26.9.23

Levar a sério

“Levar a sério” podia ser expressão para tema vertido em vários assuntos e a vários níveis, do mais íntimo ao mais global. Levar a sério é, afinal, o que a confiança nos deixa fazer. Levamos a sério quem cumpre com o que se compromete, ou quem não “faz de conta” só para se desenvencilhar de chatices ou da sua própria incompetência.

Na última semana assistimos a dois momentos na AR que encaixam nisto de se desvalorizar o que se devia levar a sério: uma moção de censura ao Governo que não foi uma moção de censura ao Governo; e uma proposta de baixa de impostos feita pela oposição que é inconstitucional. Se a primeira foi armada como um carrossel de feira, a outra foi disposta como as cartas para um jogo de “crapaud”. Ou seja, a histriónica moção só serviu para fazer de conta que era perigosa e requeria poderes especiais a quem tivesse a ousadia de o fazer. E a inconstitucionalidade da proposta fiscal é tão difícil de explicar como os complicados meandros da alta finança, o que leva o cidadão a entender bem só duas palavras: baixar impostos. Nada disto foi, pois, para levar a sério.

Como cada vez se lê mais, mas se lê pior - porque a pressa é o ritmo que marca as vidas, tal como a maior quantidade de suportes multifuncionais nos retira concentração - não está a comunicação de informação a ajudar muito a que, mesmo podendo haver interesse em aprofundar os assuntos, estes se levem a sério. A variedade, a pluralidade e a quantidade de vozes ouvidas não deveria dispensar uma hierarquização que ajudasse a levar a sério, de facto, assuntos sérios. Essa é uma opção de gestão da informação, uma linha política que inspire e devolva confiança, mantendo-lhe a liberdade de acesso e melhorando o seu uso na autoformação de cidadãos.

Porque, nestes dois casos em concreto, o que aconteceu foi que a moção de censura, com o óbvio chumbo, se transformou em moção de confiança ao Governo e ataque a parte da oposição; e a proposta de acto de governação vinda dessa oposição atacada, acabou por ser um exercício de simulação de naufrágio à beira-mar, daqueles simulacros que marcam calendário e que por vezes se banalizam em coreografias esvaziadas e não evitam o naufrágio em si.

Fora destes casos, já agora, a cereja em cima do bolo do que se diz e faz para que os humanos não levem as instituições a sério, foi a “kalimerice” do Secretário Geral das Nações Unidas, ao dizer que não tem poder nenhum. Enfim…

Será que chegará o dia em que até quem está um bocado zangado com o Governo, e zangado com tudo em geral, há-de começar a perceber que acumula razões para não levar a sério quem o queira vir a substituir? É que já vimos o quão a sério se levou a palavra prometida lá na Pérola do Atlântico…

19.9.23

Todos, todos, todos!

Apesar de nos parecer ter sido há muito tempo e de até já ter havido coisas da bola, entre outras, a darem que falar, não adianta arranjar desculpas e fazer de conta que durante esta pausa estival não foi a visita de Estado do Papa a Portugal o evento nacional mais importante. A meu ver ultrapassou o êxito das Jornadas e as críticas que suscitaram, até no debitar de comentários e opiniões sobre tudo em todo o lado ao mesmo tempo. E apesar das desastrosas intervenções de muitos jornalistas e comentadores, com excepções evidentes, dando mais argumento à necessidade de se reverem as práticas de formação, e talvez até os princípios de referência, da imprescindível comunicação social.

Do tanto que se ouviu, e entretanto se foi talvez esquecendo, houve uma certeza relativamente óbvia que diz respeito, espante-se, a questões de identidade individual com impacto social relacionadas com a intimidade e a sexualidade. Nos tempos que correm, estas são variáveis importantíssimas na redefinição do, chamemos-lhe assim, índice médio de felicidade. Os tempos mudam, em termos gerais a violência contra os seres humanos tem vindo a decrescer, mas não poderemos descansar se quisermos passar pela Vida com algum contributo nesse sentido. E a conclusão que pudemos retirar sobre esta questão concreta que decorre das outras pregadas há séculos, e se o colectivo católico estiver realmente empenhado em avaliar e contribuir, é a de que entre os crentes, mesmo praticantes fiéis e assíduos dos rituais, é muito necessário continuarem a investir na sua formação de acordo com o que é expresso pela actual figura mais importante da instituição. Espero sinceramente que, lá nas cimeiras, os sucessores não descurem o património que Jorge Bergoglio deixará. Todos, todos, todos.

Achei logo graça ao lema escolhido, a referência bíblica, - “Maria levantou-se e partiu apressadamente” - por ser o oposto do lema eborense do ano 2027 - o Vagar - que por aqui temos ouvido mais. Mas adiante, que lema não empata lema, e importam-me mais comentar outras questões de conteúdo. Desde logo a azáfama de Marcelo, a roçar já o preocupante, não só com o que diz, mas com o que faz: então não é que no dia da Via Sacra no Parque Eduardo VII, o senhor chegou com três horas de antecedência para o banho de multidão? Julgará que nós não o estamos a ver? A ele e à sua desmesura toda? E desde aí os episódios de falta de noção não têm abrandado. Regressando ao Papa: muitas vezes ouvi que o mais importante nalguns momentos, a mensagem a sublinhar foi a própria fragilidade do Papa. Que as adaptações para essa fragilidade possam contaminar quem desenha os acessos públicos dos lugares comuns a todos, todos, todos.

Já agora, a outra mensagem do Papa aos jovens foi que não tivessem medo. Eu bem sei que os crentes, por princípio, não temem a morte, e há medos que causam mais cobardes do que bondosos; mas parece-me que há cautelas que o medo provoca que também não fazem mal a ninguém e podem ser tomadas por todos, todos, todos.

O ritual que nasceu do improviso de, em frente à Nunciatura, as famílias pedirem que o Papa tocasse nos seus bebés foi, talvez, o que mais me enterneceu, por razões várias. Primeiro, o à vontade de quem confiou os seus bebés a um segurança que com a desenvoltura de um enfermeiro-pediatra fazia girar a criança. Cada uma daquelas crianças representou para mim, e certamente para este Papa, este Padre que nunca se furtou ao assunto, o oposto do que aconteceu às crianças confiadas a membros da Igreja que foram por eles criminosamente abusadas. Mas também porque nessa mesma semana soubemos a sentença para os que torturaram e mataram a Jéssica. Os requintes de malvadez precisam da denúncia de todos, todos, todos.

Quanto à bagunça expectável em que Lisboa viveu, e que eu escolhi provar brevemente, pareceu-me muito bem. Como também me pareceu bem ao passar pelas filas para o concerto do Harry Styles em Algés, sem insultar ou desdenhar quem escolheu a bagunça. Ou os festejos no Marquês, outro exemplo. Fico sempre mais contente por viver num País que permite estas “loucuras” de felicidade.

Sobre dinheiro, esse deus, amo e senhor que se não criou o Universo faz girar o astro e agarra os humanos à Terra, para além dos números de retorno que foram o que foram, deverá ter uma contabilidade de difícil equação: as horas de felicidade de muitos, de publicidade a Lisboa e de como se poderá confirmar que Portugal é o país que, não sendo uma ilha como a Islândia e a Nova Zelândia que são os dois primeiros, está em sexto lugar no ranking dos países mais seguros. E são 163, os países. O que não vale isto para todos, todos, todos?

Dito isto, prossigamos para mais uma temporada de crónicas na DianaFm, a quem volto a agradecer a confiança. “Ultreia et Suseia!”, como se diziam antigamente, entre eles e elas, os peregrinos.