De cor
Do latim cor (coração) "de cor e salteado": conhecer algo perfeitamente. Do latim color (cor) sensação produzida nos olhos por ondas eletromagnéticas de uma certa frequência.
19.12.23
Despedida
12.12.23
Qual era a dúvida?
O ambiente político e jornalístico está irrespirável. A comunicação social veio sobretudo mostrar mais, mas também terá, como qualquer outra corporação, a sua parte no assunto: o sangue e o lodo vendem bem.
Ao fim de décadas envolvida em meios políticos, com uma vivência em ambientes frequentados por pessoas oriundas de estratos sociais bem diferentes, e sobretudo de relações de proximidade não hierarquizadas, o que vivemos agora traz-me, afinal e só, a pergunta: qual era a dúvida?
Qual era a dúvida que, desde sempre num mundo em que o bem-estar e a prosperidade colectivos vêm, com sorte, em segundo lugar e cada um anda é a tratar do seu jardim, tenhamos chegado aqui?
Qual era a dúvida que, num jogo social em que por todo o lado se julga que quem não é bom para si, não é bom para os outros e não projecta poder, não nos traria aqui? (Lá diz o ditado popular: quem parte e reparte e não fica com a melhor parte ou é tolo ou não tem arte.)
Qual era a dúvida que, no negócio das relações, os poderosos que não fazem jeitinhos aos que também têm o seu poder noutras áreas, não contribuem para que a cunha se transforme em chantagem (pistolão, como dizem no Brasil é muito mais adequado) e tenhamos chegado aqui? (Quem nunca ouviu que se fosse preciso ia chamar a CMTV?)
Ao fim de 50 anos, o que conquistámos foi também, com a Democracia, a oportunidade de muitos mais, para além das elites de poucos, imitarem os seus comportamentos. A definição de elite ganhou, na prática, declinações que, pelo menos, não nos deveriam deixar dúvidas sobre o porquê de vivermos o tráfico de influências como um sistema transversal. Ou há dúvidas que assim seja?
Há soluções definitivas? Ou é como as dividas dos governos que se vão gerindo? A mim resta-me ir tendo a consciência de que é assim e dos riscos que corro. E depois, lidar. Sem idolatrias, sem esperar por figuras salvíficas, mas com a oportunidade que não desperdiçarei de escolher, com a tal consciência, princípios, ideologias, avaliação de provas que me quiserem mostrar. Ou há dúvidas que é melhor termos o poder do voto para o usar do que ficarmos sentados em casa à espera? Ou ir lá convencidos de que chega votar para protestar e não para governar?
Para onde vamos, com este caminho? Não faço ideia, mas não tinha grandes dúvidas que chegaríamos aqui. E que nos habituaremos a isto, como a tudo. E, acima de tudo, tento não me esquecer de passados, mais distantes ou mais recentes. Se a desgraça dos outros não consola, o que vemos no Mundo aos 75 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos mostra-nos que não estamos sós. E que a esperança se serve em doses muito pequeninas.
5.12.23
O preço do azeite
28.11.23
Há poesia enquanto esperamos…
Quando a contemporaneidade ocidental nos traz, pela via da Democracia, o direito a reclamar aos Estados igualdade de oportunidades, rapidamente se percebe, olhando à nossa volta, que esse é ainda um direito “em construção”. Para além de que os direitos equivalem a deveres, quanto mais não seja de prestação de contas pelo seu usufruto. Este da “igualdade de oportunidades” é, pois,um desígnio difícil de exercer, pelo que não fará mal exercitá-lo noutros domínios: por exemplo, o das palavras, o de ler e ouvir sobre assuntos de Política, actividade para a grande maioria dos cidadãos bastante aborrecida.
Mas o domínio do discurso e, consequentemente, da comunicação, talvez seja aquele em que exercemos de forma mais acessível, essa igualdade com direitos, e sem deveres ainda em prática instituída. Coisa que acontece há relativamente pouco tempo, diria que desde o advento das redes sociais, onde quem as frequente pode dizer praticamente tudo sobre todos. Fazendo-o , ou ouvindo fazer, ensaia-se pelo uso das palavras as acções, ou pelo menos as intenções de acção. E muitas são reveladoras de carácter e propaladoras de ideologias ou formas de gerir e viver em comunidade de quem as produz, apoia ou contra-argumenta.
As palavras são as mesmas da matéria-prima de poetas que, no seu ofício, e como cavaleiros errantes, experimentam enquanto percorrem o caminho de as alinhar, organizam em pensamento sensações, emoções e tudo o que lhes parece indizível ou ainda por dizer. E é talvez por isso, gosto de pensar assim, que dou particular atenção à escolha dos poemas cujos versos são lidos por quem nos habitua a ouvir mais sobre números ou outros assuntos que não o do exercício da arte verbal ou do seu estudo. E que me faça dar ainda mais atenção a novos sentidos que possam acrescentar -se àqueles textos relidos em mais tempos e noutros contextos.
Vem isto a propósito do poema “Abandono” de David Mourão-Ferreira, conhecido como “Fado Peniche” em referência aos presos políticos do Estado Novo, citado parcialmente por Centeno, nestes momentos em que, suspensos, aguardamos, com um voto na mão, os destinos políticos próximos.
Enquanto estamos à espera da noite de 10 de Março do 50º ano da Democracia, talvez não seja desajuizado ir ouvindo com mais atenção o que nos dizem, não apenas os que terão nas mãos a gestão do País num futuro de quatro anos, mas quem os comente. E sobretudo, aproveitemos para recordar como sobrevivemos, nós neste cantinho, ao que assolou e assola o Mundo; mas também não esquecermos, na memória de curto prazo que parece ter arrastado 2020 e 2021 para um tempo fora da linha de Cronos, o que, apesar de tudo, se conquistou nos últimos oito anos. Por muito que os gritos de quem pouco ou nada contribuiu se façam ouvir em modo repetitivo, sem acrescentarem nada de concreto e de concretamente demonstrável. E, já agora, ir ouvindo os poetas que nos desafiam com a exigência de uma boa leitura que construa os sentidos dos versos mais enigmáticos.