27.9.11

"A gente julga mal ou bem, conforme o interesse que tem"

Troy Davis foi morto no dia 22 de Setembro de 2011. Matou-o a pena de morte. Ainda em vigor nalguns estados, ditos Unidos, da América, e noutras partes do Mundo que nos parecem mais longe, esta forma de aplicar o castigo em nome da justiça permite ao homem mascarar-se de Deus, o que quer que isso queira dizer.
A notícia esgueirou-se por entre outras de crises económicas, financeiras e políticas. Mas em cada vez que era dada, pela rádio, o incómodo sentia-se na voz de quem lia aquela notícia. A querer parecer-se com guião de filme, como tantos filmes já vistos por tantos sobre o assunto, agora aquilo não era ficção. Aconteceu. E em vez de ter morrido um homem às mãos de outro – o que seria sempre de penalizar – morreram dois, e um deles com causa considerada justa.

Opinar sobre julgamentos é sempre um risco. O povo sabe-o e diz «A gente julga mal ou bem, conforme o interesse que tem». Levantam-se as vozes que vêem no castigo vingança que tem de ser e que só quem sofre a perda de alguém querido pelas mãos de um criminoso poderá descansar por ver este sofrer com o mesmo. Mas a morte de um homem não ressuscita quem já morreu. A morte de um homem como castigo, dizem alguns, que serve de exemplo e evita outras mortes. Duvido. A morte de homem não serve a ninguém porque não serve todos. Em situação de guerra só serve mesmo uma parte. O castigo faz-se pela memória. Lembrar quem morre pela falta que faz, lembrar quem mata pelo que não se deve fazer. E quem faz o que não deve ao ser punido com vida vivida sem livre arbítrio é retirar-lhe precisamente aquilo que faz dessa pessoa um ser humano. Preso e condenado para o resto da vida, quem assim vive não pode ser homem inteiro.

Esta discricionariedade de que fala o povo na sua sentença é também perigosa até porque verdadeira quando as evidências falham, e por vezes, mesmo quando se deixam ver... A balança, a venda nos olhos e a espada na mão de uma mulher – porque vida é feminino e a terra é mãe mesmo quando é pátria -  são a imagem que alinha elementos sem prioridade obrigatória. E a espada às vezes cai sobre os corpos porque a cegueira é sinal só disso mesmo e não sinónimo de isenção no julgamento em que o equilíbrio da balança de nada serviu.
Troy Davis era negro, terá morto um polícia, branco, em 1989, foi julgado e condenado em 1991 e desde então, há 20 anos, que sete das nove testemunhas alteraram os seus depoimentos. Para além disso, segundo a defesa, a acusação nunca obteve provas físicas ligando Davis à morte daquele polícia. A justiça americana, naquele estado da Geórgia, essa está seguramente muito ligada à morte de Davis.

20.9.11

«E o Povo, pá?»

Com o aproximar do regresso para a segunda série das crónicas da Diana, fui pensando em acrescentar a esta edição uma variante. A ideia surgiu-me quando, numa das poucas escapadelas que a minha troika caseira permitiu durante os meses de veraneio, ouvia numa rádio nacional uma dupla de especialistas, julgo mas não juro que eram psicólogos, construírem as suas intervenções em torno de provérbios de origem popular. Entretanto também cá por Évora, e no âmbito desse festival não-pop, não-rock, não de músicas ou danças deste ou de outro mundo, mas muito ousado, e que se tem estendido durante todo o Verão com sede na Igreja de S. Vicente – falo d’ O Escrita na Paisagem – os promotores do Festival começaram a editar o programa num almanaque semanal que, à boa maneira de um tradicional almanaque, põe também na ordem do dia a sabedoria popular.

Não sendo por isso nenhuma inovação, julgo que esta minha nova “pauta” me pode ajudar a alinhar os textos que, convenhamos, têm muita tendência para ter objectos e sujeitos recorrentes, e que é legítimo que surjam ao sabor das circunstâncias que vão merecendo opinião e posição da autora, isto é, eu própria. Assim, em cada crónica estava a pensar que a propósito da sentença popular, ou a propósito de um ou outro caso que me suscite reflexão, lá vá de provérbio. Acho que quer eu, quer os ouvintes poderemos a partir desta raiz popular e colectiva dar asas às nossas reflexões pessoais, sobre um assunto que me interesse e sobre o qual eu gostaria de tornar-vos interessados.

Afinal, os provérbios ou sentenças populares são por definição a voz do povo o que assenta que nem luva ao regime democrático em que vivemos e aos gritos que mais recentemente temos ouvido em manifestações populares e que pode ser condensada no «E o Povo, pá?» Não sendo esta uma pergunta proverbial popular, pois tem autores bem conhecidos, pode ir tendo nas sentenças tradicionais respostas possíveis. Eu dou um exemplo e já agora cito uma das fontes que estará mais à mão de quem faz das tecnologias a sua pena e parte da sua documentação, o sítio da Internet assim chamado Citador, e que a propósito do tema do “político” nos atira como murro no estômago esta sentença fatal: "Bom político, mau cristão”. Apre!, exclamo eu, como isto pode dar “pano para mangas”…
Até para a semana.