26.5.15

Media training

Aproximando-se momentos eleitorais, uma das peças tornadas obrigatórias na comunicação social é, tentando manter alguma isenção partidária, apreciar os candidatos e candidatos a candidatos mais pelo “embrulho” do que pelo conteúdo. Aprecia melhor esse embrulho quem, profissionalmente, os ensina a fazer bem. E a actividade tem nome, profissionais a sério, e chama-se media training
Já no século IV a.C., o filósofo Aristóteles se preocupava com este assunto de usar uma linguagem para comunicar de forma eficaz e persuasiva e que, não tendo sido o único com a preocupação à época, deixou uma obra com o nome que, afinal, define este saber que é a retórica. Nessa obra, o filósofo sistematiza os três géneros retóricos: o que procura persuadir ou dissuadir quem ouve; o que acusa ou defende uma causa; e o que elogia ou censura alguém ou algo, e que normalmente usa de um tom mais espalhafatoso. Confesso que entendendo a pertinência e cuidado de Aristóteles, e sem desmerecer os seus actuais seguidores, tendo a alinhar com o Platão de Fedro, um dos seus diálogos em que defende, e assim à pressa se poderia resumir, que a retórica propicia a subalternização do conteúdo em relação à expressão. O que me lembra o pavão que, de cauda em leque faz aquilo que em francês se diz “épater le bourgeois” ou seja, o que eu muito livremente traduziria com alguma caricatura à mistura por, “pôr o patêgo a olhar para o balão”. 
Se o acesso a este treino profissional se tornou, no nosso tempo, coisa de quem aparece nos media, isto é na comunicação para as massas, e se inclui o cuidado da imagem a par do do próprio discurso, parece-me que não tardará muito a que quem tem funções de liderança se sinta na obrigação de ter umas liçõezinhas sobre o assunto. Assim como quem aprende a etiqueta que nunca teve de usar na vida. Ou mesmo para que quem tem um certo traquejo na coisa não lhe perca o jeito e, portanto, o media training se transforme em long life learning, que é como quem diz, formação contínua, ao longo da vida. É que o media training é mesmo uma questão de técnica, para quando não se tem jeito, e jeitosa, para quando se quer pôr a brilhar o lado do parecer para além do lado do ser. E quando se tem jeito e se trabalha esse jeito, então o resultado deve poder vir a ser brilhante. Nos outros casos, muito no extremo oposto, não deve haver media training que resista. No fundo qualquer cidadão que interaja com outros devia poder investir assim em competências de comunicação. Às vezes isso chama-se ser educado e gentil. E ainda mais às vezes, isso é tão inato, de tão essencialmente boas que as boas pessoas são, que ultrapassa a educação. 
Diz quem sabe que quem precisa desse treino, ou porque é a dar para o “atado”, ou porque por vezes pensa mais depressa do que fala e isso o atrapalha, ou pára de pensar porque tem de falar em voz alta e para mais do que dez pessoas juntas e isso também o atrapalha; diz quem sabe que o objectivo é passar com eficácia a mensagem que queremos a quem queremos. A pergunta é: e quando desconfiamos do valor da mensagem? Vão dizer-nos que temos de ter confiança nesse valor. Ora quer-me a mim parecer que não basta dizer muitas vezes o que queremos que seja real para que a realidade aconteça. É que se fazemos isso, na comunicação com os outros, estamos a pôr de lado o essencial da comunicação – informação, opinião, decisão – e a cair no show off que se chama propaganda e que muitos confundem com comunicação. A não ser que o conceito de comunicação esteja a mudar com o uso e a deixar de ser o das diferentes informações que as pessoas partilham entre si, numa actividade essencial para a vida em sociedade e se passe a confundir com promoção. O que me faz temer pela identificação com os saldos e o “despachar” de stocks prestes a transformar-se em refugo.

