31.5.12

Não se pode julgar um livro pela capa

Como na semana passada me “estiquei” no tamanho da minha crónica, desta vez prometo ser breve e inseri-la no evento que conseguimos, CME e Livreiros, ainda este ano levar a cabo em Évora: a Feira do Livro.

Este certame tem em Portugal um público muito especial e muito, digamos assim, elitista. Porque de facto os consumidores de livros são uma minoria dos portugueses e, desta forma, organizar insistentemente feiras do livro é uma espécie de tentativa para que a aquisição e a leitura de livros passe a ser, pelo gosto e pelo hábito, uma atividade mais de todos. 

Ao contrário das duas grandes feiras do livro em Portugal – em Lisboa e no Porto – aqui em Évora, e provavelmente noutros concelhos do país, as feiras têm um orçamento exclusivamente municipal. Desde o aluguer da tendinha à programação da animação, desde que entrei para cá de vereadora em altura de penúria, temos “feito oitos com pernas de nove” para continuar a realizá-la.

Todos sabemos, ou pelo menos imaginamos, que o negócio de um qualquer livreiro seja muito mais feito pelo amor ao livro, à leitura e aos leitores do que propriamente para enriquecer. Daí que algumas das livrarias da cidade comercializem outro tipo de produtos que ajudem a equilibrar o pouco que “dá” esse amor ao livro de pura leitura por prazer. Também por isso, e ao contrário das outras feiras das capitais, os livreiros não pagam nada para que, durante aquele tempo que dura a feira, tenham a sua montra e o seu balcão na praça mais concorrida do Concelho. Não pagam nada que é como quem diz… têm um trabalho danado que, se calhar, lhes custa os olhos da cara, lhes tira horas de sono e como está na moda laranja, mas de casca pouco fina, dizer-se, lhes sai do lombo.

E é por isso que a única maneira de irmos levando estes esforços adiante tem sido fazê-lo em conjunto, o que em abono da verdade só descobri depois da primeira que organizei enquanto vereadora, dando ouvido a outra parte, se calhar a minoritária, que via numa outra localização da Feira do Livro uma mais-valia. Serão aqueles, os muito bons leitores e eventualmente tão bons compradores de livros que, se calhar nem precisam de Feiras para nada. Que eu sou uma leitora dessas, é verdade. Que alguns dos livreiros viam outros locais que não a Praça com bons olhos também é verdade. Que eu também gostava de deslocalizar a Feira e levar leitores e compradores de livros a outros largos ou ao jardim público também continua a ser verdade. Não digo que nunca que não apoiarei outro modelo, outra versão, mas terá sempre de ter uma muito maior participação e empenho dos envolvidos e interessados, sendo os munícipes uma grande parte interessada. E estando consciente que jamais agradarei a todos, é com todos que trabalharei para manter este evento de promoção do livro e da leitura e, já agora, do comércio do livro. O que o caro ouvinte pode fazer por isso? Ir à Feira, pegar nos livros, abri-los, ler excertos, contracapas e badanas, e falar com os livreiros sobre eles, porque como diz o provérbio «não se pode julgar um livro só pela capa».

