29.5.18

Cavaco, CDS e PCP: a mesma luta


Hoje discute-se a eutanásia na Assembleia da República. Ficará, e em meu entender bem, nas mãos dos Deputados e dos Partidos eleitos democraticamente propor, ou não, uma lei que despenalize, em determinadas condições, a morte assistida. Já afirmei aqui, e repito, que este é o tipo de discussão que remete para a importância de, quando das campanhas eleitorais sobretudo mas não só nas eleições legislativas, devermos conhecer bem cada um dos candidatos propostos por Partidos e Movimentos. Para além da identificação que cada potencial eleitor possa sentir com as ideologias-base de cada grupo que se compõe para propor governar o País, são estas situações de temas que não se alinham tanto em questões de direita ou esquerda que fazem depender de cada um dos Deputados que vota a legislação que nos rege a todos.

Será acima de tudo, e não se tratando de direita ou esquerda, uma questão de fazer opções coerentes com a concordância ou defesa de assuntos como o progresso científico, as condições contemporâneas e futuras do conceito de bem-estar, a garantia do conceito de dignidade, tendo todas elas, obviamente, a liberdade, o livre-arbítrio e a vida como denominador comum para a discussão e decisão. E quando afirmo que estar a legislação da eutanásia nas mãos da Assembleia da República e não dependente de um referendo, faço-o também por me parecer que o investimento no esclarecimento dos eleitores e cidadãos deve concentrar-se para o exercício do acto mais elementar de uma Democracia: o voto que elege representantes em órgãos. O referendo é, na minha opinião, um instrumento que promove a desvalorização das eleições e da Democracia representativa. E é um instrumento que desresponsabiliza aqueles a quem devemos, enquanto eleitores, estar constantemente a pedir que assumam as suas responsabilidades com o dever de fazer cumprir, entre outros, os nossos direitos, para que depois, no devido momento, os possamos escrutinar. Sem alimentar a desmemória, sem esquecer que nos têm que dar muito mais do que uma cara, um símbolo, um beijinho ou uma palavra, quando os recompensarmos com a sua eleição para discutir, propor e aprovar leis. Tenham estas sido ou não motivo de discussão durante as campanhas onde os programas eleitorais são, ainda, documentos tão pouco acessíveis a uma iliteracia política que uma jovem Democracia de 44 anos de vida não desculpa mas, gostaria de acreditar, justifica.

Mais do que cada parágrafo de cada um dos programas que os Partidos apresentam, quando quem opta votar no conjunto (ainda que bipolar no caso da CDU que se desdobra depois em PCP e Verdes), e não apenas neste ou naquele Deputado; quem vota está, parece-me, à espera que o Partido não seja, de forma coerente nas várias matérias, passadista, selectivo relativamente ao que bem-estar significa para cada um, impositivo sobre as opções que cada indivíduo faça, com dignidade e sem recurso ao crime (sim, em Portugal, o "incitamento ou ajuda ao suicídio" e "propaganda do suicídio" são considerados crime). Está-se à espera que, em quem votámos para legislar não seja defensor de que cada indivíduo,  em relação ao rumo da sua própria Vida quando as condições desta ultrapassem limites que ele próprio defina como dignas e que a sociedade, por mais progressista que seja, ainda não lhe consegue, nem intencional nem legalmente proporcionar, se resigne.

É esta inevitabilidade - a do sofrimento sem solução, seja política, social, científica ou dependente da vontade própria -, neste dia em que se discute a eutanásia na Assembleia da República, um forte laço que une Cavaco de má memória, o CDS e o PCP.  Dá que pensar.

22.5.18

Claques, cliques e casuals


A violência é o que é e não há argumento que a desculpe. Podem compreender-se motivos, não servem é estes como justificação para a legitimidade da agressão, nem retiram aos agressores nem que seja a vergonha pessoal, ou pelo menos social, do acto violento. Apesar das comemorações dos 50 anos do Maio de 68, onde a violência de intelectuais ou candidatos a tal não deixou de ocorrer, apesar do anacrónico momento fairytale vindo das ilhas britânicas, aquilo de que todos falam ou ouvem falar e que se passou para cá do Tejo, em Alcochete, não podia passar-me ao lado e, como tal, cá vão algumas parcas (em palavras) reflexões sobre o assunto.

