninguém disse que era fácil.

3.11.15

O Futuro

Por muito que a vida dos cidadãos prossiga no dia-a-dia para além das incertezas de quem nos governará, a atual situação deve ainda assim deixar pelo menos expectante muita gente, a avaliar pelos desabafos de com quem me vou cruzando tenho ouvido. No fundo, presumo que, independentemente da margem em que se esteja do rio, mais ou menos a ver passar quem por lá navega, a esperança é que o rio tenha água e que quem dele cuida, porque dele dependemos, o faça da melhor forma. Às vezes sem muita fé, sobretudo na sequência de uma autoinfligida crise de confiança que alguns dos próprios candidatos a governantes atravessam arrastando todos os outros, justa ou injustamente. Só de facto não está submetido ao duro escrutínio de estar no poder quem lá não esteja, e às vezes nem queira estar. Ficar nas margens a ver passar quem governa a corrente é sempre o lugar mais resguardado, quer seja vivenciado com maior ou menor inquietude, atividade, empenho ou indiferença. É que, por muito pouco respeitada que esteja a política pelo cidadão comum as suas vidas dependem muito mais dela do que os indiferentes possam talvez suspeitar…
Quem está por isso mais atento por ter atividade, profissional ou de intervenção ativa, que dependa dos atores e ações dos governantes, deita-se a tentar adivinhar o futuro projetando cenários que, até no “pim-pam-pum” da escolha aparentemente aleatória, são previsíveis. Se na rima lúdica de escolha a contagem das sílabas métricas pode fazer recair sobre um outro escolhido, mais à frente ou atrás na roda, quando se conhece o percurso dos atores que ditarão o futuro do Governo de Portugal talvez seja mais certa a previsão sem certezas antecipadas. O que me parece por demais ridícula é a atitude de quem olha este futuro, nesta área, mais do que colocando hipóteses, que tenho ouvido bem colocadas por gente das duas margens, irrompendo em histerias que vão até mais longe e mais alto do que muitos soundbites lançados por quem deles vive, quais claques de uma regata em que parece só ser possível que ganhe aquele que, por se terem afundado os restantes concorrentes, chega à meta em primeiro.
Bem sei que muitos esquecerão, metidos no mesmo baú trancado e selado, os disparates cuspidos ou as afirmações convictas que antes da corrida chegar ao fim se foram dizendo em público. E é pena. Mas é também humano. É a memória seletiva com que contamos mesmo no interessante exercício intelectual de juntar factos, dados e conjeturar. Pode parecer trabalho a mais para valer, quanto mais não seja, um voto numa urna em dia de eleições, mas olhem que acabará por contar para decidir quem nos governa. O Vergílio Ferreira escreveu que Tentar provar o futuro é muito mais interessante do que poder conhecê-lo. Como no jogo, não o ganhar, mas o poder ganhar. Porque nenhuma vitória se ganha se se não puder perder. E eu concordo.