25.2.11

Das Paisagens municipais

As "linhas" com que me cosi quando participei a 28 de Setembro de 2010 numa reunião entre a Direcção do Festival «Escrita na Paisagem» e vários técnicos e alguns autarcas da região do Alentejo:

Esta sétima edição de «Escrita na Paisagem» é a minha primeira edição enquanto apoiante do Festival. E digo enquanto apoiante porque de facto foi assim que a CME foi chamada a participar no Escrita. E assim o papel de curadores tem ficado fora do nosso – municipal – âmbito, uma vez que ser curador é administrar bens alheios que nos são entregues à guarda. De facto, se somos curadores, nós as câmaras municipais, só o seremos dos dinheiros públicos. E também não temos sido programadores. Pelo menos, e em opinião pessoal, não nos consideramos como tal, uma vez que até agora o que havia sido feito era gerir vários programas de diferentes agentes culturais que desenvolvem actividade e programação na cidade.
O primeiro passo naquilo que julgamos ser o nosso papel de curadores (e ainda no domínio dos dinheiros públicos) e de programadores efectivamente foi, de certa forma, o que aconteceu durante os meses de Verão e o «Festival Terras do Sol» onde gerimos, escolhendo propostas dos agentes ou sugerindo, a programação para a cidade de Évora.
O segundo passo para sermos programadores seria a escolha de criações dos agentes a calendarizar pela CME, de forma a conseguirmos articular as propostas que vêm de dentro – e essas sim nós programamos - com as que poderemos trazer de fora, respondendo a vontades dos munícipes do Concelho.
Programar no âmbito do município implica, a nosso ver, pensar duas bases: a da qualidade dos produtos criativos e as vontades dos públicos que são as populações do concelho. A ponderar para se construir algo a partir destas duas bases estão, em nosso entender, os seguintes pilares:
1.     a descentralização, estendendo a vários pólos as actividades e envolvendo várias juntas de freguesia (ou outros concelhos, mas aqui a concertação é um imperativo incontornável) no processo;
2.     os equipamentos quer de apoio à actividade dos criadores quer de usufruto público;
3.     a formação e fidelização de públicos, numa política de reconhecimento de grupos-alvo, de actividades cíclicas, de passar o sentimento de identificação com o agente;
4.     os eventos distintivos que projectam os valores locais, nacional ou internacionalmente.
Para fazer uma programação cultural, uma Câmara Municipal terá de dispor de, pelo menos, três recursos, não falando já em orçamento:
1.     uma estrutura técnica interna;
2.     parcerias com a administração central em programas nacionais e europeus;
3.    protagonistas locais, isto é, criadores ou produtores individuais ou constituídos em associações ou cooperativas.
A utilização destes três recursos só será viável, sustentável e eficaz através do estabelecimento de relações com os agentes culturais, relações essas que costumam passar por três caminhos, todos eles condicionados a circunstâncias várias e variáveis:
1.     o do apoio financeiro, logístico ou misto;
2.      o da compra de serviços a produtores;
3.     os contratos-programa.

Das intervenções I

Colóquio «O Património e a Cultura na Cidade», Fundação Eugénio de Almeida, 16 de Abril de 2010

Construir políticas culturais para a cidade de Évora – primeiras intenções
("pauta" de uma intervenção, revista)

Suponho que ao ser convidada para este Encontro, e estando eu há pouco mais de seis meses no lugar de Vereadora também com o pelouro do Centro Histórico, Património e Cultura, se esperasse que revelaria aqui, de forma esquemática e precisa, o projecto cultural do executivo de que faço parte apresentando até acções e medidas concretas. Talvez tivesse sido mais fácil fazê-lo antes de ter sido convidada para fazer parte da lista do Partido Socialista candidata à Câmara Municipal de Évora (CME), com a atitude natural de quem não conhecendo os assuntos por dentro apresenta sempre, ou quase sempre, soluções fáceis e rápidas. Felizmente o meu percurso profissional permitiu-me ter consciência de que quanto mais aprofundamos os nossos conhecimentos num determinado assunto, mais e outras questões se cruzam e levantam, o que de certa forma complica e faz demorar decisões e acções. Mas como não “estou de” Vereadora para reflectir sobre os assuntos e sim para os resolver, ou pelo menos tentar resolvê-los, não deixarei de, neste espaço que a Fundação Eugénio de Almeida me proporcionou, expor uma espécie de roteiro próprio para a minha actuação à frente deste pelouro e que não deixará também de espelhar a vontade e a intenção deste executivo camarário. No entanto, o meu percurso académico profissional obriga-me de igual modo a que esta actuação tenha como base estudos realizados sobre políticas culturais autárquicas (e à data eles não são propriamente muito abundantes em Portugal). De facto, para o efeito li vários especialistas como Augusto Santos Silva, Maria de Lourdes Lima Santos, João Teixeira Lopes, Idalina Conde ou Natália Azevedo.

