4.6.13

COMENTAR II

Sempre ouvi dizer que o poder tem horror ao vazio. Parece que é das leis da Natureza, também. Ora há quem exerça o seu poder comentando e, por isso, na ausência de factos ou dados mais seguros não se coíbem de continuar a comentar e a comentar sem fim. Quando o facto ou a informação chegam, “descoincidindo” com o comentário, por vezes parece não haver outra solução se não “engolir” o que antes se disse. Ou então persistir numa espécie de exercício de obstinação. A obstinação, diz-nos o dicionário, é a afeição excessiva às próprias convicções, ideias ou pensamentos. Os obstinados dizem-se, muitas vezes, coerentes e gente de caráter forte…

Já os que “engolem” o que comentaram avant la lettre ficarão, em princípio, numa situação embaraçosa mas que, em meu entender, lhes permite crescer na sua própria vida de comentadores. Não conheço muitos assim. Os comentadores de intenções proféticas têm por vezes grande influência em destinos de pessoas ou instituições cuja ação, que acham previsível, comentam. Pena é que quando esses destinos, também por essa sua influência, dão para o torto se façam de esquecidos. Conheço mais destes. Aqueles que comentavam que a mudança de governo nas últimas eleições ia ser benéfica, por exemplo. É, estamos todos muito melhor agora!

Mas voltemos aos que se reconhecem como precipitados nas suas análises, como aqueles amigos que, vendo um dos seus martirizado ou martirizada por um amor que não parece merecer, vão aconselhando vivamente o afastamento ou a separação e depois lá se veem no casamentos, em sucessivos batizados e outras comemorações familiares, a festejar a felicidade inesperada.

Esta é aquela atitude de quem não querendo prejudicar ninguém é a de quem comenta e, errando, não lhes caiem os parentes na lama, nem deixam de ser ouvidos. Sendo certo que não há uma segunda oportunidade para se causar uma boa impressão, máxima que se deve aplicar sem exceção aos comentadores, também me parece acertado que uma pessoa não se mede pelas vezes que cai, mas pela elegância com que se levanta.