Hoje na Universidade de Évora comemora-se Vergílio Ferreira.
Foi a 1 de março de há 20 anos que o escritor e pensador passou à eternidade.
Aquela que está guardada para os que, mesmo não estando por cá, não desaparecem
das vidas nem de quem os quer bem, nem das instituições que foram marcadas por
eles. Deixou-nos obras de ficção onde, como bem se sabe, qualquer semelhança
com a realidade não é pura coincidência, e textos onde reflecte sobre o Homem e
a Humanidade e a sua condição neste Mundo por onde passa e que constrói.
A Universidade de Évora, em cujo edifício principal, Vergílio
Ferreira ensinou 14 anos, rende-lhe homenagem premiando desde 1997, quando dois
Professores com responsabilidades governativas dentro da instituição – José
Alberto Gomes Machado, que tinha sido seu aluno no Liceu Camões, e Jorge
Araújo, Reitor na altura - o Prémio foi instituído com o objectivo não só de
homenagear o Autor, mas também de galardoar o conjunto da obra literária de um
autor de língua portuguesa relevante na narrativa e/ou no ensaio.
Da Vida que Vergílio Ferreira pôs por escrito, a Morte é uma
presença constante. Ensaios, mesmo em forma de romance, para tentar ligar as
coisas umas às outras e encontrar uma justificação para factos que inquietam
quem procura saber como melhor “equilibrar-se” nesta bola que é o Mundo… Em Aparição, o romance funciona como uma
espécie de laboratório em que o Autor experimenta a aplicação dos princípios
filosóficos que organizam o seu pensamento a uma realidade que constrói pelo
discurso literário e de acordo com as tendências vigentes nos finais dos anos
50 do século XX. Talvez por isso, esta obra se tenha colado tanto às “coisas
reais”: a vida de um professor, à época, na província portuguesa, em particular
no Alentejo e mais particular ainda em Évora; o ambiente social e político de
uma Cidade pequena socialmente e enorme historicamente; a beleza da paisagem,
enfim, a Cidade de Évora. E Évora torna-se assim, com a passagem do tempo sobre
a escrita e a recepção da obra, o seu motivo central. Aparição é Évora e, por muito que não agrade a todos os que a leiam
com atenção, e se detenham em algumas passagens, Évora é também a Aparição.
Mas voltemos a assuntos maiores e às afirmações que Vergílio
Ferreira foi pensando e escrevendo. Uma conta-corrente da sua Vida que
altruisticamente partilhou connosco que o lemos, como um efectivo Mestre do
pensar e do contar a Vida e os Homens. Remetido agora aos livros que escreveu e
foram publicados, foi neles que em Vida conseguiu dizer o que tinha para deixar
para a eternidade, é neles que na Morte continuamos a interrogá-lo, nós os
leitores, sobre os significados que deu ao que lhe importava. Lê-lo e pensar no
que diz é sempre um motivo de nos questionarmos a nós naquele lugar que ele
evoca, classifica, e tenta resolver. Como quando fala connosco e diz: «Que
importa o que erraste? Não haveria verdade nos outros sem o teu erro próprio. E
assim colaboraste na harmonia da vida. Se no mundo houvesse só uma cor, não
haveria sequer essa cor.» Ou quando nos alivia o medo da perda que a Morte nos
traz, sobretudo a nós mesmos: «Não te entristeças por não poderes já ver o que
verão os que vierem depois de ti. Porque depois de mortos, terão visto exactamente
o mesmo que tu.» A mim, estas “saídas” aforísticas consolam-me e fazem-me
sentir, ainda mais, parte de um colectivo sem excepções, em que o Tempo,
democraticamente, nos trata a todos por igual.
Até para a semana.