28.4.20

1.º de Maio em tom de elogio à classe trabalhadora dos Políticos

Sem dúvidas de que alguma vez venha a ser uma crónica caça-likes, para usar uma expressão das tão frequentadas redes sociais, não posso deixar passar a oportunidade do 1 de Maio para vir defender uma classe trabalhadora. Depois dos bombeiros em geral, depois dos profissionais de saúde em geral, se terem transformado em heróis colectivos - porque o ser humano anda sempre à procura deles - não corro o risco de estar a iniciar onda semelhante. Nem quero!

Esse tipo de onda também serve para escancarar a passagem a quem só espera o momento para ser esse herói sem ter sequer levantado o dedo mindinho para o merecer, a não ser apanhar a outra onda dos que vociferam que “qualquer coisa é melhor do que isto”. Os EUA e o Brasil podem ser-nos exemplos muito úteis.

É assim que, neste 1o de Maio, a minha palavra de reconhecimento, não desfazendo nas outras, vai para a classe política. E a ela pertencem não só quem ocupa os cargos que gerem colectivos maiores - Governos e Assembleias - como também todos os que exercem funções de gestão de instituições públicas, que vivem com o contributo de todos e, como tal, dispostas a servir todos o melhor possível.

Parece-me que esta é a única classe de gente que trabalha que nunca merece elogios colectivos. Muito pelo contrário. O que não só, na minha opinião, é injusto, como é mau ao ponto de também promover a atitude de mártires. Mesmo que não tenham a sorte, esses “wanna be mártires”, dos outros trabalhadores pseudo-mártires das outras classes que, a reboque dos mártires reais, se encostam a eles no momento das vénias.

O meu elogio é, pois, moderado, mesmo que reconheça o quão imprescindíveis são os Políticos. É afinal um elogio que tem um objectivo muito claro: que aprendamos, todos, sobretudo os que não se interessam nada por Política mas que, legitimamente, também não se coíbem de fazer o seu comentário mais ou menos informado, com um princípio elementar da Política e dos que a exercem com profissionalismo: em Política não se discutem casos, nem pessoas, discutem-se princípios e age-se em conformidade. Termino citando um líder de uma oposição responsável na sessão comemorativa deste 25 de Abril, um Político portanto, ao criticar posturas anti-democráticas, reveladoras de ingratidão: “o que é próprio de alguns homens é impróprio ao Homem”, ou melhor, corrijo agora eu, ao ser humano.

21.4.20

25 de Abril ou isso

Imagino que possa ter sido a inveja, pueril e por isso piedosamente compreensível, por não poder estar na AR a comemorar o 25 de Abril ao lado de alguns privilegiados, que levou a que muitos vociferem que este ano não devia lá haver comemorações oficiais da implantação da Democracia em Portugal.
Ou isso, ou a oportunidade para suspender simbolicamente o espírito de Abril, o tal que até passou a permitir vociferações. Ou isso, ou o orgulho ferido do zelo com que fiscalizam as cautelas do distanciamento social no seu dia-a-dia como acham, ou têm a certeza absoluta dos déspotas, de que mais nenhum cidadão do bairro o faz. Ou isso, ou a desconfiança de que um cidadão por 25m2 num lugar fechado permita a normalidade que conseguimos manter, evitando um ainda maior descalabro da economia e da saúde mental colectiva. Ou isso, ou o desejo de que a normalidade do trabalho de alguns, mesmo condicionada como acontece em muitos locais de trabalho, não possa conter momentos de celebração, como o são as comemorações do 25 de Abril na AR. Ou isso, ou o paleio de que os deputados não servem para nada, o que é argumento anti-democrático e diferente do “estes” deputados não servem para nada e que leva a alguns irem ciclicamente votar para que mudem ou se mantenham, que é o que permite também quem não vai votar. Ou isso, ou não ter percebido que entre 12 de Abril e 25 de Abril se passaram 13 dias, o que, no controlo sanitário e também social de uma pandemia, quer dizer alguma coisa sobre a gestão do Tempo. Ou isso, ou viver iludido de que são os festejos religiosos que invariavelmente dão oportunidade a um fim-de-semana prolongado que levam a ajuntamentos na Páscoa. Ou isso, ou não terem reparado que no Vaticano houve comemorações da Páscoa, tão fechadas ao público de fiéis este ano como, todos esperamos, serão as do 25 de Abril. Ou isso, ou não respeitarem o facto de que para muitos de nós as cerimónias transmitidas em espaços simbólicos, seja uma basílica ou um parlamento, ouvindo homilias ou discursos políticos, tão oficiais uns como outros, são também uma forma de continuarmos a comemorar. Ou isso, ou estarem-se nas tintas para toda e qualquer comemoração simbólica, de qualquer espécie, porque o que importa é a sua vidinha, com o menos chatices possíveis pois claro (quem não?!). Mas para isso não vale a pena terem trabalho a vociferar. É que se arriscam a parecer mais comentadores de bola do que defensores de princípios como o do cumprimento da lei.
Posto isto, é isso mesmo – o cumprimento da lei – que eu espero ver no dia 25 de Abril de 2020, dentro ou fora da AR. Sem beijar de cruzes. Desculpem, sem ajuntamentos festivaleiros. Quanto a mim, que é o que menos importa porque continuo a assistir pela TV essa, este ano única, comemoração da Democracia, sabe-me bem, poder ouvir mais gente a dizer “25 de Abril sempre” do que uma qualquer atoarda mais moralista do que intelectual, mais tribalista do que nacional. Ou isso, ou mais nacionalista do que patriótica.

