29.12.15

Futuro

E vamos chegando ao final deste ano de 2015, em que a novidade parece ter sido a palavra que descreve a vida política, a portuguesa e não só já que tivemos as reviravoltas na Grécia e as surpresas na Espanha, e assistimos a lampejos de situações que muitos diziam possível, mas quase só no campo dos desejos que imaginamos, incrédulos.
Estranhámos que vencesse eleições um governo austero e armado em justiceiro cego, que não é o mesmo que ser da família da Justiça que venda – ou devia vendar - os olhos para agir, desconfiando que afinal quem tanto reclamava não se deu ao trabalho de sair de casa para contribuir para alguma mudança. Estranhámos que aqueles que acabaram, nesta legislatura, a representar no Parlamento os outros que saíram de casa e votaram, se combinassem para mudar o rumo político. Tanta novidade que estranhámos promete-nos, em termos políticos, um pouco mais de expectativas para 2016. E depois, também houve quem quisesse ver, ou fazer ver, novidades em coisas que já se faziam há bem mais de um par de anos, mas isso tem só que ver com assuntos da “nossa rua”, locais quero dizer, e a que darão importância os mais atentos e com melhor visão para estas minudências.  
Ao terminarmos este ano em que, na minha maneira de gostar de ver Portugal a construir-se, se lançaram os dados para uma ponderação e moderação de um sistema de governação que amadurece, não posso deixar de alimentar uma esperança que sentia ansiosamente pronta a manifestar-se, mas ainda sem oportunidade. Muito do que temos em nós de otimismo, tantas vezes reprimimos – quase supersticiosamente – com medo que a realidade o roube. E é por isso que alguns tomam cautelas, mesmo quando por princípio sentem confiança no cenário montado mas aguardam com expectativa o desempenho dos atores.
«Crer para ver» escreveu o Vergílio Ferreira, e são estes os verbos que traduzem o meu presente e que projetam no futuro próximo (próximo porque a idade e a condição humana não permitem grandes voos) o meu e o de muitos otimistas.

Um bom 2016 a todas e a todos.

22.12.15

Natal e Amor

«O vocabulário do amor é restrito e repetitivo, porque a sua melhor expressão é o silêncio. Mas é deste silêncio que nasce todo o vocabulário do mundo.» É também assim que Vergílio Ferreira pensa a expressão do Amor, esse conceito que tem alturas do ano nos calendários coletivos ou particulares para se celebrar. E o Natal é a quadra que o mundo ocidental de influência judaico-cristã escolheu para comemorar o Amor (com maiúscula mesmo) e re-atualizar o nascimento de um messias de nome Jesus.
Se me importava aproveitar a crónica de hoje para desejar um bom Natal aos ouvintes e leitores, não deixei de achar estimulante associar aos votos da quadra a reflexão sobre o uso – bom ou mau – das palavras e a valorização do silêncio que Vergílio Ferreira faz, tão mais importante quanto associada a esse universal sentimento. Esta dádiva que é ter o privilégio de que um silêncio signifique tanto para, pelo menos, duas pessoas, que se transforme em símbolo de uma intimidade construída na base do entendimento e da reciprocidade, só pode também ter que ser relacionada com as trocas de presentes que, quais Reis Magos, repetimos por esta altura. E será assim que também passámos a aplicar a máxima do Natal ser quando um Homem quiser.  
Aquilo que damos para agradar aos outros é entendido, mesmo sem palavras, no gesto e no objeto da nossa dádiva, como um mútuo conhecimento e um reconhecimento do que cada um representa para o outro. Sem alardes nem ostentação, é o que tem ou o que pode ser. Um ter e um poder que, mais do que o ruidoso embrulho de papel e laço brilhantes e coloridos, prometem uma entrega que não é vazia mas silenciosa, e recebida assim mesmo. Um silêncio que só será ensurdecedor para os desentendidos. E se os há, aos silêncios, dolorosos, é porque se comunica assim a dor e se recebe resposta de quem a entende. E entender esse silêncio é também uma prova de Amor. É nesta relação das palavras ao silêncio que se joga não só no campo do Amor, mas no da Inteligência e das suas diversas variantes, mas isso é assunto que está para além da quadra, claro!     
Deve ter sido a pensar nesse silêncio pacificador que o padre alemão Joseph Mohr escreveu em 1818 a Stille Nacht uma das canções natalícias mais ouvidas e a que a tradução mais comum para o português interpretou como Noite Feliz.

Desejo-vos a todas e a todos um Feliz Natal! 