23.5.12

A açorda faz a velha nova e a nova gorda

Hoje vou responder a um texto de outro cronista que esta nossa Rádio Diana tem a gentileza de colocar no ar, dando-nos a cada um de nós um tempo de antena com que semanalmente entramos pelas vidas dos ouvintes que fizerem a também vossa gentileza de nos escutar.
Bem sei que o colega é um cronista 3 ou 4G, isto é, de uma geração de comunicadores que consegue fazer pela sua vida de cronista e requentar a sua crónica em mais do que um suporte de comunicação social e eu me fico, por opção entenda-se, o que não é uma queixa, pela Diana e pelos meus meios de comunicação pessoal e não social, como os muito meus blogue e perfil de Facebook. O que também não é de admirar porque o colega cronista é representante de um Partido político que é especialista e fértil a colar cartazes em várias paredes. Pois onde eu vi este comício, perdão este texto, foi até em jornal semanal da terra de distribuição gratuita, ainda que estranhamente em formato muito mais de notícia do que de crónica, mas isto também é opção legítima do jornal, opção que estou obvia e sinceramente longe de criticar. Aliás, para os mais atentos às notícias, aqueles que fazem clipping e não jogging como ouvi dizer com piada a um deputado do tal partido que gosta de colar cartazes, mesmo não fazendo clipping regularmente, é mais do que evidente como o executivo municipal de Évora está longe de ter lugar cativo em qualquer imprensa escrita da região; infelizmente até com prejuízo da informação e comunicação ao público, que poderia disfrutar do excelente trabalho feito pela autarquia, pelos seus técnicos e funcionários empenhados, em detrimento da crítica negativa que, essa sim, é veloz como o vento. Mas isto deve ter a ver com uma certa propensão do Partido pelo qual me candidatei em não tomar de assalto órgãos de comunicação social. É que no poder ou na oposição nunca vi Partido tão alvo de tanta notícia facciosa (às vezes nem é preciso a notícia, bastam os títulos) como o Partido Socialista. Mas isto a mim até me descansaria enquanto cidadã sem militância, porque seria sinal que, não sendo os socialistas enquanto pessoas nem melhores nem piores do que os comuns mortais, têm pelo menos a decência de não ter por hábito comprar imprensa. Mas adiante.

A crónica tinha a ver com açordas. Como eu nunca gostei daquele número de palhaços em que voam tartes de uns contra outros, acho que nesta “troca de açordas” me vou mesmo ficar pelo número de hoje. Claro que eu percebo que estando eu no Poder e o cronista na Oposição, eu seja um alvo fácil – grande e larga que sou, para usar com o adjetivo” larga” um eufemismo que é liberdade poética, ou melhor prosaica! É que o que faço no Poder terá repercussões diretas, mais cedo ou mais tarde, na vida das populações, e muito do que faço às vezes é acrescido do difícil caminho que é feito pelo constante trabalho de Oposição que encontro em muitos lugares de remuneração pública e não em quem assume o cargo de opositor político legitimado. Não contesto em nada o trabalho dos eleitos pela Oposição, entenda-se, só lamento muitas vezes a efabulação de propostas ou o populismo de soluções que, também mais cedo ou mais tarde, se repercutiriam, caso implementadas, na vida das populações, se é que muitas delas não reverteriam apenas para uma “clique” de adeptos, dando eu desde já o benefício da dúvida.

Mas voltemos à açorda e à crónica que contesta o facto de ter eu dado a volta a meio mundo para falar dela, o que levantou no cronista oportunidade de fazer brincadeira jocosa e irónica quanto ao que eu disse lá na Coreia do Sul e que ele não ouviu.

É que, a convite da organização do Congresso da Associação Internacional das Cidades Educadoras, lá viajei quase 24 horas para lá e outras tantas para cá, única despesa paga pela Câmara Municipal já que estadia e inscrição foram oferta, por ser vereadora, levando a representantes de várias cidades do mundo inteiro o Projeto Educativo do Património de Évora. Há dois anos atrás, o congresso equivalente, realizou-se na América do Sul e o tema tinha a ver com Desporto. Tendo eu acabado de chegar ao executivo municipal, não tendo os técnicos mostrado particular interesse em propor uma comunicação e não havendo promoções, isenções nem outras simplificações orçamentais, foi opção a Câmara de Évora não ir. Este ano foi diferente, já que até ganhámos o lugar por eleição, neste mandato, na Comissão de Coordenação da Rede Portuguesa das Cidades Educadoras. E sim, é grande o empenho do executivo em fazer acontecer um conceito que herdámos, só mesmo enquanto conceito.

A açorda foi metáfora não de sustento mas de sobrevivência, que é o que Portugal e os Portugueses têm estado a tentar fazer ultimamente, e que os alentejanos já conhecem desde tempos imemoriais. A açorda, na sua base, não distingue classes sociais, e tanto vai à mesa do pobre que lança mão ao que a terra lhe dá para comer, como à do rico que a enfeita de cores e sabores e se delicia, porque a açorda é mesmo deliciosa. Essa criatividade alentejana que está na alma boa daqueles com quem convivo há mais de 22 anos e que importa que ninguém desconheça e que os meus filhos, alentejanos, aprendam.

