23.3.12

Não estou aqui para ser enxovalhado!

Tenho por hábito frequentar uma rede social, o Facebook. Lugar onde encontrei antigos colegas, onde posso ir sabendo da vida dos meus verdadeiros amigos que estão longe quer fisicamente, quer pelo quotidiano das vidas que nos afastam da amena cavaqueira de dois dedos de conversa trocada com um cafezinho que serve de desculpa. Cruzei-me há dias, precisamente no Facebook, com uma espécie de estudo que anunciava que os assuntos políticos levarão estes utilizadores das redes sociais a apagarem ou bloquearem-se, deixando então de ser amigos, entre aspas, desta espécie de upgrade das chamadas tertúlias. Chamo-lhes tertúlias porque são momentos espontâneos em que em torno de um tema vários entabulam conversa e confrontam pontos de vista. E chamo-lhes upgrade porque são em espaço virtual e acompanham com a sua brevidade o ritmo a que a vida dos dias de hoje nos anda a obrigar a fazer as coisas. Diz o tal estudo de uma consultora que não conheço, e também por isso não qualifico, e que foi divulgado no jornal El Mundo que «75 por cento dos utilizadores das redes sociais diz que os amigos costumam publicar conteúdos políticos, enquanto 37 por cento reconhece que também o faz. Tal significa que as pessoas se fixam mais naquilo que os outros fazem do que na própria atividade política na internet. Além disso, cerca de 22 por cento dos utilizadores diz que evita fazer comentários desta índole por medo que resultem em ofensas» e citei o artigo. O estudo acrescenta ainda que «quanto mais extremista é o indivíduo nas suas convicções, mais se vê surpreendido com aquilo que os seus amigos partilham nas redes sociais» e que «cerca de 18 por cento dos seus utilizadores já eliminou, bloqueou ou apagou um amigo devido às ideias políticas do mesmo». É interessante no que se tornou este tipo de redes sociais, pois se os lugares em que se discutem, entre outras coisas, ideias políticas, são geradores de paixões e emoções que se acendem ao ponto de haver discussões mais ou menos azedas, muitas vezes os assuntos se “personalizam”, no sentido de passar ao ataque pessoal (até porque muitas vezes também isto de ser “amigo do Facebook” não tem nada a ver com amizade), talvez esses lugares não devessem ser assim tão públicos como é um chamado mural do FB. Até porque, mesmo tendo a possibilidade de restringir o acesso ao mural, dificilmente se mantém a comunidade de amigos tão fechada (o que deixaria de ser parte de uma rede social e passaria a ser um clube privado) de forma a que se assistam a discussões mais pessoais que incomodam quem não se quer ver metido nelas, ou acabando quase num tentador voyeurismo a assistir a uma cena íntima para onde nem sequer devia ser chamado. Claro que, nestes casos, se pode fazer aquilo que sempre se disse quando os canais de televisão eram só 2 ou mesmo 4: há um botão para desligar e irmos fazer outra coisa! Muito embora saibamos que, em princípio, a discussão política se fará sempre a esse nível de ideias e opções, e não a nível pessoal, a imaturidade de muitos na utilização da ferramenta digital e de outros na utilização por interesse político ou num exercício da chamada cidadania ativa, feito através de uma plataforma que aparentando ser de descontração e amizade pura será sempre um lugar onde quem não tenha as mesmas intenções venha até dar o seu palpite, expõe e fragiliza quem se sinta constantemente escrutinado pela opinião pública em qualquer passo que dá. A visibilidade, mesmo assumida, não dá direito a que se lhes/nos chamem tudo a pretexto de se discordar das ideias que são defendidas. Aí, como diz o bom povo, só apetece desabafar «Não estou aqui para ser enxovalhado!» e bloquear aquele por quem nos sentimos insultados. Pergunta: é aceitável bloquearmos alguém? Parece-me que sim, pois poderemos sempre, apesar de não ser agradável, em inúmeras situações sociais cortar ou restringir relações desde que as haja. Outra pergunta: é aceitável a palavra agressiva no nosso mural? Parece-me que não no nosso mural, a não ser que a isso se convide ou se provoque, e sobretudo não no mural alheio se não me tiverem pedido a opinião. Ter opiniões não deliberadamente insultuosas é sempre um risco que se corre e podemos, com todo o direito, dar-lhes ou não ouvidos. No nosso mural mandamos nós. Voltando ao tal estudo, e para terminar, o interessante é perceber que tendencialmente, e no que ao assunto político diz respeito, parece valer mais armar a estangeirinha no mural dos outros do que no seu próprio (não vai Maomé à montanha, vai a montanha a Maomé), o que demonstra, conclusão final e em curto-circuito, que se por acaso vierem descompor-te no teu mural é porque és um tipo importante!

