Pois lá vou
ter de citar Vergílio Ferreira outra vez. Os nossos Autores são assim, muito
presentes. Desta feita é para falar da festa popular maior do nosso concelho
que o escritor bem conheceu, a Feira de São João que está por agora a decorrer
com a pontualidade costumeira. Mas vou fazê-lo motivada pelo discurso oficial
que em torno da edição deste ano se construiu e que ficará seguramente para a
história (ficará?) como um panfleto simbólico deste novo (?) ciclo em que os
eborenses confiaram para gerir a sua terra.
Mas vamos lá
citar o Autor, num pensamento que encontrei quando procurava algo que incluísse:
a fé, afinal a feira tem nome de santo; a política, o tema da feira é
incontornavelmente político e toca ainda diretamente todos e cada um dos
portugueses de, pelo menos, duas gerações (a dos que conheceram o antes e o
depois do 25 de Abril, e os da primeira geração nascida em democracia); e uma
espécie de cultura do susto, versão light do terrorismo, e escala que me parece
mais adequada ao nível do assunto e dos protagonistas.
A frase de Vergílio Ferreira é densa, afinal o
homem é um Autor, ao contrário do que se espera, e que afinal apesar de tudo se
acaba por ter, pese embora toda uma gramática ideológica completamente
desajustada, de um texto de apresentação de uma feira onde ócio e negócio se
fazem, sobretudo, em ambiente de festa. Um discurso, ou narrativa como é mais moderno
dizer-se, este do panfleto, que assenta obviamente numa dificuldade auto
infligida. É que justifica o que não precisa de ser justificado, pois ou há
novidades ou não há novidades e justificar umas e outras, o que há e o que não
há, com base num mesmo argumento é arte para poucos. E é-se por isso obrigado,
para contornar o fatalismo do discurso que só parece sobreviver se se acentuar
o caos para dar brilho a uma nova luz, a usar uma tática velha e previsível
entre adversários já que quanto mais forte é o outro maior é a minha vitória
sobre ele. Isto quando, ao mesmo tempo, se quer deslumbrar à corrida os que, às
vezes eterna e dificilmente, estão descontentes com a falta de novidade, mesmo
que novidade a mais possa ser algo um pouco violento. O equilíbrio torna-se
ainda mais penoso de assistir quando para se brilhar se apregoa com todas as
letras a atitude do “isto tem de bater fundo para ser a nossa vez”. É o que se
pode ler no excerto do texto oficial da Feira de São João 2014: «Em tempos de
crise, de empobrecimento e regressão social, que atingem mais e mais eborenses
e portugueses, os valores humanistas da Revolução de Abril apontam novos rumos
para um futuro melhor em Évora e no país.» E é uma pena, enfim, quando só a
partir de um caos, real ou construído (e os eborenses e portugueses sabem bem
qual é o real e aperceber-se-ão um dia do que é o construído), só assim se
consegue justificar o que se faz. Feitios…
Mas vamos lá
à citação publicada em 1987 onde sem meter, metendo, o bedelho em dogmas
religiosos ou políticos, o Vergílio Ferreira utiliza os conceitos de fé e
esperança para falar do uso que delas se faz para criar sentimentos nas massas
acríticas. E é, por isso, que em poucas palavras, Vergílio Ferreira nos fala
das ilusões de uma e das cautelas de outra. E que acreditar coagido pelo
sentimento de medo (susto ou terror) não é ter esperança, porque esta se vai
ganhando com as respostas às questões que vão surgindo, resolvidas por outros
mas também por nós, porque quer os outros quer nós também criamos os problemas
a resolver, ou pelo menos tentar. E diz assim o grande Autor: «A fé é uma
esperança terrorista como a esperança é uma fé democrática. A fé é um acto solitário. A esperança
tem de ter em conta o que a excede. Mas na primeira está a certeza e na outra a
dúvida.» Vão pensando no assunto e divirtam-se na Feira.