14.4.20

Uma crónica sobre tapetes 3

Hoje a crónica é também sobre um tipo de tapete que vamos ter de passar a usar muito mais: o mouse-pad, ou seja aquele tapetinho em que movimentamos o rato do computador para vermos, ouvirmos e falarmos através dele. Vamos, quero dizer, nós os que temos que, ou queremos, manter contacto com o mundo sem presenças perigosas para a saúde pública.

Pouco mais de metade do mundo já está relativamente preparado para a ubiquidade da comunicação: ao mesmo tempo, em lugares diferentes, o mesmo discurso. Discursos que, depois, se podem revisitar ipsis verbis, assíncronamen te. Mais do que hardware, skills, pads, IPads ou outros confortos que, finalmente, possam vir a ser ferramentas e não luxos ou negociatas (talvez Magalhães seja mais do que nome de circum-navegador na nossa memória e se faça justiça retroactivamente); mais do que isto que é o básico, obrigatório e imprescindível, e que todos os responsáveis por orçamentos não poderão empatar (sob pena de algo não estar a bater mesmo nada certo nesta democracia), o que importa é que quem use e usufrua deste universo tecnológico esteja consciente do que vai estar em causa. Em público e em privado fazem-se e dizem-se coisas diferentes. É disto que estamos mesmo a falar: um muito maior escrutínio do que já não se faz só dentro de uma sala, já que a privacidade é apenas um pressuposto facilmente deposto.

Que os novos utilizadores das tecnologias, depois do b-a-ba inicial, aprendam as outras regras do comportamento em público. Sob pena de passarem por vários adjectivos: do preguiçoso ou medroso ou altivo - para quem não intervém no mesmo plano - ao tonto, fala-barato ou provocador - para quem parece não medir o que diz ou quando diz, em público.

Todos quantos passarmos a deslizar neste plano tecnológico, somos chamados a fazê-lo consciente e criticamente, sem qualquer espécie de atitude passional que o imponha a tudo e todos, a toda a hora - é que ao discurso fora do contexto real chama-se delírio e a tal ubiquidade da internet propicia-o; ou numa atitude religiosa, que o considere o milagre salvífico da Humanidade. Para isso continuamos a ter Deus, naquela relação que o desassossegado Pessoa nos descreveu: “Nasci num tempo em que a maioria dos jovens haviam perdido a crença em Deus, pela mesma razão que os seus maiores a haviam tido – sem saber porquê.”

7.4.20

Uma crónica sobre tapetes 2

Ficámos todos de novo incomodados, alguns ao ponto da repugnância, com quem o povo holandês elegeu para também o representar na comunidade em que Portugal e mais 26 países se organizam. Estas provocações rasteiras dos Países Baixos não são novas, remontam aos tempos em que da Europa saíam conquistadores em movimento de expansão pelo resto do Mundo. Questões de poder, ambições colectivas, vertidas depois em variadissimas outras manifestações de exortação de nacionalismos. Revelam competição mais do que solidariedade, individualismo mais do que empatia, oportunismo mais do que humanismo. São obsessões identitárias muito, demasiado, vulgares. Estávamos era à espera que agora, volvidos uns séculos, unidos numa mesma roda sob uma mesma ameaça, não houvesse esse espírito e alguns se levantassem para puxar o tapete aos outros.

Neste choque, aliás com origem previsível na dedução pelo tal histórico dos comportamentos, há quem critique o nosso PM por ter dito o que disse onde disse, porque devia tê-lo feito não em praça pública, mas em trabalho discreto de bastidores; os mesmos que, às tantas, querem que outros ministros andem aí a comprometer-se, aos microfones que lhe são espetados à frente, com respostas rápidas. De preferência com promessas que possam vir a ser cobradas com juros mais à frente. Respostas que, na realidade do que é gerir, têm de ser muito trabalhadas antes de ser só “a” resposta a quem espera e desespera. A ansiedade do costume, agravada com o medo e, a esmagadora maioria das vezes, com a única preocupação em ver o seu problema, muito seu, resolvido.

O choque por reacções institucionalmente não solidárias entre membros de um mesmo colectivo também o tive quando, em tempos de saída da troika, no tal nível local que parece, só parece, agora menos importante, quando, na oposição, assisti a uma reacção “à la holandesa” pelo actual presidente da Câmara de Évora, que trazia, e traz, na lapela o comunismo. Na ânsia de resolver a situação financeira da sua máquina, a que geria para servir o seu burgo, e que se encontrava em tão maus lençóis como outras tantas autarquias do nosso país, perante a proposta da Associação Nacional de Municípios para a criação de um Fundo de Apoio Municipal, do qual Évora, depois de contribuir, poderia também beneficiar, respondeu com argumento semelhante ao tal ministro holandês de agora: que não lhe parecia bem que os municípios bem geridos tivessem que suportar os desvarios de outros. Vêem diferença? Eu não.

Pois é, pelos vistos, há muita gente pronta a alinhar com quem a solidariedade fica no saco do aspirador e, quando se tem de arrumar a casa onde todos vivemos - seja ela Europa ou Portugal - a primeira reacção é tirar o tapete para não ter de o limpar. É uma solidariedade selectiva, a que se pratica se resolver o seu problema, muito seu, e sem problemas em sacudir os outros borda-fora.

Votos de boa Páscoa, a tal que diz tanto a muitos crentes que a celebram com oração própria. Aos outros, solidariamente, também lhes envio votos idênticos, apesar de saber que este ano os festejos - em modo praia, passeio e convívio - serão crucificados. Perdão, sacrificados.