O tema do Congresso, como bem leu o cronista, falava de educação criativa sim, e foi também de forma programática ao encontro dos Objetivos da Década da ONU no que respeita à Educação para o Desenvolvimento Sustentável. A açorda foi o tema que Évora levou para falar de um todo – o seu Projeto Educativo em construção – e de várias partes, que são algumas das iniciativas que se desenvolvem em torno do que a terra nos dá e os alentejanos, na sua tradição, conservam, acrescentam e transmitem. A açorda em forma de metáfora foi inclusivé dada a conhecer ao Conselho Municipal de Educação que sugeriu com graça que, não podendo nós irmos em comitiva como foram outros municípios, como por exemplo Almada, levasse os ingredientes para uma espécie de showcooking. E confesso que teria sido um acepipe para os congressistas ocidentais, ou pelo menos os portugueses, que durante os quatro dias de congresso se contorceram com os sabores coreanos, prevendo que na extensão de curtas férias que alguns aproveitaram para fazer já que tinham ido até tão longe, não se livrassem de a alternativa às refeições ser num Mac Donald’s. Eu cá, como só fiquei nos dias em que o governo coreano me deu abrigo, comi assim que cheguei um cozidinho que me soube melhor do que nunca.

Mas voltemos à açorda, que incomoda tanto quem reclama para a sua organização partidária, que esteve no poder 27 anos, a integração do Concelho na rede das Cidades Educadoras. Deste assunto até já vos falei aqui, há um ano atrás. Como diz o provérbio português, «a açorda faz a velha nova e a nova gorda». Eu, nova, só no cargo de vereadora, já a integração na Rede das Cidades Educadoras, como realça o cronista, é do século passado e, por isso, velha de 12 anos. Se o cronista julga que aderir a esta Rede é assumir que já se é uma Cidade Educadora é porque não lhe explicaram bem como ela funciona. Na Rede das Cidades Educadoras não basta querermos ser, temos que o trabalhar em áreas muito diversas para o sermos, além de que as Cidades se constroem enquanto Educadoras também naquilo que os eleitos pela maioria dos seus munícipes definem como estratégias. Em Évora, na Câmara Municipal, há no presente técnicos afetos ao cuidar desta atenção, um deles até usando horas do seu trabalho enquanto funcionário para a sua formação académica nesta mesma área.

Os frutos deste investimento não se colherão amanhã, mas julgo que insistindo, estrategicamente, em várias áreas de que não vos cansarei agora em elencar, a Cidade será educadora quando todos souberem que, para além dos que elegeram assim a desejarem, se for construindo com todos os cidadãos. E agradeço ao cronista ter dado a conhecer a mais alguns esse facto. Quanto à sugestão de fazer desdobráveis para as caixas do correio, isso de distribuir panfletos e colar cartazes é verdade que também pode ser educativo. Mas já agora, pode ir-se dizendo aos jovens munícipes de uma jota bem conhecida que papeleiras de rua e caixas de eletricidade pública já não são lugares de afixação de anúncios, pois a democracia permitiu-nos conquistar também esse espaço próprio. Bem como as paredes pinchadas que enfim… São velhas técnicas que não convém que engordem antes que, educadamente, se remoçem!