15.12.15

Encenações

Já o disse antes, e confirmo-me essa opinião, que os tempos no mundo da Política portuguesa estão em mudança. O que dela resultará é o que interessa aos mais distraídos ou aos que conscientemente se querem ver afastados do quotidiano deste mundo. O que faz quem vive estes momentos, como numa decisão real de decidirmos que caminho tomar numa encruzilhada, é escolher o que se entende ser o melhor para que se chegue a algum lado, numa rede de vontades, possibilidades e disponibilidades. Parece-me que no Mundo em geral, esse a que o bom velho Shakespeare chamou um palco, misturando-lhe a Vida com os atores a entrarem e a saírem de cena a seu tempo e representando os seus papéis, os cidadãos comungam de um juízo apriorístico relativamente aos atores políticos independentemente do texto que sobe à cena. E a honestidade não entra, pela positiva, nesse juízo, o que mais do que levar à procura de culpados para que assim seja, resulta logo num prejuízo para todos. Quanto mais não seja porque leva aos que o são, os honestos portanto, muito mais energias a prová-lo quando poderiam a estar a aplicá-la ao serviço dos outros e não na defesa da sua própria identidade e honra.
Sobre a honestidade e a sua adaptação infeliz quando há entre os indivíduos pouco saudáveis relações de poder (e dinheiro, sim, o dinheirinho que faz girar o Mundo mas também põe tudo de “pernas para o ar”), o Vergílio Ferreira, que dividia muito mais a sociedade em classes pela existência dos indivíduos que a compõem enquanto Homens que são e não pelo que têm, ou seja por valores e não por preços, afirmou: «A honestidade é própria das classes médias. As de baixo não a ignoram, mas não sabem para que serve. As de cima não a ignoram, mas não sabem para que ainda serve.»
Mas voltemos à metáfora shakespeariana e pensemos em aplicá-la ao mundo da atualidade política. Eu deixo a ideia e os meus caros ouvintes e leitores farão o exercício de a pensar e aplicar ao que lhes interesse, se estiverem para aí virados. Como num palco, também aqui se adaptam os textos definidos e decididos por quem encena, de acordo com quem escolheu ou podia ter escolhido para tal, e o levará ao público que são, também esses mas, todos os outros. E aqui, nestes momentos iniciais, projeta-se a encenação, preparam-se os atores, ensaiam-se todas as artes e técnicas, naturalmente e como tem de ser no recato sem espectadores, para se proporcionar a esses mesmos espectadores, que são a razão de ser de tudo aquilo, algo de útil… até mesmo a felicidade de cada um.
Nos ensaios haverá muitas situações que o espectador desconhece e que apenas dizem respeito a quem lá está, a trabalhar antes que o pano suba e se prepare o que interessa, o resultado final. É para estes bastidores que alguns tentam espreitar para conhecer o making of e essa impossibilidade gera a especulação. Se as há, a esse tipo de especulação, que criam expectativas que nos fazem ser melhores espectadores, também as há que estão mais interessadas em desviar as atenções e tirar antes mesmo da estreia o valor àqueles que como os espectadores pagaram bilhete para assistir e julgar, com argumentos, se é bom ou mau ou assim-assim e se há ou haverá quem faça ou faria melhor para o deixar satisfeito.
Ora são muitas vezes esse tipo de especulações com agenda própria que levam a que bons textos, com determinados encenadores, atores e técnicos acabem com salas vazias e outros, não forçosamente melhores, sejam sucessos de bilheteira. Mas é quando “chega uma companhia nova à cidade” que temos a oportunidade de, sem pré-conceitos, ajuizar do seu valor e, já agora, arrumar onde têm de ser arrumados os paparazzi com ambições de fazedores de opinião, o que não é a mesma coisa que ser um comentador.

8.12.15

O Riso

Muito se riu na Assembleia da República no final da semana passada. Eu que mais uma vez fui de encarregada de educação levar uns jovens à Comic Con Portugal, na Exponor, quase achei que os astros se tinham conjugado com os diferentes calendários levando a que vários grupos societais, como agora se diz, ficassem “apanhados do clima”, que é como se diz há muito tempo. Falo do calendário do firmamento, do da cultura Pop e do do Parlamento.
Até me podia parecer saudável esta nova dimensão de tratar a Política e que não é exclusiva dos Políticos eleitos pelos Cidadãos. Ou então estaria a entrar em contradição comigo mesma, já que faço um esforço para matizar com “proto-larachas” esta e outras crónicas que fiz e farei. A moda de pôr o Povo bem disposto a propósito de coisas muito sérias é velha e teve mestres, do qual Gil Vicente é exemplo maior e conhecido. Mas nos dias corriqueiros de hoje, a função do que se quer hilariante vai desde os comentadores espirituosos da Rádio e da TV que a rir, ou para fazer rir, lá vão dizendo das suas, acertando daqui e dali. O que pode ser útil para manter o cidadão comum desperto mas só muito remotamente contribuir para que, neste campo, exerça melhor o seu direito de eleitor. E vai também até às notícias que recorrem a um estilo estranho e utilizam-no sobretudo nas parangonas mais ou menos discretas, e sim falo nesse aparentemente novo politicamente correto modo de se chamar as coisas por uns nomes, como se “chamar os bois pelos nomes” fosse outra coisa mais do que falar claro e sem subterfúgios. Se não fosse trágico para a profissão dos comunicadores até seria cómico.