13.3.12

Se o velho pudesse e o novo quisesse, nada havia que não se fizesse

Abriu por estes dias o Ano Europeu do Envelhecimento Ativo. Coincidiu, ou fez-se coincidir, com um balanço de notícias de mortes de idosos, em casa, sozinhos, que a Comunicação Social explorou à exaustão, com notícias diárias e que enformaram um número anormal no cômputo total de mortes este Inverno (mais 4 mil do que a média habitual). O frio mais rigoroso, o tempo seco propício à propagação de vírus foram as causas mais apontadas para o fenómeno. Não sei se me chegam estas explicações. Não as contesto, nem as ignoro, mas o meu próprio envelhecimento me leva a refletir e a encontrar uma outra explicação. Aqui há uns anos atrás, numa ida ao cinema em família para ver mais um episódio da saga do herói Indiana Jones, houve um diálogo entre o arqueólogo-aventureiro e um velho professor amigo do seu pai, em que este, olhando uma fotografia de juventude, nostálgico, dizia qualquer coisa como «há uma altura em que a vida nos dá pessoas, filhos, netos, e outra em que começa a tirar-nos as pessoas». Aquela imagem da solidão de um homem, comoveu-me quase tanto como o ar de pânico que o meu filho pôs no dia em que com 4 ou 5 anos me perguntava sobre como tinha nascido o mundo, e se ia acabar, e esse tipo de coisas simples de responder quando estamos em trânsito do jardim-de-infância para casa, e quando percebendo como todos estávamos por cá de passagem, ele me dizia muito aflito que não queria morrer, mas que também não queria ficar cá sozinho sem ninguém conhecido. Julgo que vamos começar a ter a sensação de termos mais mortos porque a população está mesmo a envelhecer e dura mais, este envelhecimento, talvez há uma década, graças aos progressos da Ciência, pelo que há uma espécie de “leva” ou “stock” de prazos de validade que começa a chegar por agora ao mesmo tempo. Aquilo que acontece a um indivíduo, a quem numa determinada altura há mais gente mais velha do que mais nova que o rodeia, acontece a uma comunidade que prolonga a vida, mas não a renova com mais nascimentos. Claro que estas notícias de gente que morre sozinha em casa poderiam confrontar-se com o outro tipo de reportagens em que aos idosos em lares se lhes pergunta insistentemente se não preferiam estar nas suas casinhas do que num lugar em que parece que a companhia não é importante, mas antes o facto de ser uma última morada transitória antes do fim. Nada disto são assuntos fáceis de ouvir e de falar, mas o que é certo é que há cada vez mais programas de ocupação de idosos que se agrupam e que fazem do convívio entre eles momentos cheios de vida e alegria. E também é verdade que, envelhecendo nós de forma mais saudável, natural é que permaneçamos nas nossas casas enquanto o pudermos fazer de forma autónoma e sem precisar que haja quem tome conta de nós. Aquilo que fazemos com um idoso ou idosa é aquilo que todos deveríamos fazer uns com os outros: o convívio, a entreajuda, o civismo que uma educação permite a quem tem oportunidade de a ter. Sem intromissões mas com disponibilidade, respeitando os espaços e os tempos de cada um. E tudo isto será mais fácil se as gerações conviverem entre si. Daí que feliz me parece que este seja também o Ano em que, na velha Europa, se realce a Solidariedade entre Gerações. Sem que o alarme de reportagens sensacionais, que nos mantêm ainda assim a par do que vai acontecendo, sem que nos toldem o rumo de nos dirigirmos para uma sociedade compatível com o novo ritmo da Vida, está nas mãos de todos a prática dessa solidariedade. Entre o que se pode fazer e o que se quer fazer, está mais uma vez nas mãos dos cidadãos e da iniciativa civil começar a construir a mudança. Entre os recursos e medidas dos poderes públicos e das iniciativas particulares à disposição dos cidadãos, e a sua própria formação e consciência, ajeitam-se as pessoas, as famílias, as comunidades e a sociedade a uma nova maneira de encarar a vida que, quase a um ritmo alucinante, nos confronta com inovações e alterações que nos apanham de surpresa. Como diz o provérbio «Se o velho pudesse e o novo quisesse, nada havia que não se fizesse».

6.3.12

E pur si muove…


Vou hoje fazer um parêntesis no que tem sido o rumo das minhas crónicas e não vos vou trazer um provérbio em particular. Vou também ser imodesta, porque apesar de a modéstia ser uma virtude, quando é falsa essa virtude deixa de o ser. E vou ser imodesta relativamente ao prémio que a Sociedade Portuguesa de Autores atribuiu à programação cultural da autarquia de Évora e imodesta na apreciação de algumas reações à atribuição desse prémio. Mas antes quero dizer que este prémio é dos eborenses, porque sendo a autarquia o autor premiado, sem o público que são os munícipes, os cidadãos de Évora, o autor não existiria. E quero agradecer, agora, àqueles muitos que já receberam esse prémio e nos vieram dar os parabéns por ele.