16.5.12

Conversa puxa conversa

O escritor moçambicano Mia Couto esteve em Évora na semana passada. Foi uma visita um pouco inesperada, apesar de se saber que o Autor está em Portugal para promover o seu último romance «A Confissão da leoa». Sabe-o uma elite de amantes da literatura, claro, já que nem todos, mesmo gostando de ler, têm de ser adeptos quer de ficção, quer mesmo deste Autor em particular. Não poderão é queixar-se de que ninguém os dá a conhecer.
A sessão que aconteceu na cidade graças à Biblioteca Pública foi divulgada pelos habituais meios e a sala encheu-se até se esgotarem os lugares sentados. Tive o privilégio de desbloquear a conversa, que é o que chamo a esta espécie de apresentação que tem dois constrangimentos: primeiro, quem lá vai é porque conhece o autor e, como tal, não precisa que lhe desfiem biografias que estão disponíveis em qualquer badana de um livro seu; segundo, se o livro de que se fala ainda está por ler, ninguém quer retirar ou ver-se privado do prazer que é ler pela primeira vez um texto de um autor de que se gosta.  
Há muito tempo que não me via neste contacto com os livros e nesta atividade da promoção da leitura que tem sido a minha, até entrar para o mundo da política, e foi por isso sobretudo um prazer. A novidade foi o facto de conhecer muito mais gente agora do que há dois anos e meio atrás e saber que também, em princípio, essas pessoas gostam de ler, de livros e do Mia Couto. E como eu gostei de rever os meus amigos dos livros e de ver como se sentiram à vontade para fazer perguntas, dar opiniões e lançar desafios ao autor.
O autor também foi como eu esperava que fosse, até porque não tendo sido a primeira vez que o vi e ouvi ao vivo (a primeira foi quando ganhou em 1999 o prémio Vergilio Ferreira atribuído pela Universidade de Évora) o tempo e a fama poderiam tê-lo modificado. Mas não, e ainda bem, porque como ele próprio me disse em jeito de agradecimento por eu ter lido dois excertos do romance, quando o autor se vê mais importante que a sua obra algo está profundamente errado.
O que de facto me surpreendeu neste encontro com o autor, que era ao mesmo tempo um lançamento de livro, foi uma certa timidez do público que, tendo acorrido em tão grande número, parece ter ido mesmo mais para ouvir do que para matar alguma curiosidade mais pessoal. Tê-lo-ão feito, se calhar, enquanto davam o seu exemplar a assinar já na sessão de autógrafos…
E esta minha constatação deu-me o mote para incluir no rol de perguntas que normalmente tenho para fazer, não em público mas em voz baixa, aos autores, e que é sobre os diferentes comportamentos dos seus leitores em diversas lugares ou circunstancias. Eu cá se fosse escritora acho que isso diria muito não só dos meus leitores como dos meus livros… Se calhar penso nisto agora, habituada a que estou já ao constante escrutínio a que, a propósito de qualquer coisa que diga ou faça, estou sujeita. Mas também acho que, tal como um autor se mantém fiel ao seu próprio estilo e aos seus leitores, há que ouvir as vozes e ignorar os ruídos ou, no caso do Mia Couto, o quase silencio daquela pequena multidão de fãs que continuou a deixar nas mãos do “seu” autor todas as despesas da sessão, continuando ali naquele encontro com os leitores a tarefa de comandar o rumo da história. É que foi mesmo interessante, nos momentos de diálogo, ver como “a conversa puxa conversa” e se dizem coisas divertidas, sérias, sentidas e inéditas. Fico muito contente quando a pessoa-autor corresponde à qualidade dos seus escritos e, daquela noite na Biblioteca Pública de Évora acho que ninguém poderá dizer o contrário.

8.5.12

Quem compra barato, compra duas vezes

Diz o provérbio popular que “quem compra barato, compra duas vezes”. Quando tudo agora gira à volta do dinheiro ou como dizia, com graça, um conhecido meu que “no princípio era o verbo e agora é a verba”, a cena do “assalto ao Pingo Doce” no dia em que me parecia que tudo fechava menos aquilo que era indispensável à sobrevivência humana, bem como o facto de ter viajado na semana passada, deu-me que pensar nisto do consumismo e da nossa humana e total dependência do ato de comprar.

Começo precisamente pela forma como o turismo e os turistas, com quem me cruzei em viagem de trabalho, estão tão mais sintonizados no consumo do que na fruição do que é novo e diferente num país estrangeiro. Faz parte de qualquer ponto turístico urbano que assim se assuma no mapa, um conjunto de lojas que, para além do produto local, são lojas de cadeias internacionais. Pululam por todo o lado e enchem-se também de turistas que comparam modelos e preços. O prazer completa-se com o consumo, mesmo quando o objetivo, aparentemente, não é comprar mas conhecer, ou pelo menos contactar com culturas e costumes diferentes ou, pelo contrário, descobrir no outro o que há de comum connosco. E também os freeshops são, por isso, um negócio que parecendo sempre bom para o consumidor, funcionam como uma espécie de íman para quem pretendendo consumir produtos mais supérfluos o faz querendo ficar de consciência menos pesada. Quero com isto dizer que, seja com leite, pão e carne ou perfume, cosméticos e whisky, procurar o mais barato, ou a melhor relação qualidade/preço é próprio de quem sabe que o dinheiro não nasce das árvores.

