22.2.22

Os procedimentos

Importa não cairmos na tentação de dizer que “só em Portugal”, porque isso não é verdade nem para o bem, nem para o mal. Há padrões, sim, mas não há, nos regimes equiparáveis, os imaculados e os outros. E isto vem a propósito da repetição das eleições legislativas no círculo eleitoral da Europa. Sobre o assunto, já discorreram muitos comentadores, mais ou menos presos aos Partidos, sendo estes a parte mais interessada no assunto, se não contarmos com os cidadãos eleitores que os escolhem.

Pelos vistos, devia ser comum, em casos de regulação pouco clara, haver “acordos de cavalheiros”. Se a expressão retrógrada se pôde substituir por “procura de consensos”, também está visto que em corridas eleitorais, como no ir ao pote, não há cá conversas nem esforços conjuntos. Até um esforço para definir o tal do bom-senso, que alguns ainda acreditam que, nestes casos, substitui a lei. É que o bom-senso também só faz sentido quando o sentido da retrógrada palavra “cavalheiro” persiste. E é, de certa forma, o mesmo sentido que ajuda a definir Política, a arte do possível: o que é possível fazer melhor, quando não existe uma solução que agrada a todos e assim se evite o menor impacto negativo para o todo. Ficou claro que houve uns “cavalheiros” que, na ânsia do atrapalhar, comprovaram a sua inépcia para governar e o seu bom percurso no arruaçar. Do que nos livrámos…

Ora, como a lei existe para precaver engulhos - e instalados os engulhos que não se ultrapassaram entre as partes interessadas, esperando que sejam as partes realmente preocupadas com mais do que com a sua própria vidinha - aplique-se a lei. Mesmo sendo lei em vigor numa realidade a que não está ainda ajustada. E, no fim, mude-se a lei com todo o cuidado que tal acto implica.

A Democracia também é procedimento, seja num país ou numa instituição, e o procedimento, nestas eleições, mesmo que corrigido, demonstrou que estamos a endireitar. Ou pelo menos a tentar. Evitando-se uma velha tendência que contribui para a voragem contemporânea que nos atordoa: a chamada política do facto consumado, muito mais táctica que estratégica, muito mais de pessoas ditadorazecas do que de Políticos.

Várias lições se podem retirar deste episódio da vida democrática portuguesa. Lições para um país, para um concelho ou para uma instituição. Oxalá se aprenda.

15.2.22

Master Mind e Toca-e-foge

Durante as semanas que correm até à nova Legislatura e ao novo Governo, continuam a interpretar-se resultados e a tentar ler-se nas borras do café o elenco que coadjuvará António Costa, o grande vencedor.

As interpretações dos resultados ganharam contornos de criatividade, transformando-se num exercício em que, os mais atentos perceberão, se começam a estabelecer padrões e se pode adivinhar, sem precisar das ditas borras de café adivinhadoras, que o objectivo é que os eleitores percebam que votaram mal. (Talvez também por isso, muitos percebam que se calhar até votaram muito bem.) E que, faça-se o que se fizer, daqui a quatro anos é para mudar. Imaginem o que para ali vai de figas para que o Governo asneie depressa e muito, ou venha de lá o Diabo… Eu cá só quero que corra tudo bem, porque o que correr bem ao Governo correrá bem ao País, como alguém, e muito bem, já disse.

Por outro lado, também se assiste à reorganização das oposições, na dança que vai da escolha das cadeiras na sala do Parlamento, ao jogo do empurra, para que se cobre depois, a quem deva ficar com a despesa do ataque à extrema-direita. Há, nestes jogos, uma imagem de toca-e-foge muito pouco abonatória das funções de uma oposição. Normalmente, uma oposição critica o que é mal feito, raramente propondo alternativa é certo, insinuando fantasmas aqui e ali, ou até encobrindo vaporosamente as benfeitorias do Governo. Mas isto a que temos assistido com a instalação dos novos grupos parlamentares faz-me temer o pior e quase sentir uma certa nostalgia do ridículo sururu causado pela saia do assessor de Joacine.

Enquanto isto, imagino António Costa a jogar um Master Mind muito sério: perante um alinhamento de princípios e objectivos a seguir e a alcançar, que foram a votos, vai ensaiando, sozinho e concentrado, as várias hipóteses e tentativas de encontrar o peão certo na posição conveniente. Quem não conhece o velhinho Master Mind talvez encontre nos jogos on-line da moda - o Wordle, o Termo ou a Palavra do Dia - o sentido da minha comparação. Experimentem.

8.2.22

“Lixar” a democracia com CH lá dentro

Se a linguagem popular empresta ao verbo “lixar” o gesto negativo de prejudicar, “lixar” é também uma das acções que permitem arredondar arestas e ir dando a uma peça a sua forma desejável. A propósito desta dupla significação, vou falar do Partido que, como um organismo infeccioso, usa como hospedeira a Democracia para a destruir por dentro: o CH.