O direito de as pessoas se associarem ou não está consagrado na nossa Constituição democrática. Chegar a um extremo de denunciar esse direito na área dos que se juntam em torno de outras associações onde o centro das actividades é o desporto parece-me um sinal grave do populismo mais barato: soluções fáceis para problemas difíceis e de abertura de precedentes descontrolados. E como está bom de ver, claques existem em muitos mais sectores do que o do desporto. O que acontece é que no desporto, sobretudo o futebol no contexto português (mas não só), a visibilidade e o negócio em torno do ócio tem um peso imediato e visível enorme, relativamente a outras actividades até muitas vezes mais decisivas no que diz respeito à vida dos cidadãos (dos que gostam ou não de futebol). 

As claques são a face folclórica, no pior sentido do adjectivo, das cliques. As que agitam pompons e tiram selfies. As que erguem punhos e envergam objectos e roupagens com símbolos identificadores do motivo por que se comportam algo mais histrionicamente e de modo desajustado noutros contextos, mas num comportamento social civilizado e, logo, observando regras de civismo consensualizadas. E mesmo quando a claque sobe de tom, dentro do ambiente onde é tido como aceitável, nunca a violência poderá ser o limite aceitável.

Já as cliques se definem como grupos de indivíduos que se relacionam entre si porque têm interesses comuns. O relevantes nas cliques é que, por definição, elas permitem que os seus membros circulem entre outras cliques de interesses diferentes daquela clique em que, num determinado momento, actuam como pares exercendo as pressões, pelos menos sociais, pelas quais são reconhecidas. E ele há cada cruzamento de membros de cliques! Até custa a acreditar... Por vezes há até membros de cliques que dão muito jeito por darem origem a boas claques onde, de resto, igual número de vezes é o único contributo que trazem ao interesse até público da clique em que se integram.

E depois há os casuals. Estes são os que actuam em nome de cliques e claques, que por estarem descaracterizados comprometem precisamente quer as claques, quer as cliques. Juntam-se casualmente para passarem a ter comportamentos que envergonham tudo o que seja identificado com o conceito de organização, embora até também, normalmente, se apresentem bastante organizados e coordenados. Vá-se lá saber é por quem! Este suado esforço organizativo, origina, para além de sangue e lágrimas, muita tinta, muito soundbyte, muito “achismo”. Acabar com claques pode levar ao fim do direito de reunião e manifestação, proibição de má memória. E isso é coisa para mim impensável, mesmo tendo já sido alvo de uma certa violência, não física apesar de tudo, resultado de uma certa sanha grupal, umas vezes de cliques outras até de claques.

15.5.18

Concertações cacofónicas


Nem sempre é fácil escolher um tema sobre o qual desenvolver uma opinião que interesse a quem a emite e a quem a recebe. E quanto mais difícil é o tema, mesmo não sendo à partida fracturante, para além de mais desafiante claro, mais põe problemas a quem esteja vinculado a um colectivo pelo qual foi escolhido para ser seu porta-voz. Falo acima de tudo de escolhas feitas, por vezes de forma misteriosa para quem não participa nelas, para representar muito mais esse colectivo do que aquilo que lhe dite o seu senso individual, à partida mais qualificável como bom ou mau do que como comum. Quem, como tal, escolheu, esperemos que de forma livre, vincular-se a, e representar, um colectivo que impõe uniformes até nas sinapses dos neurónios, terá sempre uma tarefa difícil em agradar, ou desagradar, de livre e espontânea vontade. Se por um lado, e em caso de sinapses mais cansadas, chamemos-lhes assim, a tarefa fica facilitada pelo exercício de olhar para o maestro e para a pauta e tocar consoante lhe digam que toque, por outro lado, tendo sinapses activas e criativas, arrisca-se a não só ver-se criticado pela sua opinião pessoal por companheiros de colectivo como a pôr em causa a posição do próprio colectivo.