A política cultural de uma autarquia implica à partida a assumpção de objectivos estruturantes que se traduzirão em decisões tomadas com ponderação de forma a serem duradouras e não repentistas. Implica igualmente definir prioridades e critérios que apenas se estabelecem quando se aprofunda o conhecimento da sociedade em que se actua e acompanhando as suas dinâmicas sociais. Implica, em suma, que se actue balanceando o tipo de projectos culturais existentes e a criar, as modalidades de financiamento que as sustentará e as formas de relacionamento entre a estrutura de gestão autárquica que define as estratégias de políticas e os actores ou agentes no campo cultural. E, não menos importante, deve a política cultural contemplar modelos de avaliação das actividades culturais no sentido de conhecer os impactos na população e na vida do concelho.
As práticas culturais e de política cultural também se revelam através dos discursos políticos sobre Cultura e o Partido Comunista Português foi durante vários anos pioneiro na enfatização do assunto cultural que reflectia tópicos estruturantes da doutrina comunista, o que se reflecte ainda num discurso monopolizador no que à Cultura diz respeito, como se esta fosse "só vermelha". Como afirma Santos Silva (2007): «a ênfase na democratização, como generalização do acesso gratuito a equipamentos e eventos culturais, a hipervalorização do associativismo local como protagonista dos processos de criação e recepção artística, a reivindicação de competências e recursos como condição necessária e suficiente para a alavancagem da vida cultural local, e a definição da cultura como uma oportunidade maior para a legitimação social dos executivos e a projecção supra local dos territórios.»
Por outro lado, os estudos que nos últimos oito a dez anos têm comparado políticas culturais locais em diferentes concelhos demonstram que a filiação partidária das maiorias autárquicas não é a principal variável de diferenciação das políticas culturais, ainda que o discurso sobre Cultura varie de autarquia para autarquia. Encontros como este de hoje são afinal um sinal da importância de tomar consciência, talvez uma nova consciência, sobre o lugar central da Cultura na Cidade e os benefícios que a investigação sobre esta matéria pode trazer à sua sustentabilidade.
Falando em sustentabilidade importará dizer que a atenção a ser dada em termos de política cultural autárquica, isto é qualquer estratégia, assenta em, pelo menos, quatro pilares ou bases: o equipamento, o alargamento e formação de públicos, o apoio ao tecido associativo e artístico e a internacionalização ou, sendo mais modestos, a projecção extra-concelhia. A partir destas quatro bases poder-se-á agir tomando opções que permitam ir cumprindo o que se constrói sobre essas bases, tornando essas acções socialmente eficazes e, logo, “construções” cada vez mais sólidas e sustentáveis. Assim, e para além da construção, da manutenção e do funcionamento de equipamentos culturais, importa que a sua gestão contemple a pluralidade das expressões artísticas e criativas neles desenvolvidas, de forma a seguir a lógica do serviço público municipal para a cultura. Também não bastará, apenas e bem, melhorar as condições de acesso aos bens e eventos culturais, com horários convenientes, programas diversificados e bem orientados para receptores específicos que importa conhecer o melhor possível, como importará aproximar os públicos em formação aos contextos e meios de criação artística com intervenção em espaços públicos ou semi-públicos, espaços facilitadores de intermediação social e cultural. Da mesma forma, não bastará o apoio pontual e vagamente cíclico a associações e instituições culturais, mas sobretudo a criação estruturada de parcerias de média e longa duração entre os serviços municipais e as estruturas de criação e difusão dos Concelhos que incentivem a contínua formação e especialização dos criadores, bem como a abertura à receptividade e divulgação das criações e da programação dos equipamentos e eventos que existem e acontecem nos Concelhos.
A visibilidade de determinados eventos, até com projecção turística, e que visem a integração em redes, projectos e programas internacionais deverá ser pensada numa lógica de valorização do património local, aproveitando essa “embalagem” para reposicionar a Cidade num plano que se queira de modernidade, e tudo isto no que diga respeito quer ao Património edificado, quer às acções culturais na área dos eventos e espectáculos.
De facto, uma política cultural deverá evitar a todo o custo, trabalhando no sentido de a contrariar, a tendência, cada vez maior em épocas de crise como a que atravessamos, de alimentar a imagem dos agentes culturais «como consumidores pouco produtivos de recursos públicos sem público» (Santos Silva, 2007). Ou, ainda, evitando ceder ao discurso, normalmente de quem fala sem conhecimento de causa, do despesismo em recuperação de Património edificado de domínio público, por comparação com um alegado desleixo na recuperação de propriedade edificada privada.
