Dez jovens resolveram praticar, e não apenas apregoar, a
solidariedade. Aderiram a uma causa, integraram uma ONG e lançaram-se ao
Mediterrâneo para salvar vidas. Suponho que uma ONG não seja um clube de jovens
de bairro que se reúne num pátio abrigado entre prédios e que cumpra uma série
de regras, legalmente enquadradas, para actuar ao lado de instituições governamentais
que, como todos sabemos, também fazem turnos com o mesmo objectivo naquele
mesmo Mar. Esses jovens cumpriram a missão a que se propuseram e, suponho outra
vez, que não terão andado pelo Mar Mediterrâneo a piratear nem a conviver
alegremente com traficantes de matéria ilícita. Como já aconteceu, em histórias
até passadas ao cinema em que endinheirados jovens aventureiros ocidentais se
metiam em “filmes” pouco recomendáveis em qualquer parte do Mundo e duramente
penalizados nesses cenários exóticos. Eis senão quando, o governo de um dos
países que mais tem visto chegarem até si esses milhares de refugiados, o que
cria sérios problemas de acolhimento a requererem outras acções solidárias ao
mais alto nível, começa a resolver o problema que tem entre mãos da forma que
normalmente ouvimos propor como solução a, por exemplo, frequentes comentadores
das Redes Sociais. Falo dos desabafos ao estilo “deixá-los morrer”, que
“ficassem na terra deles, porque na nossa já temos problemas que cheguem” e
outras exclamações dissonantes de quem talvez até vá a pé a Fátima, ou qualquer
outro santuário. E alguns até, devotamente, montarão o presépio dos refugiados
mais adorados, pelo menos uma vez por ano por alturas do Natal.
O Miguel Duarte foi um desses jovens. Só o conheci, provavelmente como a quase totalidade dos seus conterrâneos, por causa do vídeo no YouTube que circulou nas Redes Sociais, apelando em letras pequenas ao crowdfunding, suponho, mais uma vez, que para despesas com custas judiciais. Não podemos senão indignar-nos perante a ameaça que paira nos desenvolvimentos deste processo levantado por um Estado democrático da mesma União Europeia a que pertencemos (e mesmo isso devia ser só um detalhe), a Itália, a cidadãos que se organizaram para ajudar até iniciativas governamentais. Estranho apenas que a primeira vez que tenha ouvido falar do caso tenha sido através do Messenger. O que falhou entretanto? Ou não houve “entretanto” e o Miguel, como provavelmente ou não os outros nove elementos constituídos arguidos, lançou-se directamente para o YouTube? Será esta a nova forma para contornar burocracias na geração que “vive na nuvem”? A ser, e a par do bom humano instinto de salvar a vida do próximo em perigo, pode tornar-se num perigoso instinto de interacção com as instituições que se confunda e se nivele a outro tipo de iniciativas menos sujeitas a uma imperativa acção político-diplomática, como esta.
O
caminho aparentemente directo das Redes Sociais à Assembleia da República com
bifurcação para o governo parece-me um curto-circuito perigoso e pouco
recomendável. E sinal de que várias coisas, a vários níveis estão a falhar. E
não apenas a eleição democrática dos “Salvinis” deste Mundo, supomos mais uma
última vez, mesmo havendo ardilosas coincidências entre esses eleitores e certos
utilizadores das Redes Sociais.