Tudo isto parece, aliás, óbvio, mas não fácil nem simples, depois do que temos tido, por exemplo mas não exclusivamente, em torno das questões de Justiça que envolvem políticos e respectivos colectivos a que chamamos Partidos. O comportamento de quem tem na expressão pública, por vontade ou obrigação, duas posturas aliás já por si bastante eloquentes, diz tanto do indivíduo como do colectivo a que pertence. Parece-me que um colectivo onde, até a partir do que parece opinião díspar, se poder imaginar uma concertação de interesse comum será sempre muito mais saudável do que aquele que solta as suas ovelhas num virtual campo livre mas onde o pastor possui, apenas imagináveis para quem celebra a Liberdade, tentáculos controladores que o tornam no irmão mais poderoso entre os irmãos que apregoam ser seus pares.
Às vezes até custa vermos indivíduos por quem temos respeito intelectual coartados desse seu interessante, e expectavelmente livre, pensamento. São heteronímias forçadas, cacofonias desconcertantes.  Outras vezes, o que no primeiro caso causa uma certa desilusão em que a marioneta não ganhe vida e se desprenda da teia, transforma-se numa espécie de mau espectáculo em que sentimos vergonha alheia pela inabilidade daquelas pessoas que, mesmo presas por fios, têm tão más performances. Sobretudo quando já as ouvíramos antes apregoar-se capazes de estar à frente de destinos vários, desde o colectivo a que pertencem ao colectivo a que esperavam presidir.  E tendo-o feito com a mesma messiânica desfaçatez no passado como com o patético apelo com que suplicam, no presente, à força do colectivo.

A demagogia, mais uma palavra de que cuidámos pouco e se foi arrastando pela lama, já foi avaliada como elevada ou barata. Ficámos com a barata, já que a elevada morreu com Demóstenes, Sólon e Péricles, a que era “arte ou poder de conduzir o povo”, a que falava pelos menos afortunados, e de que talvez só tenhamos vestígios numa concertação que encontramos em alguns, mas a que também não nos eximimos de dizer, mesmo quando cheios de razão, que “dizem tudo como os malucos”. Estes, normalmente, não têm muita sorte nem nos ambientes mais populistas, até porque normalmente também não os poupam. 

8.5.18

Sustentabilidade Comunicacional


Não vou falar de nomes e não é porque ache que sejam todos iguais os que partilham com os mais ouvidos, pelas piores razões, as actividades públicas. É antes porque sou de opinião de que os nomes toldam o verdadeiro assunto político, o que deveria merecer a atenção dos cidadãos interessados. E o assunto é: exercer cargos públicos continuando a tratar da sua vidinha. Seria, no entanto, ingénuo pensar que o facto de estes assuntos, por surgirem assim fulanizados, terem sido levantados e afanosamente mantidos em discussão e alarde por alguns, não só não os ilibe de se verem um dia na mesma situação, como ter unicamente como intenção repor a ordem das coisas. Ainda pensei em adjectivar essa ordem com, por exemplo, “normal” ou “natural”, mas nenhum deles me descansou sobre se lhe conferiria um sentido literal ou se alimentaria o mau uso do adjectivo ou até do próprio substantivo, “ordem”, usado neste contexto.

Não sendo, pois, uma crónica sobre casos de outros, está chegada a oportunidade de falar do meu caso (de resto, título de uma peça de teatro escrita por José Régio cuja leitura aconselho vivamente, para além da mais mediática adaptação feita por Manoel de Oliveira ao cinema, porque nos põe a todos a pensar nos papéis que ocupamos no teatro social). Queria pois contar-vos um pequeno detalhe do meu percurso enquanto vereadora com pelouros atribuídos. A nota que vos dou é propositadamente curta, permitindo-vos que retirem, das parcas palavras que usarei, as vossas conclusões.