Não conto perder muito tempo a dar-lhe palco, mas espero que nos diferentes lugares políticos onde há eleitos seus, os outros eleitos estejam atentos. Nas autarquias até foram os próprios a traçar as chamadas “linhas vermelhas” que os distinga do resto, que menosprezam. Há que verificar se cumprem o que prometem, e se não cavalgam ondas que outros lhes oferecem para crescer. Como, por exemplo e a nível nacional, querer debates quinzenais com o Governo só para conseguirem soundbites, disfarçando com a desculpa da fiscalização. Importante é que a fiscalização se faça em comissões parlamentares, as que dão muito trabalho a todos, governo ou oposição, e para as quais os media deviam estar tão atentos como estiveram no caso da chamada comissão do BES.

Sem propostas exequíveis de governação, o que é próprio de proto-vanguardas que se apresentam como a solução para o que está desgastado, os novos Partidos tendem a enredar-se em contradições perante a realidade e a perpetuar chavões que, com mais ou menos nível, são mais iscos do que alimento para massas a conquistar. Felizmente, a maior parte dos eleitores tem vindo a dar o poder de governar a quem se concerta para lidar, democraticamente, com os destinos do País.

Aliás, o poder local vai proporcionando várias montras disso mesmo, e, voltando às autarquias, estas são lugares onde é relativamente fácil, quando se tem interesse e tempo para estar atento, verificar essa discrepância entre as práticas da mesma “cor” nos governos ou nas oposições. O perigo de quem não lida assim com o poder democrático é quando só se propõe para governar a solução que é exactamente pisar os três princípios que, desde finais do século XVIII, acompanham o rumo que se queira de progresso humanista: a liberdade, a solidariedade e a oportunidade. E que não se confundam, quando dá jeito, com rebaldaria, jeitinho e oportunismo, três práticas de que qualquer reunião do CH tem sido bom exemplo.

Que ninguém “se esteja a lixar” para gente desta, agora com mais poder para tentar tramar quem se empenha. Que esteja muito atento quem, a partir das suas diferentes perspectivas ideológicas, trabalha para prosseguir com os princípios e valores humanistas. Os que pensam a prosperidade dos Povos e “alisam”, com boa vontade, as imperfeições da Democracia em Portugal que, no acertar dos tempos, vão surgindo, sempre. Até, por exemplo, por causa de inesperadas pandemias ou colapsos do capitalismo. O “ismo” a que todos já nos encostámos.

 

1.2.22

De lápis atrás da orelha

 Que bom estar de volta às crónicas!

O zelo da DianaFm em suspender as opiniões, marcadamente ideológicas e políticas, em período de pré-campanha e campanha eleitoral, revelou-se tanto mais louvável quanto as televisões, que dominaram todo esse período, foram tudo menos imparciais, sobretudo contra o Governo que se derrubou, feito alvo quer da esquerda, quer da direita. O que já não é uma novidade, diga-se.

Estas eleições foram um capricho de Partidos que nos fizeram viver, agora sim, acima das nossas possibilidades. O Povo percebeu, aparentemente, ou não se teria mobilizado ao ponto da maioria absoluta. Um investimento desnecessário, portanto, nunca um desperdício, entenda-se. Porque nenhuma ferramenta democrática de auscultação deve ser assim considerada. Durante um mês e meio, os Partidos estiveram nas respectivas montras e, dá para nos perguntarmos, se o que ganharam no “negócio” contribuiu para a saúde da Democracia que é exactamente para o que os Partidos servem.

Conhecidos os resultados, seguem-se ainda uns dias, ou semanas, de reacções e impactos. Enquanto isso, os destinos estão assegurados pelas diferentes máquinas do sistema do Estado, entre ministérios que se remodelam, mais ou menos profundamente. Os Portugueses perceberão se o que quiseram se reflectirá nesta reconfiguração e, daqui a quatro anos, avaliarão novamente.

Mas mais importante era que começássemos a perceber o papel dos Media, efectivo quarto poder, quando estes deixam de ser mediadores entre Partidos e eleitores e se transformam em co-construtores dos Partidos. Como o fazem com enredos, cenários, personagens e adereços, diálogos, descrições, apartes, talvez seja uma mais-valia saber ler literatura.

Isto, bem entendido, sou só eu a puxar a brasa a quem já lida com pós-verdades e fake-news onde estas podem existir à vontade. E quando acontecem em objectos estéticos de qualidade, barómetro com medidas de aferição próprias para além do critério do gosto, são muito úteis. Muito mais úteis do que fazer premonições e balancetes com o lápis atrás da orelha, tratando da sua merceariazinha.

Haverá tempo para lidarmos com esta nova, assim o espero, maioria absoluta e com uma direita a engrossar graças aos protestos populistas que estávamos habituados a ouvir noutros extremos.