19.5.15

Bullying

Se dúvidas houvesse de que a agenda de opinião da esmagadora maioria de nós, no que respeita a assuntos de interesse geral, público e colectivo, e portanto político, é feita por certas notícias que se espalham de forma viral, mesmo tratando de gente comum, os acontecimentos sobre o bullying – começando no programa televisivo de talentos, passando pela cena de bofetão no feminino, até ao assassinato violento de um jovem de 14 anos das últimas semanas – dissipariam essas dúvidas. São inúmeras as notícias, as opiniões e os assuntos que todos os dias são lançados pela comunicação social – ou nas redes sociais em que cada um de nós pode fazer a reportagem de algo a que se assistiu e que dê lugar a notícia, ou emitir a sua própria opinião baseada nos factos que escolheu ou de que lhe propuseram uma interpretação. Mas há umas que chocam e, como tal, naturalmente, se tornam tema central de conversa, quase como se nunca tivessem existido ou, na curta memória humana, tivéssemos esquecido para continuarmos a viver as nossas vidas para lá do que nos incomoda, como muitas vezes tem de ser, sobretudo quando não temos responsabilidades oficiais sobre o assunto.
O bullying é a prática de actos violentos, intencionais e repetidos, contra uma pessoa indefesa, uma vítima que pode sofrer danos físicos e psicológicos irreparáveis. A palavra surge do inglês bully, que significa brigão ou valentão, e desconfio que o que chocará nesta prática é mais a incapacidade de defesa da vítima do que a atitude do bully, uma vez que quando há dois bullies somos quase tentados a comentar que “estão bem um para o outro”. E talvez seja esta expectativa de andarmos todos a preparar-nos para responder à altura das dificuldades que vamos encontrar ao longo da vida, condescendendo em descer por vezes ao nível mais vil do ser humano enquanto membro do reino animal, que ao longo dos séculos fez dos que têm reacções menos instintivas – ou de um outro tipo de instinto – vítimas declaradas.
É que o bullying em si, e quando não dá origem a crime público, acontece mais frequentemente do que possamos pensar e, muitas vezes, é feito com um conjunto de pessoas a apoiar, como claque, a prática do insulto, da extorsão, da atitude violenta – com palavras ou actos – perante quem por princípio, opção ou dever não corresponda à reacção que parece ser a exigida pelo bully ou pela sua claque de apoio: responder à altura e partir para a guerra, em escaladas de violência que podem ir até à agressão física e ao insulto desbragado, assim mesmo na cara das pessoas.
O bullying, mais do que com o exercício de um poder, que muitas vezes até se conquista com o sucesso após a sua prática e o aplauso dos pares que parecem transformar-se em seguidores ou súbditos, tem a ver, na minha opinião, com o respeito ou a infracção de limites do que se pode e deve, ou não, fazer e dizer. Se esse conhecimento é adquirido pelo exemplo, pelo discurso positivo, enfim pela educação que recebemos da comunidade que nos rodeia; e se o desrespeito desse limites é punível e punido efectivamente, através de sanções de vários tipos – e onde a liberdade não deve ser confundida com anarquia (mesmo quando esta é defensora de um pacifismo e uma autodefesa que deixa perigosamente à solta uma justiça sem regras) – então, teremos de encarar vários comportamentos que vamos achando normais – como os insultos proferidos pública e sistematicamente àqueles de que discordamos, às vezes a descer a avenida com as câmaras da TV atrás - como exemplo de muitos que fazem dessa prática uma atitude corrente e, contra o que lhes é adverso, do que lhes é incompreensível, do que muitas vezes apenas sai fora do comum, uma forma de reagir legitimada pelo cidadão comum e apenas suspensa quando outros limites se ultrapassam. É que também aqui, e não só nas coisas boas, o caminho se faz caminhando.

12.5.15

Timeline

Timeline é uma palavra em inglês que significa, à letra, “linha do tempo”. É um termo muito conhecido entre aqueles que usam as redes sociais na Internet, como o Facebook, a que melhor conheço, mas também o Twitter ou o Instagram e até o Blog. No fundo, trata-se de uma ordem pela qual as publicações, ou seja aquilo que escrevemos ali, é organizado por nós numa cronologia, mas também pelo sistema informático que as vai “puxando” para a “feed de notícias” ou página inicial, ajudando o internauta a fazer-se ouvir pelos outros membros da sua rede. É como se, das nossas conversas ao vivo e a cores entre conhecidos, colegas, amigos ou até pessoas com quem nos cruzamos fugazmente na vida do dia-a-dia, e desde o assunto mais íntimo ao mais público e até político, ficasse o registo para esse outro tempo de que estamos mais incertos do que o passado e que chamamos posteridade. Tudo feito por nós e pelos nossos interlocutores, ou selecionado pelo sistema informático, essa inteligência artificial, com critérios precisos mas nem sempre óbvios para muitos dos utilizadores. O critério da popularidade, mensurável pela quantidade de gente que acede e interage com o que publicamos, é que vai dar maior ou menor importância ao que se publica.
A timeline aparece então como equivalente, num jornal em papel, à primeira página. Sendo a maioria desses lugares na rede gerida por gente comum, também uma grande parte não tem consciência de que, em muitos casos, está a comunicar para as massas. Mesmo assim, utilizamo-los para partilhar as informações que seleccionamos com o nosso próprio filtro que diz tanto de nós, para partilhar as experiências pessoais que possam interessar a outros ou as notícias que pretendemos destacar. E às vezes nem pensamos que, ao destacar uma notícia ou uma opinião, mesmo que seja para a combater, estamos já a dar palco, e consequente visibilidade, à mensagem ou ao seu emissor.
Há também muitos internautas que utilizam o timeline virtual como diário em formato “online” e, tal como acontece no meio editorial dos livros, são uns de pior ou melhor qualidade diarística que outros, sem uma filtragem que tantas vezes é apenas feita pelos pares, tão utilizadores como nós da mesma rede, e não de um qualquer editor que se coloque na posição arbitral.

