19.12.23

Despedida

Esta será a minha última crónica na Diana. Não foi uma decisão fácil, nem resultou de qualquer impulso de última hora. Nada tem a ver com o resultado das eleições internas no PS, em que participei com o meu voto, convicta de que o novo Secretário Geral, com a vontade e a garra que lhe dão o carisma, tem as melhores condições para corresponder à vontade do voto popular no próximo dia 10 de Março.

Apetece-me citar o poeta, na sua versão Álvaro de Campos, e dizer: “O que há em mim é sobretudo cansaço /
Não disto nem daquilo, / Nem sequer de tudo ou de nada: / Cansaço assim mesmo, ele mesmo, / Cansaço.” Procurem o resto, vale a pena. Até porque este cansaço se cura, há baterias que se recarregam com o que se chama vontade. O que acontece quando, como eu, se deseja “impossivelmente o possível”.

Como expliquei na carta que escrevi a quem foram os primeiros a receber-me na Diana, “em cada crónica, note-se ou não quando vai para o ar, tenho-me empenhado com tanto esforço quanto o gosto e o prazer que é para mim pensar para escrever e partilhar. Mas o resto da minha vida é também muito isso mesmo, e o débito que me tem sido exigido alcançou agora um caudal que terá de abrandar nalguma frente.”

Foram mais de 12 anos em que nunca falhei uma única terça-feira. Crónicas gravadas no estúdio, no início. Mas também gravadas no outro hemisfério ou em várias latitudes. Como a imediatamente a seguir a 17 de junho de 2017, quando o inferno aconteceu em Portugal e eu estava na Califórnia, onde esse inferno acontece quase todos os anos. E eu só consegui gravar pouco mais que silêncio. Ou das vezes em que tive de “ir à faca” e os receios me faziam gravar as crónicas muito antes, não fosse o diabo tecê-las… Ou quando me despedia para sempre da minha Mãe…

Foram mais de 12 anos e ninguém vai para novo. Foram anos da minha vida que a Diana me proporcionou para tornar públicas as minhas ideias e palavras; das opiniões sobre o que fica mais perto, ou do que paira numa estratosfera muito própria. Distâncias ou proximidades a que muitos, certamente, não terão dado o sentido que desejavam ao ouvi-las ou lê-las. Os que nos emprestam os seus olhos ou os seus ouvidos são também construtores dos nossos textos e, por isso, também vos agradeço.

E não posso deixar de agradecer a alguém que contribuiu para que eu pudesse tornar-me uma pessoa interessante a quem abrir os microfones de uma rádio regional com as características da Diana. Alguém que teve um projecto para uma Évora ainda mais importante no panorama nacional, só em parte concretizado, e que muitos, injustamente, fizeram com que fosse, não apenas invertido, mas esquecido: falo de José Ernesto de Oliveira, obviamente.

E é assim que às Boas Festas que desejo a todos, não acrescentarei nem um “até para a semana”, ou um “até para o ano”, como costumava ser nesta altura. Será um “até sempre”, porque o sempre espera-se longo e o mundo está pequenino: andaremos, se quisermos, a “chocar” uns com os outros numa qualquer esquina, mais ou menos etérea.
Até sempre, então.

12.12.23

Qual era a dúvida?

O ambiente político e jornalístico está irrespirável. A comunicação social veio sobretudo mostrar mais, mas também terá, como qualquer outra corporação, a sua parte no assunto: o sangue e o lodo vendem bem.

Ao fim de décadas envolvida em meios políticos, com uma vivência em ambientes frequentados por pessoas oriundas de estratos sociais bem diferentes, e sobretudo de relações de proximidade não hierarquizadas, o que vivemos agora traz-me, afinal e só, a pergunta: qual era a dúvida?

Qual era a dúvida que, desde sempre num mundo em que o bem-estar e a prosperidade colectivos vêm, com sorte, em segundo lugar e cada um anda é a tratar do seu jardim, tenhamos chegado aqui?

Qual era a dúvida que, num jogo social em que por todo o lado se julga que quem não é bom para si, não é bom para os outros e não projecta poder, não nos traria aqui? (Lá diz o ditado popular: quem parte e reparte e não fica com a melhor parte ou é tolo ou não tem arte.)

Qual era a dúvida que, no negócio das relações, os poderosos que não fazem jeitinhos aos que também têm o seu poder noutras áreas, não contribuem para que a cunha se transforme em chantagem (pistolão, como dizem no Brasil é muito mais adequado) e tenhamos chegado aqui? (Quem nunca ouviu que se fosse preciso ia chamar a CMTV?)

Ao fim de 50 anos, o que conquistámos foi também, com a Democracia, a oportunidade de muitos mais, para além das elites de poucos, imitarem os seus comportamentos. A definição de elite ganhou, na prática, declinações que, pelo menos, não nos deveriam deixar dúvidas sobre o porquê de vivermos o tráfico de influências como um sistema transversal. Ou há dúvidas que assim seja?

Há soluções definitivas? Ou é como as dividas dos governos que se vão gerindo? A mim resta-me ir tendo a consciência de que é assim e dos riscos que corro. E depois, lidar. Sem idolatrias, sem esperar por figuras salvíficas, mas com a oportunidade que não desperdiçarei de escolher, com a tal consciência, princípios, ideologias, avaliação de provas que me quiserem mostrar. Ou há dúvidas que é melhor termos o poder do voto para o usar do que ficarmos sentados em casa à espera? Ou ir lá convencidos de que chega votar para protestar e não para governar?

Para onde vamos, com este caminho? Não faço ideia, mas não tinha grandes dúvidas que chegaríamos aqui. E que nos habituaremos a isto, como a tudo. E, acima de tudo, tento não me esquecer de passados, mais distantes ou mais recentes. Se a desgraça dos outros não consola, o que vemos no Mundo aos 75 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos mostra-nos que não estamos sós. E que a esperança se serve em doses muito pequeninas.

