27.3.18

Em defesa da criatura


Por muito respeito e admiração que tenha por certos seres humanos, não sou capaz de os considerar como semideuses. Isto não me impede até de, algumas vezes, os defender quando estão na “mó de baixo”, não os tendo antes idolatrado, ou às vezes até só apreciado, quando estiveram no pódio. É assim que, nesta Semana Santa e estando o assunto na ordem quase do dia, não me jogarei ao criador do Facebook, para o maldizer ou elogiar, mas defenderei a sua criação. Como defendo, de uma forma geral, aquelas plataformas de comunicação a que se convencionou chamar Redes Sociais e que permitem a circulação de informação, num convívio a que muitos de outra forma não teriam já acesso.

A informação, quando não falseada, nunca foi demais para ninguém, possibilitando a formulação de opinião e, em princípio, uma melhor preparação para fazer opções. Se isto dispensa moderação, numa circulação livre, também concordo em que não, não dispensa. E também isso faz com que muitas vezes os órgãos de comunicação institucionais venham permitir que seja feita uma moderação pelo aprofundar de questões que aparecem, superficial e tendenciosamente, nas ditas Redes. E depois, há os que fazem delas e das informações que partilhamos nelas, um negócio, seja para vender sabonetes ou Presidentes de o que quer que seja.

É um lugar comum dizer-se que não é a tecnologia que é boa ou má, mas sim o que quem a usa faz com ela. Ora com o Facebook passa-se exactamente a mesma coisa. Há todo o tipo de utilizadores que quando a ela tenha acesso, o que é quase uma prática de comunicação global, a usam com princípios, meios e fins diferentes. E, para mim, não são os beneficiados deste tempo aqueles que a ela não têm direito., uma desculpa para quem não queira ter mais uma trabalheira na vida e que é gerir a sua presença numa Rede Social. Também é verdade que pelo uso que muitos dela fazem, seria um favor que não lhe tivessem acesso, mas os limites, como em tudo o que é tema que envolva pessoas, são delicados e difíceis de estabelecer, já que também o bom senso é uma qualidade pouco matemática, digamos assim (e com o risco de virem os matemáticos provar-me que este não é o adjectivo certo para metaforizar a precisão inquestionável e comprovável em qualquer tempo e lugar, mas adiante). Resumindo, estar numa Rede Social, como conviver em sociedade, requer saber estar. E não falo só das regras mínimas de educação (até com, para além dos códigos-base, outros adaptados), mas com o upgrade de saber que estamos visíveis por mais tempo e em mais lugares. É esta, em meu entender, a regra básica para os utilizadores do Facebook.

Tenho para mim que se gere a presença numa Rede Social como se gere toda a nossa presença que é feita em público e no convívio com os outros, mais ou menos conhecidos. E onde, se há assuntos privados que possam, qual conversa de salão, ser partilhados sem aborrecer ou ofender os presentes, outros há que só interessarão a alguns e, como tal, nem vale a pena dar-lhes ouvidos se não se fizer parte desse círculo. É como numa rede de conhecidos, em que há aqueles com quem se aceita à partida partilhar informação ou sentimentos e assim aceitamo-los no nosso convívio, até ao dia em que fique para nós provado que não precisamos da sua companhia em ocasião, nem plataforma, alguma.

De resto, formas de atirar areia para os olhos do próximo, com aproximações interesseiras, há-as aos montes e desde há séculos, na conversa mais olhos-nos-olhos que a tecnologia tem procurado imitar com a maior perfeição possível.  E com isto vão os meus votos de boa Páscoa.

20.3.18

É a Cultura, pá!


Cruzei-me com uma notícia que anunciava a constituição de uma Comissão na cidade da Guarda para preparar a candidatura a Capital Europeia da Cultura. Chamou-me à atenção um parágrafo que dava conta do conselho oferecido pelo Secretário de Estado da Cultura, Miguel Honrado, olimpicamente ignorado pelas já 12 candidatas. Honrado terá dito no mês passado, em Coimbra, que fazia todo o sentido a agregação de cidades para se candidatarem a Capital Europeia da Cultura, pois este tipo de projectos tem, cada vez mais, escalas regionais.

O conselho pareceu-me bastante assisado e a fazer muito sentido para uma região como a do Alentejo, onde num fantástico cenário do seu Norte ao seu Sul, somos muito (demasiado) poucos os que cá vivemos, até para podermos constituirmo-nos como um grande público, muito menos se partidos em parcelas. E imaginei como seria interessante um ano de 2027 a circular por aí, quanto mais não fosse pelo Alentejo Central, para assistir a seguramente muito bons eventos culturais.
Claro que também achei curiosa saber-se da existência de uma Comissão lá para a Guarda e desconhecer-se não só se por aqui também há uma e quem a compõe, como se continuar à espera de um prometido plano estratégico para a Cultura em Évora, há pelo menos quatro anos. Bem como os novos Regulamentos de Apoio aos Agentes Culturais, que se desejaram liminarmente revogados no final de 2013, revelando, afinal, que estes não eram nem assim tão maus, nem era assim tão urgente mudá-los para que uma nova Primavera chegasse aos palcos da cidade e os amanhãs cantassem de forma cristalina, como “só” acontece agora.