Mas ainda mais me convenci do alinhamento astral quando me dei conta das novas metáforas usadas pela galhofeira oposição ao novo governo, recorrendo precisamente à linguagem em siglas próprias e pops das redes sociais em voga. Do BFF ao LOL os deputados estão no bom caminho para entrar no mainstream da linguagem cibernauta e estarem como peixinhos nas águas mais doces e fáceis da cultura pop. É um bradar dos céus (eu sei que é “aos céus” mas como as expressões vêm da nuvem informática, apeteceu-me dizer assim), o que revela bem o nível a que se chegou em matéria de já toda a gente dizer tudo em qualquer lugar, indistintamente. Enfim, o “meu” Vergílio Ferreira tinha, na minha opinião, toda a razão quando dizia a este propósito e destes propósitos: «Rimos francamente, se a piada vem de um tipo do nosso nível. Rimos com deferência, se de um nível superior. E só por condescendência sorrimos, se vem de um tipo de nível inferior. É que o riso é uma concessão e nós somos muito ciosos da nossa importância.»

1.12.15

Saber ler

E pronto, lá temos um governo que se atirou à sua tarefa num ambiente de pioneirismo que acorda esperanças, mas também receios, como qualquer estreia. A novidade política deste 21º Governo de Portugal assume-se, atrevo-me a dizer, como uma espécie de Democracia 2.0. Ou seja, e para me fazer entender pelos menos habituados à linguagem da informática e tecnologias, uma versão actualizada do que tínhamos antes.
Avaliados todos os requisitos legais fundamentais para que tudo isto não descambe para outra coisa que não seja a “boa da Democracia”, que até nos países que ainda são reinos também se instalou, lá se atreveu o Presidente da República a seguir as regras e fazer, mais ou menos contrariado sabe-se lá porquê, o que tinha de fazer. E ao contrário do que acontece quando se seguem as rotinas e que, muitas vezes por inércia, vamos aceitando como “normal”, este momento político é em si-mesmo um momento fracturante. É-o até por exigir que se esteja um pouco mais atento aos palcos da política, talvez resultando, oxalá, numa participação mais expressiva, porque esclarecida, dos eleitores quando tocar a ir às urnas.
Mas não podemos menosprezar o papel dos meios de comunicação social, sobretudo os amadores, e falo das redes sociais, que replicam tantas vezes irreflectidamente a opinião dos, em princípio, profissionais. Não haverá uma democracia sem informação dos cidadãos e, como tal, são aqueles que tratam dessa parte da vida política também actores principais do sistema. Com direito às leituras pessoais num espaço claramente identificado como de opinião, há que não confundir entre o facto e o que se constrói em torno dele. E se de opiniões vamos tendo para todos os gostos e ocasiões, os factos são o que mais difícil, em meu entender, é de transmitir pelos órgãos de comunicação.
Nos dias que correm, e já há muito, não é de agora, não é raro assistirmos e se estivermos atentos, só um bocadinho, como um mesmo indivíduo pode, contraditoriamente, citar uma fonte vociferando de espanto e indignação, para uns dias depois aceitar a dúvida levantada por essa mesma fonte, com o argumento de que onde há fumo há fogo. Ora, se partirmos de um princípio em que, não promovendo a desconfiança mas aconselhando um cepticismo razoável (sempre o instável razoável!) seria prudente fazermos sempre que necessário várias perguntas antes de darmos a nossa própria resposta a uma questão. Poderemos assim ser sempre melhores leitores do que se passa no mundo e à nossa volta.

O Vergílio Ferreira às vezes, muitas, irritava-se com os Portugueses, alguns Portugueses digo eu, tal como outros prosadores e poetas, como o Eça ou até o Camões que põe um ponto final às aventuras dos bravos Lusíadas com a palavra “inveja” (e isto tem de significar qualquer coisa, não está ali só para rimar!). E Vergílio escreveu um dia que nós, os Portugueses, "Somos um povo de analfabetos. Destes há alguns que não sabem ler." Longe de poder parecer um desabafo elitista, o pensador português sabia que nem todos os que têm a oportunidade de aprender, aprendem. O que é uma pena, mas enfim, cada um sabe de si…