O fenómeno do açambarcamento a que assistimos na semana passada, para além do ato simbólico e ideológico de ter acontecido no 1º de Maio, podia ter acontecido, a meu ver, quer estivéssemos ou não, cidadãos portugueses, neste tempo de sufoco financeiro. Os saldos até eram, quando estudei francês, uma unidade temática e foi sobre eles que elaborei uma vez um discurso numa prova oral. Para já não falar do chique que era (não sei se ainda é…) apanhar um avião e ir aos saldos a Paris ou a Londres.

Mais do que o comportamento das pessoas em hordas foi a sua relação com a crise que fez correr tinta e opiniões nos meios de comunicação social, para quem estes incidentes, mesmo na vida banal, se tornam naturalmente notícia, contribuindo tantas vezes para que o incidente ou o incomum se transforme mais nisso mesmo. Quando as primeiras notícias sobre os descontos do 1º de maio começaram a sair é óbvio que me deu logo vontade de ir aproveitar para comprar aquilo que, sem data limite de validade curta, faz com que as contas que pago no supermercado rapidamente cheguem aos cem e mais euros. Não o fiz convicta de que quando lá chegasse o que eu queria já não haveria, espécie de desculpa para quem é cada vez mais alérgica a compras, no supermercado, nas feiras ou nas boutiques. O que é certo é que, mais do que antes deste dia e se calhar enquanto me lembrar dele, quando procuro hoje determinado produto na prateleira, mais atenção faço aos que estando em promoção são a minha ocasião para fazer melhor negócio.

Que o fenómeno da procura do melhor negócio se agrave em alturas de crise parece-me também um efeito natural e quem sabe o que é passar necessidades e transmitiu esse testemunho à geração seguinte será tendencialmente alguém que açambarca, mais para prevenir do que para consumir. Não será preciso uma pessoa ser forçosamente cigarra ou formiga, mas perceber que uma dispensa se vai gerindo e não é comprando por atacado o barato que é inútil que significa poupar e prevenir; mas que aproveitando a ocasião (como também se chamam os negócios das reduções de preços) conhecendo os produtos e o funcionamento do mercado, para além da demagogia da propaganda comercial (e por isso é que já há lições de educação para o consumo) pode-se comprar o dobro com o mesmo dinheiro. Na ida ao supermercado, como noutras idas (ao banco, à universidade ou às urnas) a consciência do cidadão ficará sempre mais elucidada se conseguir obter toda a informação e formação e se souber que a sua escolha, apesar dos imponderáveis que a vida traz, determina um rumo. Será então aquilo a que chamaremos a escolha consciente e que um dia, deixem-me ser utópica, desejo ver em hordas de cidadãos. 

3.5.12

Maio é o mês em que canta o cuco

Hoje 1º de Maio, Dia do Trabalhador, falo-vos da minha relação com os sindicatos, estruturas que respeito mais pelo seu valor histórico do que por aquilo em que se foram tornando nos anos mais recentes. Faço-o com algum conhecimento de causa, não só porque o meu pai, que morreu cedo e por isso a trabalhar, era advogado em sindicatos ligados a uma central sindical – a UGT, e por isso por vezes chegavam à minha vida relatos de situações laborais que me confrontavam com a injustiça, como eu própria fui dirigente sindical de um sindicato afeto à Fenprof, aqui defendendo ativamente os direitos da classe profissional a que pertenço. E desta minha experiência, com o que sobre ela elaboro hoje a minha opinião, posso-vos dizer que quando deparei um pouco ao acaso com um provérbio sobre o mês que começa achei logo que estava tudo ligado. Diz o provérbio que «Maio é o mês em que canta o cuco» e já vos digo onde encontrei eu a ligação.

