Hoje
discute-se a eutanásia na Assembleia da República. Ficará, e em meu entender
bem, nas mãos dos Deputados e dos Partidos eleitos democraticamente propor, ou
não, uma lei que despenalize, em determinadas condições, a morte assistida. Já
afirmei aqui, e repito, que este é o tipo de discussão que remete para a
importância de, quando das campanhas eleitorais sobretudo mas não só nas
eleições legislativas, devermos conhecer bem cada um dos candidatos propostos
por Partidos e Movimentos. Para além da identificação que cada potencial
eleitor possa sentir com as ideologias-base de cada grupo que se compõe para
propor governar o País, são estas situações de temas que não se alinham tanto
em questões de direita ou esquerda que fazem depender de cada um dos Deputados
que vota a legislação que nos rege a todos.
Será acima de
tudo, e não se tratando de direita ou esquerda, uma questão de fazer opções
coerentes com a concordância ou defesa de assuntos como o progresso científico,
as condições contemporâneas e futuras do conceito de bem-estar, a garantia do
conceito de dignidade, tendo todas elas, obviamente, a liberdade, o
livre-arbítrio e a vida como denominador comum para a discussão e decisão. E quando
afirmo que estar a legislação da eutanásia nas mãos da Assembleia da República
e não dependente de um referendo, faço-o também por me parecer que o
investimento no esclarecimento dos eleitores e cidadãos deve concentrar-se para
o exercício do acto mais elementar de uma Democracia: o voto que elege
representantes em órgãos. O referendo é, na minha opinião, um instrumento que
promove a desvalorização das eleições e da Democracia representativa. E é um
instrumento que desresponsabiliza aqueles a quem devemos, enquanto eleitores,
estar constantemente a pedir que assumam as suas responsabilidades com o dever
de fazer cumprir, entre outros, os nossos direitos, para que depois, no devido
momento, os possamos escrutinar. Sem alimentar a desmemória, sem esquecer que
nos têm que dar muito mais do que uma cara, um símbolo, um beijinho ou uma
palavra, quando os recompensarmos com a sua eleição para discutir, propor e
aprovar leis. Tenham estas sido ou não motivo de discussão durante as campanhas
onde os programas eleitorais são, ainda, documentos tão pouco acessíveis a uma
iliteracia política que uma jovem Democracia de 44 anos de vida não desculpa
mas, gostaria de acreditar, justifica.
Mais do que
cada parágrafo de cada um dos programas que os Partidos apresentam, quando quem
opta votar no conjunto (ainda que bipolar no caso da CDU que se desdobra depois
em PCP e Verdes), e não apenas neste ou naquele Deputado; quem vota está,
parece-me, à espera que o Partido não seja, de forma coerente nas várias
matérias, passadista, selectivo relativamente ao que bem-estar significa para
cada um, impositivo sobre as opções que cada indivíduo faça, com dignidade e
sem recurso ao crime (sim, em Portugal, o "incitamento ou ajuda ao suicídio"
e "propaganda do suicídio" são considerados crime). Está-se à espera
que, em quem votámos para legislar não seja defensor de que cada indivíduo, em relação ao rumo da sua própria Vida quando
as condições desta ultrapassem limites que ele próprio defina como dignas e que
a sociedade, por mais progressista que seja, ainda não lhe consegue, nem
intencional nem legalmente proporcionar, se resigne.
É esta
inevitabilidade - a do sofrimento sem solução, seja política, social,
científica ou dependente da vontade própria -, neste dia em que se discute a eutanásia
na Assembleia da República, um forte laço que une Cavaco de má memória, o CDS e
o PCP. Dá que pensar.