A primeira reação à notícia do prémio para alguns foi de espanto. Como? Porquê? Então Évora está a ser premiada por programação cultural quando há tanta gente que diz que não se passa nada? Então a Câmara está a receber um prémio de cultura quando há agentes culturais que estão ainda à espera que se lhes paguem compromissos de 2009? Então alguns artistas e gente que se diz da cultura fazem manifestações de protesto à porta da Câmara e mesmo assim a Câmara recebe um prémio em que há seguramente artistas envolvidos? Para outros foi de contentamento. Aqui está Évora a mostrar a sua importância ao resto do País! Ora ainda bem que, no meio de tanto desalento, há uma boa notícia! Olha que sermos premiados mesmo com tudo do que nos queixamos é porque há um grande esforço para continuarmos a fazer coisas, e bem. Tão bem, que até fomos premiados!

A candidatura a este prémio, porque há uma candidatura e não basta existirmos e ficarmos à espera que nos venham dar prémios, ainda era desconhecida do público quando foi feita a atribuição do prémio. Disponibilizei-a, enquanto autora do documento, aos vereadores da oposição, que não ma solicitaram, nem emitiram no imediato qualquer apreciação. O normal quando alguém ganha alguma coisa é, no mínimo, dar-lhe os parabéns. Até acontece entre adversários com chamado “fairplay” e quando concorrem para o mesmo prémio. Mas pelos vistos aqui nós concorriamos para que Évora ganhasse um prémio e outros parece que não viram nisso um objetivo interessante. Paciência! Cada um terá os seus motivos. Nós fizemo-lo para Évora, é esse o nosso trabalho enquanto eleitos pelos eborenses.

Sem por isso terem apreciado a candidatura, e que sobre ela pudessem emitir opinião, o que resta? Ou se fica contente por ser uma coisa boa que acontece a alguém – um concelho e quem também tem responsabilidades na sua gestão – ou se fica descontente, seja porque não se acha que é uma coisa boa ou porque não se quer que isso aconteça a esse alguém. Foi assim que interpretei as reações negativas ao prémio, sobretudo aquela que mais me chocou, e que foi o voto contra uma moção de congratulação pelo facto por parte dos deputados comunistas e bloquista, e a abstenção dos deputados do PSD da Assembleia Municipal do premiado Município de Évora.

Houve também quem tivesse achado graça ao prémio, considerando-o uma piada ou fazendo à volta dele piadas, algumas bem engraçadas, diga-se. Talvez até tivessem ganho, se concorressem com candidatura, a um concurso de piadas sobre coisas que correram bem mas de que eles não gostam, e não porque fossem coisas que prejudicassem alguém. Esse é sempre o tipo de sorriso que relaciono ou com a loucura, ou com a tristeza profunda, como a do palhaço pobre que tem pintado na cara um enorme sorriso, mesmo quando a infelicidade lhe passeia na alma. E depois há o sorriso da inveja, da raiva e do ferruncho, mas isso também é um bocadinho louco quando sai da esfera do íntimo e chega à praça pública.

Eu sei que a vida está difícil para muitos, infelizmente cada vez mais. Eu sei que muitos são artistas que trabalham na área da cultura e a quem este tipo de prémio nesta mesma área não traz a comida para o prato na refeição seguinte, mas sei que um reconhecimento nacional poderá sempre atrair para o lugar onde vivem, outros e mais olhares, talvez mais abonados, e que mais tarde possam investir aqui também nesta área. E por muitas responsabilidades nas dificuldades de pagamento que a autarquia, que também dirijo, tem com esses artistas, e com muitos mais outros que não o são, todo o nosso trabalho, inclusive o da candidatura ao prémio, vai no sentido de nesta área da cultura, como nas outras em que trabalhamos, ir encontrando caminhos para que, pensando nas pessoas deste concelho de Évora, permitamos que outros, que também contribuem para o bem-estar dessas pessoas, possam prosseguir o seu trabalho. Não tem sido fácil. Nem para nós nem para os outros. Todos os outros, porque em muitas coisas na vida de um governante ele também é outro: contribuinte, consumidor, com terceiros a cargo.

O que reunimos para a candidatura, e que está disponível a todos os que acederem à página web da Câmara Municipal de Évora, foi fruto do trabalho que diria quase corrente da autarquia durante o ano de 2011 no âmbito da programação de iniciativas culturais que nasceram dentro dos serviços ou foram propostas por outras entidades, e com quem o município se comprometeu em organização conjunta. O trabalho não foi a soma de todas as programações de todos aqueles que constroem o seu próprio programa cultural. Não era esse o objeto da candidatura. E se o tivéssemos feito teria sido injusto, e logo eu seria chamada à atenção por isso mesmo, pois reclamaria para mim e para os serviços que envolvi na nossa programação os louros de outros.

Mas estou muito contente por podermos dar a todas e todos os eborenses este prémio e sei que muitos também ficaram. Chovessem moedas de ouro e ainda ficávamos mais, embora soubéssemos que alguns, talvez mais altos, talvez mais novos, talvez mais fortes, lhe chegassem mais depressa e ficassem com muito, ficando as migalhas para outros. Se calhar, é por isso que o dinheiro não cai do céu…