Mas, atenção, que esta crónica não é para dizer mal da hipótese de Évora conseguir a sua intenção e sair vencedora deste concurso, caso já haja quem esteja a pensar nisso. Só me ocorreu que o sucesso poderia ser mais garantido se se seguisse o tal conselho. Mesmo sabendo até que os prémios ligados à Cultura tenham sido, no passado, menosprezados por uma certa Évora. Se calhar agora até ia dar jeito apresentar o galardão da Sociedade Portuguesa de Autores de 2012... E a questiúncula da altura não deve ter sido motivada por questões políticas mas politiqueiras, já que o concelho vencedor da edição deste ano do Prémio foi o Seixal, município comunista. É entregue hoje, novamente no auditório do Centro Cultural de Belém. Recordo, na altura, ter na própria Gala já mencionado que a programação não teria sido possível sem colaborações, nem redes. Como me lembro de que o grande argumento para menosprezar o Prémio (chegado até pela pena de um que se diz jornalista da nossa praça ao jornal “Avante!” num artigo intitulado “Um prémio para quem não merece”) era a dívida de subsídios aos agentes culturais. Posso imaginar que o problema esteja agora sanado e, como tal, os agentes culturais já se sintam bem aconchegados. E que se Évora não ganhar é porque?... 

Portanto, como eu não sou dos que faz coro com os que dizem mal dos eventos culturais em Évora, apesar de naturalmente gostar mais de uns do que de outros, só me resta dizer que com uma “parada” tão alta como a que se pôs para 2027, se esta não for ganha, bem pode quem se disse sempre o supra-sumo da gestão cultural autárquica, meter a viola no saco e ir cantar para outra freguesia...ou concelho. O que, já agora, não é coisa inédita, nem que, aliás, o Povo eleitor leve muito a mal, apesar das conversas, recorrentes e estereofónicas, que se têm de ouvir sobre o “não ser de cá”.

13.3.18

Congressos, políticos e chuva


Escrevo normalmente as minhas crónicas com alguma antecedência. Isso permite-me sobretudo a assiduidade, mas também evito deixar-me apanhar mais facilmente pela inevitável espuma dos dias, não deixando no entanto de estar atenta ao que acontece na hora. Até já tinha uma crónica escrita para hoje vos ler, mas sendo de assunto que não passará tão cedo da actualidade, guardei-a para outra semana e resolvi reagir ao que me aconteceu neste último fim-de-semana. 

Gosto de assistir a congressos dos Partidos políticos, seja ao vivo, seja pela televisão ou pela rádio. Sei que é um gosto estranho. Deverei fazer parte dos talvez 1% dos eleitores, ou quem sabe menos, que têm esse mesmo gosto. O resto das pessoas tem mais que fazer e com que se entreter, o que não critico. Provavelmente falta-lhes tanto a paciência para as discursatas e os comentários de corredor em directo para os microfones ávidos de notícias frescas num mundo velho como o da Democracia, como a outros faltará a paciência para as novelas ou os jogos da bola e respectivos comentadores.

E além da paciência, talvez falte o hábito (ou já se tenham cansado dele) para tomar atenção às palavras e ao que elas trazem consigo nos contextos – espaço e momento – em que são proferidas. As palavras que poderão depois ser comparadas com as que aconteceram noutros contextos, o que requer algum exercício quer de atenção, quer de memória. E compará-las sobretudo com os actos, que em Política são as opções que se tomam, e onde as descoincidências são, estou em crer, um enorme factor de dissuasão para os que, interessando-se por Política e cumprindo o seu direito e o seu dever de eleitores, se “marimbam” para as reuniões magnas das associações que formam, enformam, amparam e seleccionam os que algum dia governarão ou condicionarão os que governam.

Outro exercício interessante, que é até nestes tempos facilitado pelos registos audiovisuais que os meios de comunicação guardam e disponibilizam para quase todos os que têm facilidade de acesso às tecnologias, é avaliar comportamentos típicos de elementos dessas organizações nesses contextos diferentes. Dá trabalho, quando não se têm de memória, o que acontece sobretudo quando se sentiu na pele o efeito desses comportamentos, pois como sabemos todos, não há melhor memória do que a das coisas que nos afectam os sentidos e os sentires.  