 

Das histórias que ouvi contar ao meu pai, a que mais me tocou não dizia respeito à relação laborar patrão-operário, muito embora as situações pouco sãs destas fossem também recorrentes. Recordo-me do drama vivido por um trabalhador da indústria têxtil a quem os colegas de trabalho martirizavam num bullying constante, escondendo-lhe peças de tecido na sua mala para que fosse acusado de roubo. E eu, com a cabeça cheia dos dramas narrados pelo escritor francês Émile Zola que transportava para a literatura a miséria da era industrial do século XIX, imaginava o dia-a-dia atormentado daquele trabalhador a quem o sindicato parecia ser o único a dar ouvidos. Aquilo era o meu caso real, mais próximo, do que falavam os filmes sobre as lutas de Chicago, cidade onde em 1886 se reuniram milhares de pessoas no primeiro 1º de Maio do Mundo, numa manifestação que tinha como finalidade reivindicar a redução da jornada de trabalho para 8 horas diárias, tendo início, também nesse mesmo dia, uma greve geral nos EUA.

Quando entrei como assistente-estagiária para o mundo laboral fiz-me então sócia de um sindicato, onde fui até muito ativa, chocada com o que, sendo considerada uma carreira de elite dentro da carreira docente, considerava-a (e considero) uma carreira precária, já que a entrada num quadro estável apenas se faz praticamente no final, depois de provas académicas e científicas ultrapassadas, e dependendo de vagas que podem nunca vir a abrir. Confesso que, face a outras precariedades e, sobretudo, face à inércia que se cola a muitos que conquistam cedo a estabilidade, ultrapassei a questão, que fui deixando mais abaixo nos rankings das minhas preocupações com a vida. Mas dessa passagem pela vida ativa de um sindicato várias coisas me foram desiludindo: a profissionalização de sindicalistas que se afastavam a olhos vistos da realidade da classe dos professores; o peso administrativo dentro do sindicato, que muitas vezes era resultado daqueles se tornarem quase sucursais de seguradoras com diferentes serviços de mutualismo e benesses sociais; bem como o conforto em que facilmente se instalavam quando mesmo não concordando, por exemplo, com muitos aspetos da formação contínua, rapidamente se transformaram eles próprios em centros desse tipo de formação. Claro que só a distância no tempo me dá agora esta perspetiva mais crítica e poder-me-ão sempre acusar de naquela altura ter sabido aproveitar a situação, mas a verdade é que envelhecer tem também esta particularidade de irmos ganhando mais consciência de algumas coisas da vida.

Para terminar, devo dizer-vos que quando assisto desde há uma década pouco mais ou menos, aos discursos quase a roçar o extorsionário de certos sindicalistas, estes me fazem lembrar a história do cuco; não pelo que este faz com as crias, pois em vez de construir ninho, deposita os seus ovos nos ninhos de outras aves que ficam com a tarefa de cuidar do jovem cuco até este ser independente, mas porque parecem sempre desejar ser esta espécie de hospedeiros que se apressam a ficar com os ovos dos outros, que atraem para o seu ninho, para poderem prolongar esse choco e dele receberem não só o seu sustento, mas os louros de por eles fazerem tudo. Não serão todos assim, não, mas que os há, há e é importante que, conscientes destes riscos, para mim são-no, quem continue a acreditar na necessidade de representar grupos profissionais e defender os seus direitos, num trabalho político e cívico inquestionável e importante, deva continuar ou começar a fazê-lo de forma a que essas estruturas não caiam num autismo que muitas vezes impede a solução equilibrada e moderada, em que o ótimo se torne inimigo do bom e onde o desejável não impeça o possível. E é por isso que o diálogo e a concertação social em torno das questões laborais devem continuar sendo isso mesmo: diálogo e concertação. Bom 1º de Maio a todos os que foram, são e procuram ser trabalhadores, estes infelizmente em tão grande número nos dias que correm.

