As épocas que se impõem festivas são um bom exemplo do
que como muito do que é feito em nome de um interesse comum acaba por provocar
tanto adeptos como dissidentes, gerando loas ou críticas, aplausos ou vaias,
empenho ou indiferença. Os consensos são, pois, virtudes que implicam
sacrifícios (como, aliás, tantas outras virtudes que se conquistam com dores de
crescimento) e o mais bonito é quando estes se distribuem por entre as partes. Além
disso, em nome de determinados princípios, os inabaláveis, consensualizar pode
e deve ser, em várias circunstâncias, impossível. Por vezes acontece tropeçarmos
em quem mascara, com a alegação de uma finalidade comum, percursos
completamente enviesados em comportamentos que são só por si reveladores de princípios
bem diferentes. Há até um dito que joga com os sentidos destas palavras e
vaticina que quem não tem bom(s) princípio(s) não tem bom fim…
Do espírito de Natal confesso que só acredito nos que se
declinam no plural, os de Dickens, os três espíritos que visitam o avarento
Scrooge nessa noite mágica. O primeiro é o espírito do Passado que lhe devolve
uma infância dourada e que é, no fundo, o que evocam tantos dos que se reúnem
com aqueles com quem conviveram nesses tempos, sejam familiares ou amigos. O
espírito do Presente alerta para a miséria e para a ignorância, para o que se
faz no colectivo e se reflecte no percurso individual de quem o faz,
chamando-nos à razão para uma vida social a não descurarmos, apesar de haver
nalguns tendências misantrópicas. O do Futuro mostra a Scrooge a solidão, até
como consequência de um Presente que se esquece do Passado, e revela a morte
inevitável. É com a ajuda desses espíritos que ultrapassamos tantas vezes a
pouca vontade de festejar entrando, precisamente, no espírito do Natal, o tal
que será, então, quando um homem quiser.
Além destes, que nos chegam mais exacerbados por esta
época, há outros quatro espíritos que valorizo muito. O espírito crítico, atitude
intelectual que não admite nenhuma asserção sem reconhecer a sua legitimidade.
O espírito de equipa, sentimento de união partilhado pelos elementos de um
grupo. O espírito de finura que Pascal, matemático e filósofo francês do século
XVII, define como uma aptidão intuitiva, uma sagacidade e perspicácia que
abençoam e ocupam alguns. E, finalmente, o espírito geométrico, que só admiro
se for o papel de embrulho que contém os outros três, e que revela a aptidão
discursiva e demonstrativa, num encadeamento lógico das ideias.
Se estes espíritos nos fossem concedidos talvez não
atingíssemos a felicidade plena ao vivê-los em sociedades plurais e
diversificadas, mas se nos rodeássemos de gente bafejada por eles era mais
provável que conseguíssemos transformar alguma coisa nessa sociedade. Seriam
bons presentes no sapatinho, alimentando uma semana depois a esperança de um
novo começo ao passarmos de ano. Não sendo assim, fiquemo-nos por deixar
passar, naturalmente como na vida, o Passado, o Presente e o Futuro, ou seja o
Tempo, e juntemo-nos aos felizes comensais, ainda que às vezes para alguns um
bocadinho contrariados. É só às vezes. E a desculpa não somos nós, mas um
alguém que alguns acreditam andar a tratar de nós. Como a família e os amigos.
Bom Natal, boas festas e até para o ano!