Suponho que nem todos terão consciência da perenidade deste suporte que é tão duradouro como é qualquer acto de escrita desde o momento inicial da história da Humanidade. Essa domesticação do que parece tantas vezes um dito ou um pensamento à solta e se fixa para ser lido noutro momento e noutro lugar, ainda que graças ao timeline possamos de certa forma reenquadrar na circunstância própria em que foi registado. Tal como nem sempre se faz o exercício de verificar a credibilidade de certas fontes, o relacionamento entre assuntos afins, o que a boa da inteligência artificial até nos facilita quando abrimos a sala de convívio virtual, ágora do século XXI. Como aprendemos, com a educação e a experiência, da maneira mais violenta ou mais agradável, a gerir o nosso tempo para gerirmos melhor a nossa vida, assim podemos aprender a usar como nos fizer mais felizes ou considerarmos mais útil as timelines que frequentamos. Mesmo que às vezes pareça só conversa. 

5.5.15

Erasmus

Por esta altura um pouco por todas a cidades universitárias, ou até mesmo só cidades com universidades desta Europa, os estudantes que querem, podem e fizeram por isso estão a saber para que outra universidade, noutro país europeu, irão estudar no próximo ano lectivo, durante o ano inteiro ou só num dos semestres. Este programa europeu, financiado por fundos para os quais todos os contribuintes europeus participam, foi talvez das primeiras iniciativas da União Europeia para que esta união passasse da ideia, que muitos dela fazem, de que apenas existe para acordos económicos e envolvesse de facto cidadãos que pudessem considerar a Europa um território a que pertencem, como muitos sentirão em relação ao seu país. 
Estabelecido em 1987, foi afinal um programa de apoio interuniversitário de mobilidade de estudantes que veio dar ainda um maior sentido à Declaração de Bolonha, assinada a19 de junho de 1999, e que desencadeou o denominado Processo de Bolonha. Um documento conjunto que alargou o espaço europeu para lá dessa União, já que foi assinado pelos Ministros da Educação de 29 países europeus, reunidos na cidade italiana de Bolonha.
O programa Erasmus tem o nome do filósofo holandês, Erasmo de Roterdão que, no seu percurso intelectual de combate ao dogmatismo, viveu e trabalhou em vários locais da Europa para expandir o seu conhecimento e ganhar novos conhecimentos. Erasmo optou por levar uma vida de académico independente quer de um país, quer de laços académicos ou de lealdade religiosa e de tudo que pudesse interferir com a sua liberdade intelectual e a sua expressão literária. É que quem sai do seu lugar para partilhar com os de outros lugares o que lá aprendeu, quem volta a esse lugar de origem ou vai tendo destinos vários, acaba sempre por levar e trazer mais alguma coisa a esses lugares. Desinquieta-se o corpo em movimento, inquieta-se o espírito que, à partida, fica mais crítico porque mais aberto ao outro, que tem quase tanto de mesmo como de diferente.
Aquele que empreende um tal programa predispõe-se a enfrentar o incerto. Quando o filósofo Erasmo morou em Lovaina foi alvo de muitas críticas mesquinhas por parte dos que se sentiam incomodados pelo questionamento dos seus dogmas, o que equivale a dizer que Erasmo lançou a dúvida sobre os que apregoavam convicções inquestionáveis, uma verdade absoluta e que devia ser ensinada com autoridade. Estes eram gente douta pelo que conheciam do saber transmitido sem inquietações, mas hostil aos princípios do progresso a que Erasmo devotou a sua vida. Procurou então refúgio em Basileia, onde se estabeleceu e acabou por morrer, recebendo a visita de muitos admiradores de vários cantos da Europa. Resumindo, um homem que circulou e fez circular gente nesta Europa para arejar mentes e construir os espíritos humanos predispostos a abrirem-se.
Já agora acrescentar que E.R.A.S.M.U.S. é também uma sigla para European Region Action Scheme for the Mobility of University Students, em português Sistema de Acção Regional Europeia para a Mobilidade de Estudantes Universitários. Aos que estão a preparar as malas para embarcarem nesta aventura também do Conhecimento, só posso desejar que seja tão profícuo como a experiência que eu própria tive em Bordéus, França, há 26 anos e que me permitiu, já que nunca tinha saído de casa para estudar, ganhar o gosto para ter a bagagem de me adaptar aos outros, noutros lugares e com outros costumes, disposta a contrariar dogmas que é, afinal, questionar para aprender.