2.5.12

Entre marido e mulher não metas a colher

Por muito estranho que pareça, quando pensava no assunto para esta crónica, e querendo referir-me ao 25 de Abril não conseguia deixar de pensar no artigo da revista Visão, de que li apenas o título e as linhas online, e que apresentava da biografia de Otelo Saraiva de Carvalho, a aparente confissão de bigamia por parte do Capitão de Abril. Ao meu pensamento juntou-se uma reportagem que, a propósito das eleições presidenciais em França, apresentava um especialista em comunicação a falar do casamento de Sarkozy com a Carla Bruni como um facto importante na vida pública do Presidente da República francesa. Confesso que só me veio à cabeça um dos provérbios mais conhecidos que diz que entre marido e mulher não se deve “meter a colher”. E devo dizer que afinal ainda me fazia todo o sentido falar do 25 de Abril.

Se em Portugal a Revolução foi pacífica e se a Democracia se tem vindo a construir ao longo destes quase 40 anos sobretudo em torno de questões efetivamente políticas e sociais, mesmo quando agora parecemos estar a ser geridos por gestores de falência mais do que por políticos, apesar de eu também achar que esta poderá sempre ser uma nova e estranha forma de fazer política, estas questões pessoais e domésticas têm conseguido ficar relativamente ausentes do espaço público. Há sempre, enfim, aqueles rumores sobre a orientação sexual de alguns políticos, mas felizmente não passam do timing próprio e apropriado da piadola de taberna que serve para quebrar o silêncio entre quem nada mais tem para dizer e fazer entre dois copitos de tintol.

Quando a uma semana das comemorações da Revolução e do Dia da Liberdade surge esta notícia, até ver não desmentida ao que é natural já que consta de biografia aparentemente oficial, mais do que ficar chocada com a oportunidade que uma revista como a Visão apesar de tudo agarrou, foi com o facto de o Otelo ter querido revelar a sua vida íntima num livro que fiquei chocada. Raio de maneira de permanecer à tona na vida pública! Foi esta a evolução da personagem principal da revolução? Serve a quem esta revelação? 25 de abril de 2012, dia e ano da revelação de Otelo…

Já o caso Sarkozi-Bruni mostra o que é o pouco lado político de um político ativo, de alguém de quem se espera, ou devia esperar no meu entender, que seja muito mais o político do que o marido (invejado) de alguma vedeta. Não enveredo aqui pelo lado feminista que poderá, com legitimidade, ver, e condenar por isso, a mulher como “enfeite” da vida pública do seu marido. Bem sei que o protocolo de figuras de estado e poder também afeta a vida familiar e tantas vezes obriga, ou pelo menos recomenda, que primeiras-damas e consortes, apareçam em cerimónias públicas, mas daí a que terceiros venham afirmar que por se ter casado com aquela pessoa o Presidente da República francesa esteja uma muito melhor pessoa interessa a quem? Ok, claro que sabemos que o cor-de-rosa desta história pode ganhar adeptos e adeptas em período eleitoral, tal como o escandaloso da história de Otelo, onde aliás se emprega abusivamente a palavra bigamia, só pode enterrar mais a figura pública que para tal até se pôs a jeito. Mas é tudo tão rasteirinho, tão mesquinho e tão pouco importante para aquilo que se deve esperar de um político! É que não estamos a falar sequer dos chamados vícios privados, mas de vidas normais que decorrem harmoniosamente para quem as vive, por muito que sejam extraordinárias ou estranhas para alguns, se calhar a maioria, dos comuns mortais.

A configuração de um Estado democrático, que a Revolução de Abril nos permitiu, incluiu um aproximar das figuras públicas ao cidadão anónimo já que ao eleitor é pedido que escolha um eleito que conheça o melhor possível e que, transformado numa figura para além do escrutínio pelo voto, também o é como figura pública na opinião que dele fazem pelos comportamentos que devem ser exemplares. Qualquer sobre- ou subvalorização da sua figura pela atitude pública ou pela proposta política pode e deve ter reflexos na opinião que dele ou dela se passará a ter. Mas com a vida privada e mesmo íntima? Só me lembram os versos da canção «Portugal, Portugal» do Jorge Palma : «Fizeste cegos de quem olhos tinha/ Quiseste pôr toda a gente na linha (…)  Difamaste quem verdades dizia/Confundiste amor com pornografia».