Tive responsabilidades na empresa municipal que geria o estacionamento na Cidade. Várias vezes usei o meu próprio carro para me deslocar em representação oficial. Na impossibilidade de estacionar bem o carro,  deixei-o algumas vezes em situação não regular, tendo o cuidado de nunca o fazer em lugares destinados a utentes com mobilidade reduzida. Nunca fui, por isso, tão multada como quando era a gestora da empresa. Paguei todas as multas, com as mesmas diligências com que recebi e pedi que se respondesse a quem reclamava com as suas próprias multas. Com o aproximar das eleições autárquicas, estas reclamações tornaram-se mais e mais “em directo”. De cada vez que contava ou que contavam “o meu caso”, por mais do que uma vez, a resposta de quem reclamava foi:” Vocês, nem para vocês são bons! Vão perder as eleições!”. E mais não acrescento, porque o resto da história é pública.  

O termo “sustentabilidade” arrisca-se a cair na banalidade de outras expressões como o “populismo”, o “politicamente correcto” e até a “literacia”. Ainda assim, nestes tempos que parecem aproximar-se perigosamente de certos retrocessos das conquistas de 74, em meu entender por uso indevido e incompleto do sistema democrático, aconselho os meus ouvintes e leitores, com quem partilharei o gosto de poder ter acesso a todas as formas de comunicação de informação e expressão de opinião a iniciarem um processo de selecção – do tipo que se faz na reciclagem dos resíduos – no que por aí ouvem ou lêem, para continuarmos todos a ouvir e a ler. E, já agora, a estarem atentos a determinadas medidas legislativas que respondem a momentos e casos que enxameiam os vários canais de comunicação, em vez de se preocuparem com o que verdadeiramente interessa à Sociedade, à Política e, na minha convicção, ao progresso da Humanidade: a saúde da Democracia.

1.5.18

Do Contra ou A Favor


Ser-se casmurro é um direito numa sociedade progressista, aberta e democrática. O casmurro é aquele que persiste numa determinada ideia ou opinião. Pode dizer-se que coerência não deveria faltar a um casmurro. Isto para além da persistência, claro. Em termos práticos, o que pode acontecer é que o persistente vença mais pelo cansaço do que pelos argumentos e que o coerente deixe de o ser se o método de validação do argumentário for o comparativo e não o pontual e absoluto. Este normalmente aplica-se a quem tem alguma dificuldade, ou então uma agenda muito definida, em limitar as perspectivas que podem existir sobre as coisas que dizem respeito às pessoas e são, por isso e como o adjectivo indica, subjectivas.

Vem esta conversa a propósito do recente desvirtuamento da lei conhecida como a da “barriga de aluguer”, ou seja da gestação de substituição. Mas também sobre as outras polémicas como as da interrupção voluntária da gravidez, da procriação médica assistida, da mudança de género aos 16 anos e da sempre adiada eutanásia. Num lampejo, será fácil dizer que, a propósito de tudo, os conservadores de direita são contra e os radicais de esquerda a favor. Curiosamente, há um Partido que diz que dá liberdade de voto quando o momento do voto chegar – sabe-se lá quando – porque esta, diz ele, não é uma questão política. Não podia estar mais em desacordo, já que é uma questão que implica leis que regulam a sociedade. E se é certo que essa distinção de posições colectivas pode aproximar-se de ideologias, também é certo que os colectivos são feitos, pelo menos alguns progressistas e democráticos, de indivíduos com direito a opinião própria, sempre difícil de expressar, parece-me, quando essa posição individual vai contar para fazer e aprovar leis. Também por isso devemos conhecer muito melhor aqueles que elegemos para deputados à Assembleia da República.

Voltando à casmurrice, tantas vezes associada ao “ser do contra”, queria apenas terminar dizendo que nenhuma das chamadas leis fracturantes, de que acima elenquei exemplos, obriga quem quer que seja a praticar qualquer dos actos legislados. Aos que são seus beneficiários é-lhes dada uma oportunidade, aos profissionais que os assistem a possibilidade de fazerem objecção de consciência.  Quanto a mim e aos meus, o que queria mesmo, mesmo era não termos necessidade de utilizar nenhuma delas para termos direito a ser felizes. E eu estou sempre à espera que uma legislação, progressista e democraticamente discutida e aferida, contribua para essa felicidade também.  

E já agora, porque a felicidade em sociedade também é feita de equilíbrios entre direitos e deveres e hoje se assinalam os direitos dos trabalhadores, envio daqui uma saudação a mais um 1º de Maio!