Ora, no fim-de-semana, voltei então a ter com que me entreter em frente à televisão, para além da rádio e do computador a que me ligo quotidianamente. E muitas vezes para ver, ouvir e ler com mais atenção, e não como som de fundo de outros afazeres, o que naturalmente também acontece. Eis senão quando, começo a ouvir o discurso de um político na oposição, de nível nacional e europeu, ex, actual e futuro eleito de um Partido da extrema-direita à portuguesa, em que para além da forma inflamada com que anunciava o seu futuro nada mais disse que, espremido, não fossem chavões. Isto depois de ouvir (e confirmar, lendo o que foi também escrito) um texto de um político na governação, de nível local, de um Partido da extrema-esquerda, queixar-se de que a contestação e o seu espírito, que durante 12 anos andou a ensinar (quase como escolaridade obrigatória) aos cidadãos, são agora tristes e para esquecer. Tomei uma decisão para o resto do meu serão: vou mas é ouvir a chuva cair e continuar a ler (acto que requer também gosto e persistência) “A Estranha Ordem das Coisas” do António Damásio. Sempre aprendo alguma coisa de útil e confirmo outras de que já desconfiava.    

6.3.18

A bancada


Desde 2007, durante o XVII Governo constituído com a maioria absoluta do PS, que se instituiu a prática parlamentar de quinzenalmente os Governos irem à Assembleia da República discutir com os deputados assuntos da governação. Muito para além dos grandes momentos, de por exemplo aprovação dos Orçamentos, esta regular prestação de contas pareceu-me sempre um exercício que permitiria, em princípio, que o cidadão-eleitor pudesse acompanhar a vida dos eleitos, de forma mais assídua e menos cansativa do que todas as múltiplas reuniões das Comissões Parlamentares que existem. Claro que, em princípio, é o Governo e quem o encabeça que parecem estar a ser ali avaliados. Mas esta semana que passou ficou comprovado que nem sempre é assim.

As pessoas, de uma forma geral, desconhecem o complexo mundo da Política e das instituições onde ela se organiza para afectar, depois, muito da vida, mas não toda, de um País. Têm mais que fazer, e os meios de Comunicação Social tratam de organizar resumos e guiões, como as editoras fazem para os alunos preguiçosos e avessos à leitura dos grandes clássicos da Literatura Portuguesa. No entanto, quando as coisas começam a mexer internamente nos grupos dos deputados  eleitos por um Partido, até ao ponto de se tornarem interessantes para serem notícia e cativarem espectadores um pouco mais atentos, a atenção vira-se para esse Partido em particular. Ao PSD cumpre-me pelo menos agradecer, tanto como à legislatura que regulou o actual funcionamento da AR, esta contribuição para mais um passo na oportunidade de melhorar a educação para a Democracia dos telespectadores em particular, dos cidadãos em geral.

E não que o debate tenha correspondido à expectativa que se criou, como num anúncio de algo para o qual queremos convencer muita gente a aderir. Ele era tentar perceber se os deputados daquela bancada iriam todos à sessão... Ele era tentar perceber se quando falasse o novo líder eleito pela minoria dos liderados estes se revelariam, em atitudes e expressões, exteriorizando as tensões interiores que todos já conhecíamos e que não foram bonitas de se ver... Todos sabemos ou desconfiamos que este comportamento é comum a vários tipos de associações em que se disputam lugares de poder por mais indivíduos do que esses lugares. Mesmo os que são mestres do “fachadismo” e estão sentadinhos na bancada a bater palmas e a aclarar as vozes em uníssonos bem ensaiados. Até parece que aqueles indivíduos não o são, ou seja que não há cá coisas pessoais, mas uma massa informe, una e compacta que responde, cerrando fileiras, a uma só voz. Pois, pois... Mas eu cá, quando tenho tempo e pachorra, até gosto de ver como as peças se mexem nesses tabuleiros, dentro e fora do jogo a decorrer. E na passada quarta-feira dei por mim a apreciar alguns reposicionamentos, ou não, muito interessantes.   

Bom, mas a coisa parece ter corrido sem incidentes nem acidentes. Para uns terá sido uma chatice. Mas esses são aqueles que se comportam como os que só vão ver corridas de automóveis ou motos pela oportunidade de ver aparatosos desastres donde, ainda assim, espero, se deseja que escapem com vida, miraculosamente, os habilidosos pilotos.  Quanto à bancada em si, também não deixa de ser curioso que tendo andado há mais de meia legislatura a apregoar a não-novidade que o líder do Governo não é o líder do Partido mais votado pelos portugueses, venha agora a funcionar com um líder que também não foi eleito pelo maior número de convencidos de que ele seria o melhor para cumprir essa missão. O destino é tramado. E estar na bancada, fica provado, é ter de se saber comportar tão bem como estar no meio do campo.