Outro aspecto a considerar nesta temática é o facto de as políticas culturais municipais serem influenciadas e avaliarem-se na sua concepção e acção, de uma forma generalizada, sobretudo por duas características que são muito próprias do poder político autárquico: o consensualismo, isto é a invocação de uma vontade comunitária apresentando a acção camarária como «uma espécie de emanação necessária dessa vontade comunitária» (Santos Silva, 2007); e a formulação das prioridades em escalões, primeiro a infra-estruturação do território, depois a economia, a seguir o apoio social e a educação básica e só depois a cultura e o lazer. Para além destas características, que poderão sempre dificultar a acção política em cultura, outros desafios se colocam e ao decisor importa ultrapassar vários dilemas, como por exemplo: 1. apoiar mais as muitas actividades amadoras ou apoiar mais as poucas estruturas profissionais; 2. privilegiar o investimento em infra-estruturas ou em eventos; 3. gerir directamente os equipamentos municipais ou conceder essa gestão a privados com ou sem fins lucrativos; 4. assegurar as funções de produção ou optar pelo apoio à produção por terceiros; 5. focalizar o sector cultural em si mesmo ou promover a sua articulação com outros sectores, nomeadamente o turismo e/ou a educação. Como afirma ainda Santos Silva, «os dilemas não se resolvem por jogos de soma nula entre os pares de opostos» mas sim pela capacidade de geri-los de forma conjunta e dinâmica, prevendo esse dinamismo uma ancoragem identitária ao valor histórico mas também uma abertura à actualidade.   
Ora, assim sendo, a actuação em termos estratégicos para uma política cultural a nível concelhio só poderá ser substantiva e subsequente se tiver em consideração algumas questões que podem até encontrar-se em territórios que alguns, a meu ver erradamente, querem tão distantes desta temática como o das relações financeiras, vulgo “negócio” ou, mais pomposamente, marketing. Assim, há que equacionar as seguintes variáveis que se tornam consequentemente em desafios à Vereação: diversidade, actualidade, dimensão, continuidade e impacto.
A diversidade é um desafio, na medida em que expõe a acção cultural na sua relação com as procuras sociais locais e debate-se não só com a resiliência do movimento associativo tradicional e a sua importância simbólica, como também com o crescimento de dinâmicas associadas por um lado aos mais jovens, ligados e expostos à cultura de massas, por outro a grupos de média e alta qualificação profissional e académica e que são assumidamente elites que assim tendencialmente desejam permanecer. E por causa da dita prática consensualista – e do seu discurso – a gestão da diversidade é um dos nossos maiores desafios.
O desafio da actualidade está em compatibilizar o eixo da Cultura como celebração da identidade e do modo de ser tradicional, por vezes resistente ainda que dinâmica, com a linha da contemporaneidade dos actores culturais que nela se inscrevem – políticos, profissionais ou artistas – a nível nacional e europeu.
Sair da escala municipal para encontrar no contacto a nível nacional ou europeu uma massa crítica que acrescente valor – seja na construção e gestão de equipamentos, na recuperação de sítios históricos com vista à sua valorização e divulgação, na programação de eventos, na criação artística e na produção – será o desafio para alcançar a dimensão.
A imensa importância da continuidade, talvez de todas as questões a que será financeiramente mais difícil de sustentar-se, a mais exigente quer para os executivos municipais quer para as próprias estruturas culturais, a que exige o maior esforço de todos os actores culturais, será a que necessita, em nosso entender, um trabalho mais atento de todos. A continuidade passa por vários e constantes desafios que passo também a elencar: 1. a gestão e a actividade constante dos equipamentos; 2. a formação duradoura dos públicos e não apenas a multiplicação de acções de sensibilização; 3. a oferta regular a par dos eventos extraordinários; 4. e como afirma Santos Silva (2007), «a contratualização de parcerias activas e de obrigações e benefícios recíprocos entre autoridades públicas e agentes culturais, num horizonte temporal e numa relação de implicação qualitativamente diferentes do mero “apoio” circunstancial».
Por fim o impacto, que pode ter a ver com a obra física, patrimonial, ou também com os valores dos orçamentos e das despesas, ou ainda mesmo com os benefícios eleitorais, por que não assumi-lo já que são um escrutínio democrático por excelência, deverá traduzir-se sobretudo em efeitos sociais duradouros e deverá, questão muito importante, ser avaliado regularmente, como aliás o são os executivos municipais de quatro em quatro anos.
Para terminar quero apenas afirmar o lugar cimeiro das relações: entre os eleitos e os técnicos das autarquias, mas também a influência das diferenças de opinião, e forma de a expressar num discurso ou a evidenciar em atitude, entre poder municipal e meio cultural local, ou entre poder e oposição municipal. São também elas condições para uma melhor concretização, ou impedimento, de uma agenda de intervenções, uma oferta de bens e eventos, ou uma mobilização de criadores e de públicos, todos factores sem os quais não poderá haver uma verdadeira prática política na área da Cultura para a Cidade.