 

5.12.23

O preço do azeite

Aproxima-se o Natal, o período em que mais disparatadamente se usa o dinheiro pelo mundo ocidental. Também é a data que relembra que o Povo judeu vivia numa espécie de colonato lá no lugar da Palestina. Mas adiante, que hoje não me apetece falar desta tragédia, mas de dinheiro e do que está acontecer ao que se faz com o fruto das oliveiras, aquelas árvores cujos raminhos no bico de uma pomba representam a paz, segundo Picasso.

Quem vende “mete a unha” e aproveita o impulso desatinado de quem compra como se não houvesse amanhã. Sendo que os amanhãs mudam muito de família para família, essa instituição que, já agora, também na época das Festas, costuma ir ao centro das atenções mais ponderadas. Nem que seja mesmo só porque é Natal, em modo tréguas, o que até já nem vai servindo de desculpa a vários níveis.

Certo é que, ainda o São Martinho vinha longe, e já se reparava que o preço do azeite atingia valores proibitivos. E mesmo com o IVA a zero decretado pelo vilipendiado Governo. Nem as misturas mais manhosas que desvirtuam o “ouro líquido” se podiam, nem podem, considerar baratas.

Ora, quando se percebe destes movimentos da economia como de lagares de azeite, o mistério adensa-se. Procuram-se provas, suspeita-se das costumadas alterações climáticas, desconfia-se de álibis, como a de um agricultor que ouvi e achava o fenómeno tão incompreensível.

Parece que nos acompanham na infelicidade os nossos países-primos, por parte do lado da família mediterrânica. Provavelmente, para os países de outras costelas, o azeite não terá a importância que tem para nós, pelo que, para já, ainda não se os ouviu respingar.

Por muito que seja interessante obter explicações consistentes e criteriosas sobre o fenómeno, o que tentei, sinto-me como uma grande parte do eleitorado, provavelmente até o que só vai à mesa de voto quando não tem mais nada de interessante para fazer: o que eu quero é que alguém ponha mão nisto.

Mas com o azeite eu não tenho qualquer papel na resolução do problema, já que o boicote ao consumo se resolve naturalmente: se não há aquilo com que se compram os melões, também não há para comprar azeite.

Se a minha acção contasse, como na Democracia conta através do voto, garanto-vos que haveria de tomar toda a atenção a quem me explicasse, para além da promessa, como se chegou a estes preços e o que proporia, com argumentos sérios, para ir resolvendo o problema e evitar que voltasse.

28.11.23

Há poesia enquanto esperamos…

 Quando a contemporaneidade ocidental nos traz, pela via da Democracia, o direito a reclamar aos Estados igualdade de oportunidades, rapidamente se percebe, olhando à nossa volta, que esse é ainda um direito “em construção”. Para além de que os direitos equivalem a deveres, quanto mais não seja de prestação de contas pelo seu usufruto. Este da “igualdade de oportunidades” é, pois,um desígnio difícil de exercer, pelo que não fará mal exercitá-lo noutros domínios: por exemplo, o das palavras, o de ler e ouvir sobre assuntos de Política, actividade para a grande maioria dos cidadãos bastante aborrecida.

Mas o domínio do discurso e, consequentemente, da comunicação, talvez seja aquele em que exercemos de forma mais acessível, essa igualdade com direitos, e sem deveres ainda em prática instituída. Coisa que acontece há relativamente pouco tempo, diria que desde o advento das redes sociais, onde quem as frequente pode dizer praticamente tudo sobre todos. Fazendo-o , ou ouvindo fazer, ensaia-se pelo uso das palavras as acções, ou pelo menos as intenções de acção. E muitas são reveladoras de carácter e propaladoras de ideologias ou formas de gerir e viver em comunidade de quem as produz, apoia ou contra-argumenta.

As palavras são as mesmas da matéria-prima de poetas que, no seu ofício, e como cavaleiros errantes, experimentam enquanto percorrem o caminho de as alinhar, organizam em pensamento sensações, emoções e tudo o que lhes parece indizível ou ainda por dizer. E é talvez por isso, gosto de pensar assim, que dou particular atenção à escolha dos poemas cujos versos são lidos por quem nos habitua a ouvir mais sobre números ou outros assuntos que não o do exercício da arte verbal ou do seu estudo. E que me faça dar ainda mais atenção a novos sentidos que possam acrescentar -se àqueles textos relidos em mais tempos e noutros contextos.

Vem isto a propósito do poema “Abandono” de David Mourão-Ferreira, conhecido como “Fado Peniche” em referência aos presos políticos do Estado Novo, citado parcialmente por Centeno, nestes momentos em que, suspensos, aguardamos, com um voto na mão, os destinos políticos próximos.

Enquanto estamos à espera da noite de 10 de Março do 50º ano da Democracia, talvez não seja desajuizado ir ouvindo com mais atenção o que nos dizem, não apenas os que terão nas mãos a gestão do País num futuro de quatro anos, mas quem os comente. E sobretudo, aproveitemos para recordar como sobrevivemos, nós neste cantinho, ao que assolou e assola o Mundo; mas também não esquecermos, na memória de curto prazo que parece ter arrastado 2020 e 2021 para um tempo fora da linha de Cronos, o que, apesar de tudo, se conquistou nos últimos oito anos. Por muito que os gritos de quem pouco ou nada contribuiu se façam ouvir em modo repetitivo, sem acrescentarem nada de concreto e de concretamente demonstrável. E, já agora, ir ouvindo os poetas que nos desafiam com a exigência de uma boa leitura que construa os sentidos dos versos mais enigmáticos.